A Lei Anticorrupção e o Compliance Officer – Mobilidade, Valorização e Segurança da Função. Necessidade de Adequação Legislativa

06/05/2016

Por Bruno Dall’Orto Marques e Henrique Zumak Moreira – 06/05/2016

O Compliance Officer (ou agente de conformidade numa tradução ainda não usual) é nova função – de confiança e interesse público – que ganhou destaque no mercado brasileiro por conta de recentes mudanças legislativas (Lei da Concorrência, Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei Anticorrupção). Profissional responsável pela montagem do programa de compliance, tem seu trabalho guiado pelo trinômio “prevenir, detectar e responder”.

Os desafios são imensos no Brasil, terra em que o “jeitinho” é uma triste idiossincrasia, pelo que talvez seja um dos maiores entraves culturais para a implementação e êxito dos programas de compliance, os quais requerem um plus à ética e a legalidade. Não por outra razão, assistimos diariamente todos os canais de comunicação com notícias de grandes operações policiais de desvios de dinheiro público e afins.

Em remissão a outras digressões a respeito, já se esclareceu que a atividade do Compliance Officer importa num constante dilema, pois, mais do que eventualmente não gozar da simpatia dos integrantes da organização empresarial, tem em sua função, por outro lado, a adoção de posturas que, caso o profissional não conte com certas garantias, a efetividade do programa de compliance pode ser posta em risco. 

Afinal, mais do que simplesmente estar sujeito a ser surpreendido com denúncia que represente grave falha, erro ou prática ilícita dos seus superiores e, até mesmo, do board da empresa (conduta passiva), é função do Compliance Officer buscar a certeza de que tais práticas não estão ocorrendo (conduta ativa). Diante de tal circunstância, não apenas a mera subordinação hierárquica, mas, sobretudo, o temor reverencial, são o bastante para abalar as estruturas do bom prosseguimento de uma vigilância e investigação corporativa na medida dos protocolos pré-estabelecidos[1].

Não há melhor garantia à mínima expectativa de efetividade de um programa de compliance senão possibilitar a seu responsável trabalhar com segurança para o alcance de seus objetivos. O que fazer? Como atingir o equilíbrio dessa função de confiança e interesse público, eis que contribui seriamente para a função social empresarial?

O presente texto propõe reflexões acerca do instituto e, ainda, alternativas legislativas aptas a pautar e garantir o sucesso do trabalho do Compliance Officer, sob um novo trinômio: segurança, valorização e mobilidade.

Pois bem, a Comissão de Valores Mobiliários dispôs na Instrução 308/1999 que os auditores independentes – pessoas físicas ou jurídicas – não podem ter vínculo contratual maior que 05 (cinco) anos com pessoas jurídicas, e só podem ser recontratados após 03 (três) anos do término da relação jurídica.

Isso porque a função de auditoria é de um observador técnico externo, o qual possui uma série de responsabilidades, inclusive de reporte obrigatório, no curso de suas atividades, sendo a imparcialidade do trabalho uma característica essencial.

É natural que se evite que o observador externo crie intimidade com a empresa, quando sua função também é de extremo interesse público, diante da necessidade de a Comissão de Valores Mobiliários regular as atividades para proteção da sociedade e investidores.

Da mesma forma, além de ser necessário ao Compliance Officer o respeito por sua qualidade técnica, também precisa de algo que evite que sua atividade caia no comodismo e no conforto naturalmente adquirido ao longo de muitos anos dentro de uma empresa, exercendo a mesma função. E quando se cai no comodismo e no conforto, aí está a chave para o fracasso do programa de compliance, eis que se torna o agente de conformidade suscetível a eventuais desvios do padrão de excelência almejado ou antes adquirido ao longo de seu vínculo.

Tal qual o programa de compliance necessita de estar em constante revisão para que alcance sua efetividade, é imprescindível que se obrigue a empresa a oxigenar seu departamento de compliance, justamente para que novos olhares se debrucem sobre os trabalhos realizados, dentro de uma busca constante pela integridade corporativa.

Propomos ao Compliance Officer, assim, a aplicação por simetria à coerência da Instrução 308/1999, da CVM. Metaforicamente, em rio de correnteza não se forma lodo.

Ainda em homenagem à simetria, não é demais lembrar que os Cipeiros e Sindicalistas, empregados indicados como espécie de paradigma à funcão de compliance officer contam com limitação temporal, embora não em seus contratos de trabalho, mas em seus mandatos para o exercício de tais atribuições, devendo estes como aqueles serem trocados de tempos em tempos, inclusive, para evitar a promiscuidade da relação, bem como para projetar aos terceiros uma imagem de higidez.

Afinal, como no ensinou Eça de Queirós, o que se aplica em perfeita analogia à hipótese dessa proposição, Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo.

Retomando, temos que essa mobilidade, ainda, tem outra vertente de fomento ao programa de compliance, caso os trabalhadores sejam realocados em outros setores da empresa, pois, por certo, serão esses sujeitos vivos canais de comunicação e disseminação do programa, já que levarão a experiência e aprendizado dos anos de Compliance Officer para dentro do novo local/setor de trabalho, sendo efetivos parceiros dos Compliance Officers.

Caso eventualmente se questione o fato de Compliance Officer ser empregado, submetido, portanto, ao regime celetista que pressupõe uma relação de trato sucessivo, com as garantias a este inerentes, inclusive aquelas pertinentes aos Princípios da Aderência e da Inalterabilidade Contratual Lesiva, entendemos que isso se resolve com a anterior previsão legal (a proposta legislativa que ora apresentamos) que contenha tal determinação quanto aos contratos novos, inaplicável, todavia, aos contratos em curso quando da entrada em vigor da alteração legislativa adiante proposta, por força do Princípio do Direito Adquirido.

Nesse particular, é certo que o turnover nos contratos de trabalho em vigor, inclusive por pressão do mercado, motivará a renovação dos quadros de compliance, sob pena de desacreditar o próprio programa de compliance das corporações que optarem por manter seus setores engessados. Em suma, o respeito ao direito adquirido dos Compliance Officers que já estejam ocupando seus cargos não exclui a mens legis ora proposta de renovação quinquenal, pelo que se pretende, com isso, mudar a característica do mercado na tratativa, o respeito e valorização para com seus Compliance Officers e o trabalho por eles desempenhado.

Nessa esteira, ao menos no que pertine à função de Compliance Officer, temos que tal relação de direito material acaba adquirindo forma de contrato de trabalho por prazo determinado, nos termos do artigo 443, § 2º, “a”, da CLT, eis que existe com um único fim: implementar, fomentar e tornar exitosos os programas de compliance das corporações.

Ainda nesse compasso, salienta-se que a referida função de confiança somente pode ser exercida mediante segurança, adjetivo esse que no direito do trabalho se adquire via estabilidade (artigo 499, CLT). No entanto, para que ocorra adequação à teleologia das normas da Consolidação das Leis do Trabalho no novo contexto apresentado, é imprescindível que se entenda que a estabilidade não é inerente à pessoa do trabalhador Compliance Officer, mas ao contrato que lhe confere garantia do exercício de suas funções ao longo de sua duração, ainda que por prazo determinado.

O contrato goza dessa adição de segurança/estabilidade por conta da paridade de inteligência da função desempenhada com os membros da CIPA e aqueles que exercem Atividade Sindical, dentre outros profissionais que, embora trabalhem para a empresa e em prol de seus objetivos, se dispõem a laborar também não apenas em favor do resguardo dos interesses da coletividade dos trabalhadores e da própria empresa, senão, igualmente, de um anseio da Sociedade, nos exemplos citados de, respectivamente, ver reduzidos o número de acidentes de trabalho e ter seus trabalhadores organizados[2].

Naturalmente, por se tratar de trabalhador de tamanha confiança e interesse público, deve o ocupante da posição sob comento estar sujeito às regras de dispensa por justa causa, até porque não incorrer no rol fixado no artigo 482 da CLT é o mínimo que se espera de um Compliance Officer. Daí a essencialidade de se atribuir qualidade relativa à estabilidade/segurança do contrato.

Desta forma (proposta 1), o empregado que passa a integrar o setor de compliance, quando oriundo dos quadros da própria empresa, gozará de relativa estabilidade contratual com vistas a assegurar o pleno exercício da função, retornando à função antes desempenhada, ao final do prazo estipulado no aditivo ao contrato de trabalho que o deslocou para o setor de compliance, quando contará com estabilidade relativa de mais 01 (um) ano.

Por outro lado (proposta 2), o empregado que for contratado diretamente para compor o setor de compliance gozará de relativa estabilidade pelo prazo constante do contrato, visando assegurar o pleno exercício da função, podendo ser dispensado ao final de tal período, bem como aproveitado em outro setor da empresa, sem, contudo, contar com qualquer estabilidade adicional.

Ademais, reputa-se necessário (proposta 3), como um plus de segurança e transparência, que toda e qualquer demissão envolvendo empregado lotado no setor de compliance seja carregada de publicidade, com informação em canal de comunicação próprio e ao diversos ramos do Ministério Público (Federal, Estadual e do Trabalho), à Comissão de Valores Mobiliários, quando a empresa tiver seu capital aberto e, por fim, às respectivas secretarias de controle do Poder Executivo.

Isso porque a carga de interesse público depositada na função desempenhada por esse empregado requer que os interessados na empresa – fornecedores, consumidores, acionistas, investidores e a sociedade em geral, além dos Órgãos de controle acima citados – tenham a possibilidade de ter ciência dos motivos do desligamento. Por outro turno, evita-se que a demissão, ainda que devidamente indenizada do Compliance Officer, sirva-lhe como a compra do silêncio, como forma de frustrar a instauração ou continuação de investigações corporativas de apuração, numa tentativa de frustrar o dever de reporte às autoridades competentes.

Diante desse cenário, entendemos que se mostram necessárias adequações no ordenamento jurídico em vigor, que podem ser sintetizadas nas seguintes Propostas Legislativas: 1) alteração do artigo 443, § 2º, da CLT, devendo-se adicionar mais uma alínea, a “d”, a fim de que se inclua o contrato de trabalho do Compliance Officer pelo prazo ajustado entre empregado e empregador, não podendo ser superior a 05 (cinco) anos consecutivos, nem mesmo se celebrado de forma fracionada; 2) alteração do artigo 499, da CLT, conferindo estabilidade ao Compliance Officer no curso do seu contrato de trabalho; 3) criação de novo dispositivo, determinando aos empregadores que, em toda e qualquer hipótese de demissão de empregado do setor de compliance seja comunicada aos Ministérios Públicos Estadual, Federal e do Trabalho, à Comissão de Valores Mobiliários (caso de empresas de capital aberto), bem como às Secretarias Estaduais de Controle do Poder Executivo Estadual local.

Ao arremate, entende-se que as propostas ora apresentadas seguem a tríade mobilidade, segurança e valorização do Compliance Officer, de tal sorte que é necessária atenção do legislador para o interesse público e função social de tal função, a fim de que garanta à categoria condições dignas de trabalho aptas a enfrentar com autonomia e vigor as sérias vicissitudes do encargo, sobretudo visando resguardar os interesses da sociedade.


Notas e Referências:

[1] MARQUES, Bruno Dall’Orto e MOREIRA, Henrique Zumak. Compliance Officer – função em confiança ou função social? A necessidade de adequação legislativa. Empório do Direito. Sítio Eletrônico. <http://emporiododireito.com.br/compliance-officer-funcao-em-confianca-ou-funcao-social-a-necessidade-de-adequacao-legislativa-por-bruno-dallorto-marques-e-henrique-zumak/> Acesso em 12 de abril de 2016, às 17h.

[2] Idem


Bruno Dall’Orto MarquesBruno Dall’Orto Marques é inscrito sob o n o 8.288 na Seccional do Espírito Santo da Ordem dos Advogados do Brasil. Sócio em Varella, Dall’Orto & Malek Advogados Associados, com atuação nas áreas de Direito Público, Direito Penal e Direito Coletivo; Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES; Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV; Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV; Associado ao LEC – Legal Ethics and Compliance.


Henrique Zumak MoreiraHenrique Zumak Moreira é inscrito sob o n o 22.177  na Seccional do Espírito Santo da Ordem dos Advogados do Brasil. Sócio em Varella, Dall’Orto & Malek Advogados Associados, com atuação na área de Direito Penal. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES; Pós-graduado em Ciências Criminais e Direito Penal Econômico pelo IDPE – Instituto de Direito Penal Econômico Europeu/Universidade de Coimbra; Especialista em Compliance pelo LEC – Legal Ethics and Compliance; Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e ao LEC – Legal Ethics and Compliance.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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