A Lei 13.718/18 e a autodeterminação feminina

27/10/2018

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 1 (um) estupro contra a mulher a cada 11 (onze) minutos em 2015 e calcula-se que estes sejam apenas 10% do total dos casos que realmente acontecem, considerando as características próprias desse tipo de delito, em que o típico agressor é o homem próximo à vítima[1].

Nesse contexto, dentre as diversas novidades trazidas pela Lei nº 13.718/18[2], que alterou o Código Penal no que toca aos crimes contra a dignidade sexual (antes crimes contra os costumes), transformou-se a ação penal em pública incondicionada nas hipóteses previstas no Capítulo I do Título IV.

A maior euforia midiática foi direcionada para os novos tipos penais criados, na era do direito penal multiplicador e onipontente, que, entretanto, falha em controlar os índices de violência contra a mulher no Brasil, cujo número aumenta de forma exponencial.

Mesmo assim o legislador, na tentativa de retirar tais delitos da clandestinidade, suprimiu a necessidade da vítima maior e capaz de proceder à representação (delatio criminis postulatória) nos crimes de estupro, violência sexual mediante fraude, importunação sexual e assédio sexual.

Pela nova lei, basta que a autoridade tenha conhecimento dos fatos, independentemente da vontade da vítima, para que exista a imposição de um fazer contra a mulher, qual seja, comparecer na delegacia, audiências, enfim, tomar parte daquilo que os antigos chamavam de strepitus iudicii[3], isto é o escândalo do processo relacionado aos fatos íntimos de alguém.

Enquanto alguns acreditam que a mudança foi positiva, possibilitando uma maior enfrentamento da violência contra a mulher, a referida mudança traz à lume o machismo enraizado, que neutraliza o poder decisório da mulher, confirmando a ausência de proteção da vítima imposta pelo sistema penal.

Há ainda os que afirmam que como os referidos crimes ocorrem na clandestinidade, bastaria que a mulher permanecesse calada para que não se iniciasse a ação penal, situação ainda mais preocupante, que silenciaria a vítima que busca ajuda mas que não deseja se submeter ao processo penal vitimizador, ao reencontro com o agressor, mesmo que processual, à demora da resposta jurisdicional, enfim, todas as mazelas que permeiam o sistema de justiça criminal brasileiro.

Caracteriza-se uma violação ao bem jurídico que, em tese, os crimes contra a dignidade sexual protegem, qual seja, a liberdade sexual (e não mais a moral e os bens costumes), ceifar o poder decisório da vítima maior e capaz de querer ou não a intervenção estatal em fatos relacionados à sua intimidade.

Ademais, a apontada “solução”, antes mesmo de ser empiricamente testada, está fadada ao insucesso, eis que, conforme dito, a clandestinidade desses crimes é a regra, de modo que a mulher continuará sofrendo essa violência permanente, diária e machista, eis que tais fatos não serão levados à autoridade.

Como alternativa, o meio de enfrentar a violência sexual contra a mulher, apesar de complexo, começa com a emancipação, representatividade, reconhecimento da mulher e sua autodeterminação, orientação multidisciplinar e sim, a punição estatal, desde que devidamente desejada pela vítima maior e capaz, cujo poder decisório deve ser respeitado, caso contrário, apenas continuamos legitimando o atemporal machismo da sociedade moderna.

 

Notas e Referências

[1] Fonte: Ipea, com base em dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde.

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivIl_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13718.htm

[3] https://www.jusbrasil.com.br/topicos/26390508/strepitus-judicii/definicoes

 

Imagem Ilustrativa do Post: untitled // Foto de: Feans // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/endogamia/32740160755

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura