A Legitimidade Passiva na Revisão Criminal

15/07/2015

Por Analú Librelato Longo e Jéssica Gonçalves - 15/07/2015

A Revisão Criminal, embora localizada no Código de Processo Penal, no Título II, relacionado aos Recursos, trata-se de uma Ação Autônoma de Impugnação, ao lado do Habeas Corpus e do Mandado de Segurança contra ato jurisdicional.

Diferencia-se dos recursos por inaugurar uma nova relação jurídica, por não estar adstrita ao pressuposto da tempestividade e por só poder ser proposta após o trânsito em julgado (inclusive após o cumprimento da pena e a morte do condenado).

O fundamento da revisão criminal está no artigo 5º, LXXV, da Carta Magna de 1988, segundo o qual “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Só em casos excepcionais, taxativamente arrolados pelo legislador, prevê o ordenamento jurídico a possibilidade de desconstituir-se a coisa julgada por intermédio da ação de revisão criminal e da ação rescisória para o juízo cível. Isto ocorre quando a sentença se reveste de vícios extremamente graves, que aconselha a prevalência do valor “justiça” sobre o valor “certeza”  (Ada Pellegrini Grinover, 2009, p.237)

Pela leitura no art. 621 do Código de Processo Penal facilmente detectam-se os requisitos da Revisão Criminal: trânsito em julgado, sentença condenatória (ou absolutória imprópria) e erro judiciário.

Vale esclarecer, que se permite a revisão de sentença absolutória imprópria uma vez que, nesta hipótese, a medida de segurança é aplicada diante da impossibilidade de condenar o acusado, conforme se depreende da leitura conjugada dos arts. 26 e 97 do CP e 386,parágrafo único, III, do CPP.

Quanto à legitimidade ativa, tanto o acusado, seu defensor ou, em caso de morte, o cônjuge, companheira, descentes, ascendentes ou irmãos podem propor.

A legislação silencia quanto à possibilidade de o Ministério Público propor a ação em questão. A doutrina, por sua vez, oscila, restando claro, por parte daqueles que entendem ser possível, que o parquet tem obrigação de demonstrar na inicial que está agindo em benefício do condenado. O Supremo Tribunal Federal enfrentou o assunto, no ano de 2001, oportunidade em que negou a possibilidade (RO em HC 80.796-8, 2001)

Ponto tormentoso, todavia, relacionada a essa ação, de iniciativa exclusiva da defesa, é legitimidade passiva.

Na doutrina é possível identificar um tripé de posicionamentos.

Parte, entende que a Revisão Criminal é uma modalidade sui generis de ação, já que traz consigo o caráter de garantia constitucional instrumentalizada, de modo que não possui parte passiva.

Alguns entendem que o pólo passivo será ocupado pelo Estado, representando pelo Ministério Público.

Por fim, há quem defenda que a parte passiva será o Estado ou União – dependendo da sentença ou acórdão que gerou a condenação que se pretende modificar, que atuarão por meio das respectivas Advocacias-Gerais do Estado e/ou Procuradoria-Geral do Estado ou da União, por ser justamente quem arcará com o pedido de indenização (CPP, art. 630).

Nos termos do art. 257 do CPP, ao Ministério Público cabe promover, privativamente, a ação penal pública e fiscalizar a execução da lei.

O art. 625, do CPP,  quando trata da Revisão Criminal, diz que o Ministério Público “dará parecer”.

Necessário que se conjugue, ainda, o art. 129, IX, da CF, segundo o qual é vedado ao parquet a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Da leitura dos dispositivos citados, logo se percebe que o papel do Ministério Público na Revisão Criminal é de custos legis. Afinal, quem dá parecer não é parte. Quem é parte contesta (responde), oferece oposição e/ou contrarrazões.

Oportuna a lição de Ada Pelegrini Grinover para que se perceba o quanto se distância da condição de parte o papel desempenhado pelo Ministério Público na Revisão Criminal:

Ocorrendo as razões de ordem pública já antes referidas, a lei confere legitimação ao Ministério Público para oficiar no processo, seja criminal ou civil. E, participando do processo como sujeito postula, requer provas e as produz, arrazoa e até recorre (CPC, 83 e 499, §2º), o Ministério Público assume invariavelmente a posição de parte (seja principal, seja secundária).

O art. 630,  § 1o , por sua vez, quando se refere à indenização, dita que “Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça". (sem grifo no original). Assim fazendo, o referido dispositivo identifica quem será  a parte passiva na Revisão Criminal.

Nesse contexto, conclui-se que o Ministério Público, chamado a opinar na revisão criminal, intervirá como custos legis, não lhe cabendo representar o Estado ou a União. Poderá manifestar-se livremente, a favor ou contra o pedido, não figurando como parte contrária ao condenado.


Notas e Referências: 

GRINOVER, ADA Pellegrini et al. Recursos no processo penal: teoria dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais -  6ª ed. rev., atual., e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009;

CINTRA, Antonio Carlos de Araujo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 8ª ed. São Paulo: RT, 2008, P. 319


Analu
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Analú Librelato Longo é Pós-Graduada em Penal e Processo Penal pela Univali. Promotora de Justiça de SC e Professora de Processo Penal (Nulidades e Recursos) da Escola do MP/SC.
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Jéssica Gonçalves é Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL-SC. Formada pela Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina (módulo I e módulo II). Pós Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC-SC. Pós Graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau – FURB-SC. Pós Graduada em Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau – FURB-SC. Mestranda do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC-SC. E-mail: jessic.goncalves@hotmail.com
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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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