A LEGÍTIMA DEFESA versus o legítimo ataque: o paradoxo entre a legalidade das ações das forças de segurança pública e as medidas de tolerância zero    

25/05/2019

 

É inegável que aumento da criminalidade no Brasil atingiu níveis alarmantes e insustentáveis, sobretudo na última década, chamando a atenção tanto do Governo Federal quando da sociedade civil e ganhando destaque na imprensa nacional e internacional.

O cenário da criminalidade no Brasil torna-se ainda mais alarmante quando comparamos os diferentes cenários e como as mortes aconteceram. O País desde o seu período imperial[i] não trava batalhas internas de pacificação com conflitos armados ou revolucionários[ii] ou sofreu invasão de nações estrangeiras.

Entretanto, o histórico estatístico contabilizado pelo Governo Federal nos mostra que no período compreendido entre os anos de 1980 e 2014, 967.851 pessoas morreram no Brasil vítimas de arma de fogo[iii].

Este cenário de extrema violência e altos índices de criminalidade o qual o País enfrenta supera em muito as mortes causadas por conflitos armados ao redor do mundo onde há guerras declaradas ou onde combatentes treinados e preparados se deparam com enfrentamentos armados diariamente há anos (ver Quadro 1).

Quadro 1: Comparativo Entre as Mortes Ocorridas no Brasil por Armas de Fogo vs Mortes Causadas em Conflitos Armados RECENTES pelo Mundo.

Fontes:

  1. otan, 2018. coNSIDERANDO-SE APENAS OS MILITARES ALIADOS MORTOS EM COMBATE. AS BAIXAS INIMIGAS E DOS CIVIS NÃO FORAM CONSIDERADAS, POIS SÃO MUITO DÍSPARES.
  2. u.s Department of defense, 2011. as baixas dos combatenTes e insurgentes iraquianoS São ESTIMADAS, não constituindo um número preciso.
  3. THE LANCET. PATTERNS OF MORTALITY RATES IN DAFUR CONFLICT. CONSULTA EM 22/11/18.
  4. CENTRO NACIONAL DE MEMÓRIA HISTÓRICA DA COLÔMBIA. NÚMERO ESTIMADO ENTRE MILITARES, CIVIS E GUERRILHEIROS. CONSULTADO EM 22/11/18.
  5. Mapa da Violência 2016, Ministério da Saúde, coordenado por Julio Jacobo Waiselfisz.

 

De acordo com diferentes fontes, nacionais e internacionais, o Brasil possui altas taxas de crimes violentos, entre estes, os homicídios, cuja taxa é superior a 20 homicídios por 1000 habitantes[iv], fazendo com que o País figure em os vinte mais violentos do mundo.

Segundo o Mapa da Violência 2016 – Mortes Matadas por Arma de Fogo[v], somente no ano de 2014, 44.861 pessoas foram assassinadas a tiros, fazendo com o que o Brasil ocupe a décima[vi] pior colocação no ranking mundial dentre as cem nações, cujas estatísticas, são consideradas confiáveis.

Em que pese o fato da Lei Nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, também conhecida como Estatuto do Desarmamento, que "dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição (...)", ter entrado em vigor, no dia seguinte de sua publicação, a mesma não surtiu o efeito esperado onde se presumia que haveria uma queda consideravél nos crimes com armas de fogo.

Inicialmente percebeu-se uma redução dos crimes desta categoria, todavia, na prática o que ocorreu foi que o cidadão de bem que possuía arma em casa para devender sua família ou propriedade rural, acabaram entregando suas armas ao Governo Federal, enquanto que os criminosos, obviamente, continuaram a portar armas ilegalmente, adquiridas através do contrabando de outros países, através de compra no mercado negro e provenientes de furto de delegacias de Polícia, Quartéis das Forças Armadas e de Fóruns, onde as mesmas se encontravam custodiadas em cofres de segurança como evidências de crimes.

Segundo, Gary S. Becker, Prêmio Nobel de Economia em 1992, em seus estudos, propôs a Teoria Econômica do Crime, na qual “a análise econômica do comportamento nos permite supor que os indivíduos optam pelo delito caso em que o retorno esperado seja maior que o custo associado à escolha onde a associação criminosa diminui os riscos desse custo e/ou os custos desse risco favorecido pela impunidade e esta por sua vez determinada pela corrupção política”.

Per summa capita, o governo desarmou o cidadão comum, enquanto os criminosos continuaram armados e estes, em encontrando menor resistência para investir contra aqueles, acabaram por concentrar, em alguns casos, maior poder de fogo que as próprias forças de segurança pública, em que pese haver determinadas localidades onde policiais não entram.

Diante desta situação inimaginável para um País pacificado e com o nível de desenvolvimento do Brasil, a população tem exigido de seus governantes medidas de enfrentamente do crime, as quais vão desde a revogação do estatuto do desarmamento, como a flexibilização do porte de armas[vii], até a implantação de medidas de tolerância zero[viii] e a aceitação da lei do abate[ix] por snipers[x] para conter a proliferação da ostentação de armas de fogo por bandidos nas ruas das grandes cidades.

O que os governanantes em suas diferentes esferas de poder estão propondo é que as forças de segurança possam, através destes atiradores de elite, abater livremente todo e qualquer indivíduo que esteja nas ruas ostentando armas de fogo, como se inimigos em um campo de batalha fossem, de modo a promover uma verdadeira “limpeza” daqueles que são indezejados pela sociedade.

Em agindo esta forma governo estaria fazendo uma permuta entre o direito a legítima defesa dos seus policiais pelo direito ao lefítimo ataque, baseando-se de certa forma, na Doutrina Bush[xi], no que concerne ao ataque preventivo, ou seja, antes dos criminosos tomarem a iniciativa de atirar em policiais, estes, teriam a prerrogativa de atirar naqueles primeiro, segundo o critério da ostestação e do porte ilegal de armas livremente pelas ruas.

Esta mudança de paradigna no combate ao crime daqueles portadores de arma de fogo ilegais no Brasil, apesar de ser um clamor da população e ser intensão de alguns governantes[xii], enfrenta alguns óbices jurídicos.

O Governo ao permitir que seus agentes atirem preventivamente em criminosos portando armas de fogo antes mesmo de serem atacados, o Estado estaria ignorando o direito a legítima defesa em detrimento ao direito ao legítimo ataque, antecipando[xiii] de certa forma, o crime de tentativa de homicídio[xiv], uma vez que o crime de porte ilegal de arma de fogo[xv] já foi consumado.

Consoante ao Código Penal, o agente do Estado que viesse a fazer uso do “ataque preventivo”, estaria comentendo agressão injusta, à luz de seu art. 25: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Neste caso, não caracerizaria a legítima defesa sem o elemento “agressão”, atirando preventivamente com o objetivo de neutralizar o alvo, sendo que o fator “moderação” restaria anulado.

Outro impedimento legal reside art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988, sendo que o criminoso que estivesse portando arma de fogo, ao ser abatido por um sniper, teria o seu direito a “plenitude de defesa”, cerceado.

Diante deste complexo cenário onde a população pressiona os governantes por medidas mais contundentes no combate aos criminosos, onde no confrontamento urbano há assimetria nos confrontamentos, onde o crinimoso pode usar todos os meios para abater as forças de segurança, mas estes tem que seguir as regras de engajamento, aliado ao aumento da criminalidade e o crescente número de baixas entre os policiais, reside o paradoxo entre esperar ser atacado para reagir ou atacar preventivamente.

Enquanto Estado brasileiro não encontra uma solução juridicamente aceitável, o País continuará convivendo com esta guerilha urbana e assistindo o número de mortos aumentar anualmente, trazendo não somente a perda de vidas humanas, como inúmeros outros prejuízos causados em decorrência da criminalidade.

 

 

Notas e Referências

[i] Compreende o período de 7 de setembro de 1822 a 15 de novembro de 1889.

[ii] Exceção à Revolução Constitucionalista de 1932, quando a unidade nacional do território brasileiro já havia se consolidado.

[iii] Cabe aqui salientar que, para efeitos deste estudo, não foram consideradas as mortes decorrentes de acidentes no manuseio das armas, tais como: disparos acidentais ou mortes causadas a terceiros por armas que supostamente não funcionavam mais ou que estariam descarregadas. Os suicídios também não se encontram nessas estatísticas.

[iv] Notícia publicada no jornal Neozelandês The New Zealand Harold, “Brazil Morder Rate Similar to War Zone”, de 26/09/2006.

[v] Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde, 2014.

[vi] Segundo as fontes Whosis, Locais e Census, o Brasil só está atrás de Honduras, El Salvador, Ilhas Virgens, Venezuela, Colômbia, Bahamas, Belize, Porto Rico e Guatemala.

[vii] Decreto vigente desde 15 de janeiro de 2019, o qual “dispõe sobre o registro, posse e comerciaização de armas de fogo”, alterando o Estatuto do Desarmamento.

[viii] Aplicada como uma modelagem na segurança pública, onde a ação policial é, de sobremaneira, intransigente com pequenos delitos de menor potencial ofensivo.

[ix] Não confundir com a Lei Nº 9.614/98, lei que alterou o Código Brasileiro de Aeronáutica, instituindo o chamado “tiro de abate” às aeronaves que entram no espaço aéreo brasileiro sem se identificarem vindo a ser, após os procedimentos necessários, consideradas hostis ao Estado.

[x] Atirador de elite oriundo das Forças Armadas ou Forças Policiais especilizando em tiros de precisão a longa distância.

[xi] É uma série de princípios relacionados à política externa dos EUA, sancionadas pelo então Presidente George W. Bush (2001-2009), os quais passaram a vigorar após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, tendo como premissa inicial, o direito dos EUA tratar como terroristas os países que abrigam ou dão apoio aos grupos terroristas.

[xii] Os Governados João Dória Jr. (São Paulo) e WilsonWitzel (Rio de Janeiro) já se pronunciaram publicamente a favor da apelidada “Lei do Abate”.

[xiii] Consideramos a forma antecipatória, uma vez que não houve o disparo contra os policiais, todavia, não havendo garantias de que não haverá (Art. 14, II, CP/40).

[xiv] Previsto no Art. 121, CP/40.

[xv] Arts. 14 e 15, Lei Nº 10.826/03.

 

 

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