Por Danielle Mariel Heil - 09/07/2015
“Eu entrei como um leão e vou embora como um cordeiro. Erin e Emma mantenham sempre o coração do leão. Para os meus irmãos, eu desejo que eles nunca tenham que andar esses 15 passos que andei hoje. Eu tenho tentado chamar a atenção para a futilidade desse sistema falho que temos hoje em dia. Parem com a loucura”. Lawrence Raymond Reynolds Jr. Executado em Ohio no dia 16 de março de 2010. Matou sua vizinha de 67 anos após uma tentativa de estupro.
Direito penal norte-americano
Para o desenvolvimento do presente artigo, é importante destacar a origem e características do modelo jurídico common law, bem como traçar breves diferenciações com relação a tradição do civil law, para posteriormente adentrar na temática do direito em si, a fim de propiciar uma melhor compreensão acerca do Direito Penal em solo norte-americano.
Tanto o Brasil como os Estados Unidos têm sua justiça baseada em preceitos constitucionais, porém no Brasil vislumbra-se maior vinculação com a Constituição de 1988, em razão de sua estrutura rígida[1].
A nação norte-americana foi fundada a partir de três documentos básicos que compõem o sistema constitucional, conforme destaca Castro Júnior: “A Declaração da Independência, a Constituição Federal de 1787 e o Bill of Rights, sendo que para Castro Júnior o sucesso da Constituição norte-americana repousa na sua flexibilidade”[2].
O Poder Judiciário americano, adepto do common law, possui uma Constituição enxuta, uma carta de princípios, e seu direito baseado em casos, onde cada decisão se torna jurisprudência por ser a expressão da moral da sociedade naquele momento[3].
Sobre os países adeptos ao common law, preceitua Soares:
A Common Law é um importante sistema de Direito que abriga mais de 54 países do globo, dentre os quais podemos citar: Austrália, Nova Zelândia, Quebec, Índia, Paquistão, Bangladesh, Quênia, Nigéria, Hong Kong, Guiana, Trinidad e Tobago, Barbados e Estados Unidos que em sua maioria (com exceção da Louisiana), pertence à família common law[4].
No tocante às fontes do common law, pode se afirmar que o precedente judicial é sua fonte mais importante, pois é através dela que os juízes interpretam, em regra, a legislação[5].
A Constituição Federal dos Estados Unidos da América, mesmo após mais de dois séculos de vigência, continua viva e atualizada, e já consagrava a supremacia do texto constitucional nos seguintes termos:
Esta Constituição, as leis dos Estados Unidos em sua execução e os tratados celebrados ou que houverem de ser celebrados em nome dos Estados Unidos constituirão o direito supremo do país. Os juízes de todos os Estados dever-lhes-ão obediência, ainda que a Constituição ou as leis de algum Estado disponham em contrário[6].
No tocante a diferenciação das tradições jurídicas advindas do common law e civil law, no que se refere ao direito penal, discorre Clementino:
Enquanto na civil law se procurou criar um sistema racional, prévio e abstrato, para a criminalização de condutas e estabelecimento das respectivas sanções, na common law o direito penal se expressa na proteção conferida pelo Estado a liberdade do indivíduo. Assim, a dogmática penal se estruturou por intermédio do processo penal, tendo como referencial a defesa da liberdade individual[7].
Para o direito penal norte-americano o “crime é a violação ou negligência de obrigação legal, de tal importância pública que o direito, costumeiro ou estatutário, toma conhecimento e implementa punição”[8].
No tocante aos crimes no ordenamento jurídico estadunidense:
A maioria dos crimes é de competência estadual. São crimes federais os que dizem respeito à propriedade do governo central, ou que se dão em âmbito de diferentes estados, ou que evoquem problemas nacionais, como o combate ao narcotráfico, marco das administra-ções republicanas de Ronald Reagan e de George Bush[9].
O direito criminal no sistema anglo-saxão é substancialmente um direito penal de feição inglesa, cuja herança afeta os modelos criminais estaduais. Em 1962 formatou-se um código penal modelo, o Model Penal Code (MPC), organizado pelo American Law Institute:
[...] Esse código foi desenvolvido por um grupo de juízes, advogados e professores de direito e é concebido para refletir o direito criminal nos Estados Unidos. O projeto começou em 1952. A justificativa para um código modelo prende-se na fragmentação dos direitos penais estaduais, frequentemente baseados em percepções de necessida-des públicas locais, sem demorados exames dessas situações específicas. O projeto estava basicamente completo em 1962, após a redação de treze ante-projetos. Desde 1962, aproximadamente dois terços dos estados têm adotado novos códigos penais, sob forte influência do código modelo[10].
Segundo Burnham, é a partir da divulgação desse código modelo que se fala em partes geral e especial, aquela indicando conceitos, essa identificando crimes em espécie, como na tradição da civil law do direito ocidental[11].
O princípio da legalidade encontra-se constitucionalizado no artigo I, parágrafos 9 e 10 da Constituição dos Estados Unidos da América, na medida em que proíbem-se o bill of attainder e a ex post facto law (Constituição dos Estados Unidos da América, Artigo I, §§ 9 e 10).
No entendimento de Burnham:
O ‘bill of attainter’ consiste na legislação de exceção que declara específica pessoa culpada de crime e sujeita à penalidade, independentemente de julgamento ou condenação formal. A ex post facto law tipifica e penaliza comportamento pretérito, retroagindo em prejuízo do agente[12].
Com relação ao distanciamento entre o modelo penal norte-americano, do common law, e o brasileiro da civil law, tem-se que:
Os Estados Unidos da América possuem um sistema diferenciado do Brasil. A Lei Penal é discutida e votada em cada estado que compõe o Estado maior, ou seja, cada estado possui lei penal própria para aplicação em seu território. É considerado um dos países com maior índice de execução em casos de pena de morte. Estados como o Mississipi, Texas, Flórida e Geórgia prevêem a aplicação da pena em seus limites aduaneiros. O país que mais recentemente aboliu a aplicação da pena de morte foi o Uzbequistão, no início do ano passado[13].
Para Latzer, no sistema norte-americano adepto ao common law, diferentemente do sistema jurídico brasileiro, os denominados Juveniles, ou seja, adolescentes, à época do crime podem ser executados[14].
Na concepção de Wallace e Roberson acerca da determinação de imputabilidade penal:
A imputabilidade penal é muito flexível nos Estados Unidos, sendo que os menores de sete anos são inimputáveis, já entre sete e quatorze anos há presunção de que a criança ainda não adquiriu perfeita capacidade mental. Entre quatorze e dezessete anos há justiça especializada para determinar a culpabilidade (juvenile courts)[15].
Já no tocante ao processo criminal, Godoy ensina que:
Este divide-se em duas partes distintas de acordo com a pena aplicável: as ofensas graves (felonies), puníveis com penas severas, inclusive a pena de morte, e a misdemeanour, que são ofensas penais menos graves, puníveis em reformatórios e nas cadeias públicas[16].
Portanto, observa-se que o instituto da pena de morte é utilizado como sanção para as penas ditas como severas em solo estadunidense.
Na visão de Callado de Oliveira, alguns Estados utilizam a própria eternidade em sua justiça penal, como a prisão perpétua e a pena capital, no sentido de indicar que neles existem crimes irremissíveis[17].
Nos Estados Unidos, segundo Serrano, a maioria dos Estados que adota a pena de morte, a decisão da vida ou da morte do criminoso cabe ao júri popular, sem intervenção do juiz ou de autoridades que possam absolver o criminoso. A vontade do povo, democraticamente demonstrada através das pessoas do povo, em sua decisão no júri, é soberana[18].
Cumpre registrar que em 1972 a Suprema Corte baniu a pena de morte, sob premissa de crueldade, decisão revertida em 1976 quando os estados reformularam suas leis de execução.
Como é de se saber, os Estados dos Estados Unidos possuem diversos poderes e relativa autonomia em relação ao governo federal, o que os torna relativamente independentes ao governo federal e permite certa autonomia para que os 50 estados que compõem este país possam regular a sua própria justiça[19].
Isso explica o fato de que em alguns estados americanos admite-se, por exemplo, a pena de morte e a prisão perpétua e em outros não.
Dentre os estados norte-americanos mais desrespeitador dos direitos das populações prisionais na América está o Texas, sendo aquele que aplica mais penas de morte[20], conforme se demonstrará a seguir.
Texas: Capital mundial das execuções e efeitos de sua pena
Vale destacar que o Estado do Texas possui um papel muito importante no que tange a pena de morte, devido à grande quantidade de execuções. Por esta razão ele possui o título de ‘Huntsville: Capital Mundial das Execuções’[21].
De acordo com o Departamento de Justiça Criminal do Texas, o corredor da morte esteve situado no Edifício Leste da Unidade de Huntsville de 1928 a 1952. De 1952 a 1965, a cadeira elétrica esteve no Muro Leste da Unidade de Huntsville[22].
Em 1999, o Departamento de Justiça Criminal do Texas levou o corredor da morte para a Unidade Polunsky. O corredor da morte separa os criminosos em celas individuais com janelas, e também concede a eles recreação individual. Os condenados recebem uma dieta pontual, e têm acesso a leitura, à escrita e também a outros materiais que sejam considerados legais. Dependendo do nível da sua custódia, ao preso é permitido escutar o rádio. XAVIER, Ana Paula Krentz. Aplicabilidade e eficácia da pena de morte como instrumento de defesa social: estudo de caso nos Estados Unidos da América. Monografia apresentada no curso de Direito da Univali no ano de 2004, p. 65. Disponível em: http://siaibib01.univali.br/pdf/Ana%20Xavier.pdf.
Quando a pena de morte foi declarada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em 29 de junho de 1972, como cruel e irregular havia 45 homens no corredor da morte no Texas, e 07 homens presos nos municípios com sentenças de morte a serem cumpridas. Todas as sentenças foram convertidas em liberdade pelo Governador do Texas, e em março de 1973, o corredor da morte estava vazio[23].
Ainda no mesmo ano, preceitua Xavier:
Uma alteração no Código Penal do estado permitiu novamente a aplicação da pena capital, e foram retomadas as execuções em 01 de janeiro de 1974, sendo que o primeiro homem a ser mandado ao corredor da morte foi John Devries, em 15 de fevereiro de 1974. Ele acabou cometendo suicídio por enforcamento em 01 de julho do mesmo ano, utilizando os lençóis de sua cama[24].
Desde que a pena de morte foi restabelecida em 1976, o Estado do Texas liderou o número de execuções, sendo que junto com a Califórnia, Flórida e Pensilvânia, possuem as maiores populações do corredor da morte[25].
Acerca da execução condenados, vale registrar:
Em janeiro de 1996, foi permitido aos parentes próximos e amigos da vítima observarem as execuções, sendo que o método mais utilizado no estado atualmente é a injeção letal, que foi adotada em 1977, e é composta de sódio tiopental (um barbitúrico), que primeiro anestesia o indivíduo, de brometo, que relaxa seus músculos, e por fim, de cloreto de potássio, que pára as batidas do coração. A morte do executado é geralmente pronunciada 07 (sete) minutos depois da injeção letal começar a agir[26].
No ano de 2002, 71 prisioneiros foram executados, 33 deles apenas no Texas, que liderou o número de execuções por estado. Destes, 69 eram homens e 02 eram mulheres, no total de 53 brancos, 18 negros e entre todos, 06 latinos, sendo que a idade média dos condenados é de 28 anos[27].
Ademais, de acordo com o Código Penal do Estado do Texas, se o juiz ou júri, quando autorizados por lei, não tiver absoluta certeza que o acusado é culpado dos crimes descritos, ele pode condená-lo a uma pena inferior[28].
Portanto, segundo as normas da capital mundial das execuções, é possível evidenciar que não há aplicação do in dubio pro reo, diferentemente da legislação penal brasileira, no qual este princípio vigora como verdadeiro divisor de águas.
Portanto, no Estado norte-americano do Texas:
Juiz é quem prolata a sentença de morte, sendo que o Governador possui autoridade sobre o conselho da comissão de absolvição e liberdade condicional. Ele necessita de uma recomendação favorável da comissão para que possa conceder o perdão ao sentenciado à morte, porém não é obrigado a seguir essa recomendação[29].
Nesse sentido, enfatiza Bierrenbach:
A pena capital não é nada mais do que a institucionalização pelo Estado de um dos mecanismos criados pela população na tentativa de combater o acirramento da violência, enquanto grupos de extermínio, justiceiros e outros criminosos são instrumentos informais e oficiosos[30].
Acerca do estudo de alguns doutrinadores a respeito da pena de morte, dá-se especial atenção a Beccaria, devido às suas marcantes inovações à frente das Escolas Penais.
Deste modo, oportuno se faz ressaltar o entendimento de Beccaria, o qual condena a crueldade das sanções que eram impostas em sua época, sustentando que uma pena para ser justa, precisa apenas ter o grau de rigor suficiente para afastar os homens da senda do crime. Ora, não existe homem que hesite entre o crime, apesar das vantagens que este enseje, e o risco de perder para sempre a liberdade. [...][31].
Nessa mesma linha de raciocínio:
Alguns países, como é o caso do Japão, China e Estados Unidos da América utilizam a pena de morte como punição para crimes bárbaros. Existe uma controvérsia em relação a sua funcionalidade, já que nesses países, em especial nos Estados Unidos da América, que utilizam a pena, a criminalidade só tende a crescer, através de um levantamento feito pela Confederação Européia dos Direitos Humanos[32].
Sobre essa questão da funcionalidade da pena de morte, a seguir serão apresentadas uma série de características acerca do instituto da pena de morte, bem como evidências que demonstram como o sistema penal norte-americano adepto a penal capital é falho, ressaltando-se, que atualmente, 31 dos 50 estados norte-americanos aderem a penal capital. Jurisdições sem estatutos de pena de morte são: Alaska, Connecticut, Distrito de Columbia, Havaí, Illinois, Iowa, Maine, Maryland, Massachusetts, Michigan, Minnesota, New Jersey, New Mexico, New York, North Dakota, Rhode Island, Vermont, Virgínia Ocidental, e Wisconsin[33].
O Estado do Nebraska foi o mais recente a abolir a pena de morte nos Estados Unidos. No dia 27 de maio de 2015, a Assembleia Legislativa do Nebraska (EUA) votou, e com 30 votos a favor e 19 contra, aprovou a abolição da pena de morte no Estado. Com a abolição, o Nebraska se tornou o 19º Estado Americano a tomar essa iniciativa. A pena de morte ainda é aplicada em 31 Estados dos EUA. A pena de morte foi substituída por prisão perpétua. http://emporiododireito.com.br/pena-de-morte-e-abolida-no-nebraska/
O senador independente Ernie Chambers, afirmou: “Hoje estamos a votar algo que me transcende, que transcende esta legislatura, que transcende este estado. Estamos a falar sobre a dignidade humana.”
Surpreendentemente, só nos Estados Unidos, neste século, 139 pessoas foram condenadas à morte por engano, dentre as quais 23 foram executadas[34].
Nas palavras de Bierrenbach:
Pesquisa do ONU demonstra: na Inglaterra, onde não existe pena de morte, ocorre um homicídio para cada cem mil habitantes/ano. Nos Estados Unidos, onde há pena de morte, são dez homicídios para cada cem mil habitantes. Nos estados da Califórnia, Texas e Flórida, onde há pena de morte, o número de homicídios é significativamente maior do que nos estados de Dakota do Norte ou Vermont, onde ela não existe (no ano de 1991, respectivamente, 3550, 2690, 1140 contra 8 e 22 homicídios)[35].
Ainda sobre a ineficácia da pena de morte em reprimir os impulsos criminosos:
Em nenhum dos países que adotaram a pena capital no passado ou adotam ainda no presente, atuou ela como fator de inibição da criminalidade. O exemplo clássico desse caso é o dos Estados Unidos. Lá, apesar do espectro ameaçador da câmara de gás, da cadeira elétrica e, mais recentemente, da injeção letal, os índices de criminalidade nunca diminuíram por causa do temor supostamente inspirado pela pena de morte. Tanto assim é que vem diminuindo o número de estados que ainda insistem em mantê-la e, mesmo nestes, o número de execuções é cada vez menor. É fato cada vez mais evidente para os especialistas que o criminoso não se intimida com a severidade das penas[36].
Assim, a pena de morte não possui nenhuma comprovação científica de exercer influência efetiva na prevenção da delinqüência. Ao contrário, no estado do Texas (EUA), por exemplo, verificou-se após a adoção da medida punitiva, visível incremento nos índices de criminalidade, ao passo que na França, onde a referida medida encontra-se sem vigência, a quantidade de homicídios não sofreu impacto[37].
Sobre a quantidade de execuções ocorridas em solo norte-americano, ressalva referido autor:
Entre os anos de 1608 a 1985, aconteceram quatro mil execuções nos Estados Unidos; proporcionalmente à população, a violência americana é dez vezes maior que a brasileira, não obstante a pena de morte. Não há notícia de aumento da criminalidade nos países que aboliram a medida, tampouco anseio social solicitando seu retorno, o que corrobora a inverdade do poder de intimidação da pena[38].
Nesse mesmo sentido, a pena de morte, inaceitável sob ótica jurídica e filosófica, e comprovadamente ineficaz como instrumento de combate ao crime, não passa de lamentável equívoco, no caso dos bem intencionados, e de mera demagogia no caso daqueles que sempre estiveram prontos a explorar, em benefício próprio, a insatisfação popular[39].
Sousa descreve minuciosamente sobre o caráter inócuo da adoção da pena capital:
A aplicação da pena capital não é capaz de produzir queda dos índices de criminalidade, ainda que se possa contra-argumentar favoravelmente, alegando que as penas restritivas de liberdade também não logram fazê-lo; o caráter inócuo da medida no tocante à profilaxia social é flagrante. Determinados criminosos apenas obedecem a seus impulsos, simplesmente não deixarão de agir, sendo irrelevante a sanção cominada, ainda que severa, seja reclusão prolongada ou mesmo a extinção da vida. Alguns agem em virtude da atração que o risco exerce, servindo de modo contrário, a pena, como um estimulante ao delito[40].
Sousa conclui seu estudo afirmando:
Quando um país opta por abolir a pena capital, percebe-se que desde há muito a criminalidade violenta encontrava-se em franco declínio, devido a causas diversas; ao contrário, quando um país restabelece a pena, o aumento da grande criminalidade prossegue sob o influxo dos mesmos fatores etiológicos, que não desaparecem com a ameaça ou profusa execução do homicídio legal[41].
É conveniente ressaltar sobre as pessoas erroneamente condenadas à morte no sistema anglo-saxão:
Os Estados Unidos são o país que mais pessoas executa em todo o mundo ocidental. Em 1972 um estudo revelou que pelo menos 350 pessoas foram erradamente condenadas à morte neste país durante o século XX, não apenas por erro, mas também em consequência de conspirações policiais, de procuradores, juristas, testemunhas, advogados de defesa e até de jurados, sendo que dentre os estados que decretam mais condenações estão os estados da Califórnia, Texas e Florida[42].
Segundo Souza, a Anistia Internacional, mesmo os Estados Unidos da América, país que se orgulha e é referência para o mundo por ter um sistema legal equilibrado e justo, foram compelidos a soltar, desde 1975, mais de oitenta e cinco apenados, condenados à pena de morte, em virtude de se provar, posteriormente, que eram inocentes. Quanto ao seu poder intimidativo, ficou comprovado, pelas estatísticas realizadas nos países que a mantêm, que, na maioria dos casos, ocorreu o aumento da criminalidade, enquanto que em pouquíssimos houve um decréscimo[43].
Conforme se vislumbra do Relatório Mundial dos Estados Unidos da América, este país a maior população encarcerada contabilizada no mundo e, de longe, a taxa de encarceramento mais elevada. No final de 2011, 2,2 milhões de pessoas estavam presas em prisões ou cadeias para adultos[44].
Para fazer um paralelo com a população carcerária brasileira, os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça, no mês de junho do corrente ano, observa-se que o país possui 715.655 presos. Com as novas estatísticas, o Brasil passa a ter a terceira maior população carcerária do mundo, segundo dados do ICPS, sigla em inglês para Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King’s College, de Londres. As prisões domiciliares fizeram o Brasil ultrapassar a Rússia, que tem 676.400 presos[45].
A revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences estima que pelo menos 4,1% dos condenados à morte nos EUA são inocentes[46] – uma em cada 25 pessoas condenadas[47].
No entanto, não obstante a cota de encarceramento dos Estados Unidos ser a mais elevada do mundo, isso não produz qualquer efeito significativo na redução da delinquência[48].
Por fim, um estudo feito há alguns anos no estado de Illinois comprovou que dos vinte e cinco internos no Corredor da Morte, pelo menos treze eram inocentes e, por essa razão, foram postos em liberdade[49].
Para Andrade, o costume da legislação brasileira em resolver os problemas sociais com o Direito Penal, pois conforme a autora, ao invés do Estado assumir seu papel, fazendo cumprir a Constituição, são comuns os recursos à dogmática penal como panacéia de todos os males[50].
Mais uma evidência de como o sistema da penal capital é falho, um homem norte-americano é inocentado após passar 25 (vinte e cinco) anos no corredor da morte:
Glenn Ford foi condenado à morte por júri formado por brancos em caso de assassinato em que testemunha admitiu ter mentido. Foi preso em 1984 e passou mais de 25 anos no corredor da morte nos Estados Unidos finalmente deixou a prisão após sua condenação pelo assassinato de um joalheiro, em 1983, ter sido revista. Glenn Ford, de 64 anos, foi condenado pelo assassinato de Isadore Rozeman, que tinha 56 anos na época e para quem Ford trabalhava ocasionalmente[51].
Nesse sentido é o pensamento de Zaffaroni e Pierangeli, ao se referirem à pena capital. Não se trata de uma pena, mas de um simples impedimento físico, como amputar uma mão do batedor de carteiras ou erguer um muro que impeça o avanço de pedestres e veículos. Seu tratamento já não é atribuição do direito penal, restando examinar se é admissível para o resto da ordem jurídica[52].
Discorrendo sobre o assunto e destacando a impossibilidade de coexistência do direito à vida e a pena de morte, José Afonso da Silva preceitua:
Ao direito à vida contrapõe-se a pena de morte. Uma constituição que assegure o direito à vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte, é da tradição do Direito Constitucional brasileiro vedá-la, admitida só no caso de guerra externa declarada, nos termos do art. 84, XIX (art. 5º, XLVII, a), porque, aí, a Constituição tem que a sobrevivência da nacionalidade é um valor mais importante do que a vida individual de quem porventura venha a trair a pátria em momento cruciante[53].
Fica à cargo de Bobbio a ultima ratio:
O Estado não pode colocar-se no mesmo plano do indivíduo singular. O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, em defesa própria. O Estado responde de modo mediato, reflexivo, racional: Também ele tem o direito de se defender. Mas é muito mais forte do que o indivíduo singular e, por isso, não tem necessidade de tirar a vida desse indivíduo para se defender. O Estado tem o privilégio e o benefício do monopólio da força[54].
Uma das diferenças entre o direito do sistema anglo-saxão e o brasileiro é no que se refere à pena de morte, permitida no Brasil apenas em tempo de guerra, já nos Estados Unidos é permitida a crimes civis em vários de seus Estados.
Desta forma, resta evidente a relevância deste tema na pauta das discussões brasileiras por conta não só dos dados sobre países abolicionistas para crimes comuns, recente execução de dois brasileiro em solo tailandês, mas também devido às questões humanistas desenvolvidas ao longo dos séculos para que não haja pena de morte em lugar nenhum, em nenhuma hipótese.
Por fim, para sepultar de vez a infeliz ideia de se querer introduzir a pena de morte em nosso sistema jurídico, fiquemos com as sábias palavras do saudoso MIGUEL REALE, que, contrário àquela pena, argumentava “não sou favorável à pena de morte, porque a morte é inexplicável. Não sei como se pode transformar a morte em pena”. SOARES, Anderson Real; NAPOLITANO JUNIOR, Domingos. Uma análise sobre a pena de morte. Disponível aqui.
Notas e Referências:
[1] ALMEIDA, Sidney Silva de. O Supremo Tribunal Federal e os efeitos de suas decisões no controle difuso de constitucionalidade. Revista da Esmese, Aracaju, n.16, p.91-150, 2012.
[2]CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Introdução à história do Direito: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: IBRADD/CESUSC, 2001. p. 60-63.
[3]SOARES, Guido Fernandes Silva. Common Law: introdução ao Direito dos EUA. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 86.
[4]SOARES, Guido Fernandes Silva. Common Law: introdução ao Direito dos EUA. p. 89.
[5]CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Introdução à história do Direito: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: IBRADD/CESUSC, 2001. p. 33.
[6]CAMARGO, Marcelo Novelino. Leituras complementares de Direito Constitucional: controle de constitucionalidade. 2. ed. Salvador: JusPodivim, 2008. p. 284.
[7]CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. A culpabilidade no Direito Internacional Penal. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 51, p. 51-65, out./dez. 2010.
[8]MAY, John Wilder. The Law of Crimes. Tradução e adaptação livre do autor. Crime is a violation or neglect of legal duty, of so much public importance that the law, either common or statute, takes notice of and punishes it. Littleton: Fred B. Rothman, 1985. p. 1.
[9] BURNHAM, William. Introduction to the Law and Legal System of the United States. 3. ed. St. Paul, MN: West Group, 2002. p. 524.
[10] GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito penal nos Estados Unidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1481, 22 jul. 2007. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/10179>. Acesso em: 10 mar. 2014.
[11]BURNHAM, William. Introduction to the Law and Legal System of the United States. 3. ed. St. Paul, MN: West Group, 2002. p. 525.
[12] BURNHAM, William. Introduction to the Law and Legal System of the United States. p.526.
[13]OLIVEIRA, Gleick Meira; LIMA, Rebecca Rocha. Do Direito Penal brasileiro: das penas e da pena de morte. Postado em: 2011. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/ index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9101>. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 86, mar 2011. Acesso em: 15 mar. 2014.
[14] LATZER, Barry. Death Penalty Cases. New York: Butterworth Heinemann, 2002. p. 235.
[15]WALLACE, Harvey; ROBERSON, Cliff. Principles of Criminal Law. White Plains: Longman, 1996. p.74.
[16]GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito penal nos Estados Unidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1481, 22 jul. 2007. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/10179>. Acesso em: 10 mar. 2014.
[17] OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Garantismo e barbárie: a face oculta do garantismo penal. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 55.
[18]SERRANO, Rodrigo Fagundes Luz. Pena de morte: aspectos jurídicos e religiosos. Postado em: 2008. Disponível em:<http://pt.scribd.com/doc/68141078/ARTIGO>. Acesso em: 16 maio 2014.
[19]PAZZIAN, Roberta Mucare. A descaracterização da prisão como forma de ressocializar o indivíduo. Postado em: 2012. Disponível em:<http://www.conamp.org.br/Lists/artigos/ DispForm.aspx?ID=220&Source=/>. Acesso em: 12 abr. 2014. p. 01.
[20] PAZZIAN, Roberta Mucare. A descaracterização da prisão como forma de ressocializar o indivíduo. p. 01.
[21]TEXAS DEPARTAMENT OF CRIMINAL JUSTICE. Death Row Facts: history. Postado em: 2014. Disponível em:<https://www.tdcj.state.tx.us/death_row/dr_facts.html>. Acesso em: 21 abr. 2014. p.01.
[22]TEXAS DEPARTAMENT OF CRIMINAL JUSTICE. Death Row Facts: history. p. 01.
[23]TEXAS DEPARTAMENT OF CRIMINAL JUSTICE. Death Row Facts: history. p. 01.
[24]XAVIER, Ana Paula Krentz. Aplicabilidade e eficácia da pena de morte como instrumento de defesa social: estudo de caso nos Estados Unidos da América. 2004. 99 f. Monografia (Bacharel em Direito) – Universidade do Vale do Itajaí, São José, 2004. Disponível em:<http://siaibib01. univali.br/pdf/Ana%20Xavier.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. p. 66.
[25]TEXAS DEPARTAMENT OF CRIMINAL JUSTICE. Death Row Facts: history. p. 01.
[26] XAVIER, Ana Paula Krentz. Aplicabilidade e eficácia da pena de morte como instrumento de defesa social: estudo de caso nos Estados Unidos da América. 2004. 99 f. Monografia (Bacharel em Direito) – Universidade do Vale do Itajaí, São José, 2004. Disponí-vel em:<http://siaibib01. univali.br/pdf/Ana%20Xavier.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2014. p. 66.
[27] ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics: Capital Punishment. Disponível em:<http://www.ojp.usdoj.gov>. Acesso em: 21 abr. 2014.
[28]TEXAS LEGISLATURE ONLINE. Texas Statutes. Penal Code. Disponível em:<http://www. capitol state.tx.us>. Acesso em: 21 abr. 2014. p. 01.
[29] TEXAS LEGISLATURE ONLINE. Texas Statutes. Penal Code. p. 01.
[30] BIERRENBACH, Maria Ignês de Souza. A favor da vida: contra a pena de morte. São Paulo: Cortez, 1993. p. 34.
[31]BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 54.
[32]OLIVEIRA, Gleick Meira; LIMA, Rebecca Rocha. Do Direito Penal brasileiro: das penas e da pena de morte. Postado em: 2011. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/ index.phpn_link=revista_artigos_leitura%26artigo_id=9101"artigo_id=9101>. Acesso em: 15 mar. 2014.
[33]TEXAS DEPARTAMENT OF CRIMINAL JUSTICE. Death Row Facts: history. Postado em: 2014. Disponível em:<https:// www.tdcj.state.tx.us/death_row/dr_facts.html>. Acesso em: 21 abr. 2014. p.01.
[34]BIERRENBACH, Maria Ignês de Souza. A favor da vida: contra a pena de morte. São Paulo: Cortez, 1993. p. 34.
[35]BIERRENBACH, Maria Ignês de Souza. A favor da vida: contra a pena de morte. p. 34.
[36]BITTENCOURT, Daniela Almeida. Previsão Constitucional da pena de morte no Brasil e suas implicações no atual contexto global em prol dos Direitos Humanos. Postado em: 2012. Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1e747ddbea997a1b>. Acesso em: 24 abr. 2014.
[37]SOUSA, Carlo Arruda. O debate da pena de morte: seus defensores e opositores. Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 38, fev. 2007. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com. br/site/ index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3430>. Acesso em: 21 abr. 2014.
[38] SOUSA, Carlo Arruda. O debate da pena de morte: seus defensores e opositores.
[39] BITTENCOURT, Daniela Almeida. Previsão Constitucional da pena de morte no Brasil e suas implicações no atual contexto global em prol dos Direitos Humanos. Postado em: 2012. Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1e747ddbea997a1b>. Acesso em: 24 abr. 2014.
[40] SOUSA, Carlo Arruda. O debate da pena de morte: seus defensores e opositores. Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 38, fev. 2007. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com. br/site/ index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3430>. Acesso em: 21 abr. 2014.
[41] SOUSA, Carlo Arruda. O debate da pena de morte: seus defensores e opositores.
[42]PAZZIAN, Roberta Mucare. A descaracterização da prisão como forma de ressocializar o indivíduo. Postado em: 2012. Disponível em:<http://www.conamp.org.br/Lists/artigos/Disp Form.aspx?ID=220&Source=/>. Acesso em: 12 abr. 2014.
[43]SOUZA, Jean Frederick Silva e. Pena de Morte: solução da violência ou violação do direito à vida? Revista de Direito e Liberdade, Escola da Magistratura do RN, Mossoró, v. 07, n. 03, p. 161-178, jul./dez. 2007.
[44] RELATÓRIO MUNDIAL DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Resumo do País. Human Rights Watch, p. 01-13, jan. 2014. Disponível em:<http://www.hrw.org/sites/default/files/rela ted_material/ US_pt%202014%2001%2004.pdf>. Acesso em: 02 maio 2014.
[45] MONTENEGRO, Manuel. CNJ divulga dados sobre nova população carcerária brasileira. Atualizado: 12 jun. 2014. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira>. Acesso em: 08 jun. 2014.
[46] “Para o diretor-executivo do Death Penalty Information Center (Centro de Informações sobre a Pena de Morte), Richard Dieter, o estudo confirma o principal temor em relação à pena de morte: o de que inocentes estejam sendo punidos por crimes que não cometeram” (GOMES, 2014, p. 01).
[47]GOMES, Nelci. Mais de 4% dos condenados à morte nos EUA são inocentes, indica estudo. JusBrasil, maio 2014. Disponível em:<http://nelcisgomes.jusbrasil.com.br/noticias/117938 062/mais-de-4-dos-condenados-a-morte-nos-eua-sao-inocentes-indica-estudo?ref=home>. Acesso em: 27 maio 2014.
[48]GARCIA, Cláudia Viana. Sanções mais duras reduzem a taxa de criminalidade? Postado em: 26 dez. 2011. Disponível em:<http://www.fatonotorio.com.br/artigos/ver/116/sancoes-mais-duras-redu zem-a-taxa-de-criminalidade>. Acesso em: 13 mar. 2014.
[49]GARCIA, Cláudia Viana. Sanções mais duras reduzem a taxa de criminalidade?
[50]ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 22.
[51]G1.GLOBO. Americano é inocentado após passar 25 anos no corredor da morte. Postado em: 12 mar. 2014. Disponível em:<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/03/ameri cano-e-inocentado-apos-passar-25-anos-no-corredor-da-morte.html>. Acesso em: 20 maio 2014.
[52]ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro: parte geral. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 784.
[53]SILVA, José A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.200-201.
[54] BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 161.
Danielle Mariel Heil é advogada, atualmente Procuradora Adjunta do Município de Brusque-SC, especialista em Direito Constitucional pela Fundação Educacional Damásio de Jesus e em Direito Penal e Processual Penal pela Escola do Ministério Público de Santa Catarina.
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