A Judicialização das Políticas de Saúde é uma consequência dos equívocos da prestação e ofertas destes serviços

19/01/2018

O Direito de se exigir a prestação dos serviços de saúde através de ações judiciais, quando os mesmos não são prestados pelo Estado, é legítimo.

Ainda que se reconheça que nenhum direito, é direito absoluto, também chega se a conclusão que não é possível que a má gestão pública se utilize desse argumento para justificar a não prestação dos serviços de saúde ou o seu retardo. 

Também observamos que a Judicialização das políticas públicas de saúde se deu após um longo período de distanciamento do Poder Judiciário com as causas das prestações de serviços de saúde coletivas. 

A mudança de comportamento do Sistema de Justiça brasileiro só aconteceu após 1999, impulsionado pela insatisfação popular com a gestão pública temerária e os desvios do poder político, incapazes de atender as demandas assistenciais, principalmente as dos serviços de saúde. 

Na crise da democracia atual, o cidadão desassistido viu no Judiciário a única saída para respostas imediatas no cumprimento das prestações de serviços urgentes.

Inegável o reconhecimento do agigantamento da importância do Poder Judiciário no meio da sociedade civil e nas relações sociais, sendo utilizado como garante das prestações obrigacionais do texto constitucional. 

O processo de Judicialização das políticas públicas não só facilitou o acesso à Justiça como também aproximou as Cortes Judiciarias dos problemas e dificuldades da população. Tornou conhecida as situações de extremos riscos e as fragilidades da gestão pública de saúde. 

Com o crescimento exponencial da Judicialização é necessário que os julgadores se preparem com conhecimentos e dados técnicos que possibilitem o julgamento de casos que envolvam direito à saúde, principalmente no que se refere à assistência farmacêutica, por ser esta a maior demanda da Judicialização e responsável pelo maior volume de recursos financeiros.

São os pedidos de fornecimento de medicamentos os que mais precisam de preparo dos magistrados, advogados e defensores públicos.

Na análise e concessão de medicamentos, é preciso respeitar o disposto no artigo 196 da Constituição Federal de maneira extensiva e o previsto nas políticas públicas estabelecida pela Lei 8080/90. A dilação probatória, nos feitos que envolvam concessão gratuita de medicamentos, deve ser observada cautelosamente afim de comprovar a sua real necessidade de uso do medicamento solicitado e a sua comprovada eficácia.

É importante observar se o medicamento é o mais recomendado, se tem registro na ANVISA e se consta na lista Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) do Ministério da Saúde, e ainda, se há medicamento genérico ou de menor custo que substitua o medicamento prescrito pelo médico.

Porém, cabe registrar, que não é o Sistema de Justiça que impulsiona o crescente número de ações que visam à concessão de medicamentos pelo Estado.

Essas ações, em muitas vezes, decorrem da má-fé de profissionais médicos, de escritórios de advocacia, da indústria farmacêutica e de Laboratórios farmacêuticos, interessados no aumento da comercialização de seus produtos medicamentosos, que seduzem médicos com promessas milagrosas, investem em publicidades e marketing, comprometem os profissionais da saúde e do direito com vantagens e benefícios decorrentes da indicação do produto.

Quanto a esses fatos gravosos e antiéticos, deve o governo e os Conselhos de Farmácia fiscalizar a atuação, tendo em vista a concessão de vantagens ou patrocínios de ações com a finalidade de obrigar ao estado o uso do medicamento.

Por outro viés, também se percebe a longa demora e o excesso burocrático de incorporação de novos medicamentos e tecnologias a lista RENAME do SUS.

Embora o caráter compulsório das ordens judiciais, e dos casos de medicamentos de alto custos, pode se afirmar que a Judicialização tem contribuído de forma significativa para melhorar o SUS, assegurando o investimento mínimo obrigatório do Estado, 12% da receita de impostos – art. 198 da Constituição Federal e 77 do ADCT em saúde, tem garantido o atendimento de pacientes de doenças raras discriminados e tem buscado regularizar o fornecimento de medicamentos excepcionais.

A principal causa da grave e atual crise na saúde não é da Judicialização.

O crescimento da Judicialização é decorrente da crise.  A escassez de leitos hospitalares, a ausência de planejamento de prevenção a doenças, o reduzido financiamento aos equipamentos sociais destinados a atenção básica, a demora para incluir novos medicamentos na lista RENAME e ausência dos medicamentos já incluídos no SUS, são alguns dos graves motivos que levam para além da mera discussão de se é positivo ou negativo a Judicialização das políticas públicas de saúde.

A Judicialização de nenhuma política pública é desejável, menos ainda a de saúde. O pensar coletivo não pode ser produzido através de ordens impositivas. Os juízes, promotores e advogados não possuem conhecimentos técnicos para avaliar critérios médicos e farmacológicos e, o tempo é sempre um fator que concorre contra esses julgamentos e concessões.

No entanto, é sabido ser a Judicialização o único remédio contra as gestões temerárias, fraudulentas e ineficientes. Há casos dos dois lados: Judicialização de tratamentos fora dos padrões e ações judiciais que salvaram vidas negligenciadas pelo Poder público.

Submeter lesões de direito ao Poder Judiciário é um direito assegurado pela Constituição, os juízes não podem deixar de julgar os casos concretos que lhes são apresentados.

Os excessos atualmente existentes se devem à ineficácia e ineficiência da prestação dos serviços de saúde e o descaso dos órgãos responsáveis em priorizar um atendimento onde o mínimo possível seja contemplado.  Todos os demais motivos são insignificantes diante da gestão rasa e improvável da prestação dos serviços de saúde pública. 

Os problemas do SUS são problemas de gestão – ineficiente, temerária ou mesmo corrupta. Ambulâncias, consultorias, “fornecedores exclusivos” de medicamentos excepcionais, são alguns dos esquemas utilizados para desviar o dinheiro do SUS.

Os números dos processos judiciais constatam que o Sistema de Saúde Brasileiro, sofre de forma acentuada os efeitos da má e corrompida gestão política, administrativa e pública. 

Os valores do orçamento da União para as políticas de saúde previstas para 2017, foram na ordem de R$ 125,3 bilhões, Ministério da Saúde, superior aos R$ 118,4 bilhões previstos em 2016. (MS – 2017) e os custos decorrentes de despesas das ordens judiciais no ano de 2016, conforme o site do MS, chegaram ao montante de 7 bilhões, distribuídos por todas as regiões.

Se consideramos esses números, não há o que se falar em desequilíbrio do planejamento orçamentário, que aponta para um deslocamento de percentual mínimo de recursos.

É notório o abandono dos equipamentos sociais públicos como Hospitais, Unidades de pronto atendimentos e equipamentos hospitalares. É indigno o tempo de espera por exames e cirurgias e mais indigno ainda se tornou o atendimento nas unidades de urgências e emergências.  E estamos tão somente a falar sobre os agravos da saúde e doenças. Se pensarmos em saúde, identificamos a ausência de políticas de promoção e prevenção à saúde e o mínimo exigido em lei, tratamento de água, alimentação e saneamento básico. 

Entretanto, assistimos cada vez mais o crescimento das vozes que se colocam contra os processos judiciais das políticas de saúde, tratando a Judicialização do setor como causa e não como realmente deve ser tratada, a consequência de um gravíssimo problema social de desvirtuamento da prestação de serviços das políticas públicas.

Percebemos que o Sistema de Justiça tem buscado mecanismos para regular e aperfeiçoar a Judicialização, identificando o que deve e o que não precisa de intervenção. Podemos citar a criação do Fórum Nacional de Saúde do CNJ em 2009, as varas especializadas, os Comitês de Saúde do Judiciários e os NATs - Núcleos de Assessoramento Técnicos ao Judiciário. 

É importante ter um juiz especializado na área da saúde para que decisões adequadas e justas sejam tomadas para a sociedade. Mesmos que os pedidos sejam individuais, na maioria das vezes, a decisão de forma indireta atingirá a coletividade, seja pelos recursos desviados de programas coletivos, seja porque os gastos dos sistemas privados influenciam diretamente no aumento das mensalidades de todos os usuários.

Outros Núcleos de Assessoramento Técnicos aos juízes estão sendo criados no país com a função de contribuir com maior celeridade e eficácia nas demandas que envolvam saúde.

São importantes e significativas estas medidas e o esforço é louvável, mas não servirão para reduzir a busca pelos serviços de saúde pela via judicial.

Neste caminho, diante da dificuldade do Poder Executivo em satisfazer todas as necessidades dispostas na legislação e nos próprios textos constitucionais, é que o Poder Judiciário surge como garante das promessas não cumpridas da entrega ao usuário do SUS dos serviços decorrentes do Direito à saúde prometido pelo Estado.

A política pública de Saúde do estado brasileiro, não foi capaz de responder à necessidade de atendimento e prestação dos serviços, e o Poder Judiciário, através de sua força coercitiva passou a ser resposta firme e segura aos conflitos e as necessidades da sociedade.

Não há que se falar em vantagens ou desvantagens do processo de Judicialização da Saúde capazes de justificar maior expansão ou recrudescimento do Poder Judiciário em defesa da entrega obrigacional dos serviços e procedimentos da saúde.

A conclusão a que se chega é que é importante e urgente que se melhore as decisões judiciais, que sejam baseadas na oferta prometida pelas políticas do SUS, que se respeite o planejamento orçamentário.

Porém mais importante do que os números dos processos e dos desvios orçamentários, a Judicialização das políticas de saúde, moveu a máquina pública estatal em direção a uma gestão de saúde centrada no cidadão e ao valor maior defendido no texto constitucional: o direito a preservação da vida com qualidade e dignidade.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Direito à Saúde // Foto de: Fotografia cnj // Sem alterações

Disponível em: https://flic.kr/p/U9p3h5

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura