Introdução.
A dimensão Jus política da proteção do Meio Ambiente consiste em judicializar as políticas de meio ambiente, elevando para o Poder Judiciário o controle da atividade socioambiental estabelecida a partir dos atos administrativos exarados pelo Poder Executivo.
Trata-se de uma mutação jurídica e política do modelo clássico de tripartição dos poderes, alterando as bases da hierarquia relativa entre Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. O modelo clássico de segregação entre os poderes indica a existência de uma autonomia relativa entre os poderes, fazendo com que o sistema cheks and balances funcione a partir da métrica de uma relação em que o Poder Executivo encontra-se acima do Poder Legislativo que por sua vez encontra-se acima do Poder Judiciário.
A possível hierarquia perpassa pelas atribuições destinadas, pela Constituição Federal, a cada um dos órgãos para o exercício de Poder, garantindo o equilíbrio necessário para a consolidação da República e da Democracia. Nesse sentido, a perspectiva de judicialização decorre, inicialmente, da atribuição destinada ao Poder Judiciário de interpretar as leis elaboradas pelo Poder Legislativo e de julgar as contendas envolvendo a gestão pública realizada pelo Poder Executivo.
Na exegese do direito, a última ratio compete ao Poder Judiciário, podendo apreciar as normas sob o ponto de vista da Constituição, analisando a compatibilidade entre a norma infraconstitucional (Lei Complementar, Lei Ordinária, Medidas Provisórias, etc) e a Constituição. A atividade hermenêutica é denominada de Controle de Constitucionalidade.
O caso mais emblemático de controle de constitucionalidade da história do constitucionalismo moderno é o julgamento da Corte dos Estados Unidos da América denominado de Marbury versus Madison, quando a Corte Norte Americana estabeleceu jurisprudência no sentido de que uma lei poderia atentar contra a Constituição.
Atualmente, no Brasil, o Controle de Constitucionalidade é realizado pelo Poder Judiciário, que pode reconhecer a constitucionalidade de uma norma, ou seja, reconhecer a compatibilidade entre a Lei e a Constituição ou declarar a inconstitucionalidade de uma norma, quer dizer, apregoar que determinada Lei é incompatível com a Constituição e que em razão desse fato deve ser expurgada do ordenamento jurídico.
Dentro desse contexto, por exemplo, a Lei Ordinária n.º 12.651/2012, (re)conhecida como código florestal brasileiro, foi submetida ao controle de Constitucionalidade[1] em diversos dispositivos, tendo o Supremo Tribunal Federal - STF concluído o julgamento das ações no dia 28/fevereiro/2018.
Pela mesma razão exegética, o Poder Judiciário também exerce o controle de legalidade dos atos administrativos do Poder Executivo. Na lida, de igual forma, o controle de legalidade representa uma ação do sistema cheks and balances para os atos praticados pelo Poder Executivo. Em tese compete ao Poder Judiciário apreciar as formalidades dos atos administrativos, resguardando a sociedade contra o abuso de poder do chefe do Poder Executivo ou, ainda, assegurando que os atos administrativos não sejam praticados de forma a atentar contra o estado democrático de direito.
Tanto na perspectiva legislativa quanto na perspectiva executiva, o Poder Judiciário ocupa um lugar de centralidade no que diz respeito às políticas públicas, através de medidas jurídicas com natureza de controle, de regulamentação ou de criação.
Os vetores jurídicos e políticos que levaram o Poder Judiciário para o ringue socioambiental pode ter origem (a) na precariedade da prestação dos serviços previstos pelas políticas públicas ambientais, resultando na judicialização excessiva das políticas públicas, em face da hipossuficiência do Estado no cumprimento ou execução de políticas programáticas da Constituição Federal, como é o caso das políticas voltadas para a sustentabilidade ambiental; ou (b) pelo ativismo judicial, compreendido como uma ação adotada pelos membros do Poder Judiciário (magistrados, em qualquer grau), que utilizam o poder decisório para inovar na função atribuída pela Constituição ao Poder Judiciário, passando a legislar, por exemplo na ação de mandado de injunção, ou administrando a res publica, por exemplo, usurpando do gestor público o poder discricionário, mediante de imposições judiciais.
Logo, o Poder Judiciário poderá estar realizando uma ação de interferência em um outro órgão de poder, sem precedentes na teoria da separação de poderes. Nesta hipótese, há uma nítida fragilidade no sistema de repartição de atribuições entre os órgãos de Poder da República, resultando em intromissão indevida de um poder em outro, especialmente no que se refere às decisões judiciais que revisam a legalidade, invadindo o mérito do ato administrativo.
Elementos históricos da judicialização ambiental.
Como regra histórica, a intromissão de um Poder da Federação em outro Poder nasce de todo um movimento de revisão do Estado de Direito, tendo a Constituição Federal de 1988, através do Título VIII, proporcionado a aceleração da usurpação, pelo Poder Judiciário, do mérito do ato administrativo do Poder Executivo. Luiz Werneck Viana[2] (2013, p. 208), explica que a experiência constitucional brasileira recente foi e tem sido fértil nessa direção, inclusive na orientação da jurisprudência.
Com a Constituição Federal de 1988 vieram as normas de regulamentação dos direitos sociais, incluso os direitos ambientais, como é caso da regulamentação do art. 225 através do código florestal, da lei de crimes ambientais, da lei da floresta da mata atlântica, dentre outros direitos. Junto da regulamentação constitucional também vieram os instrumentos legais de consecução e amparo, com é o caso do mandado de injunção, da ação de controle de constitucionalidade, da ação popular e da ação civil pública, que constituem ações e procedimentos que auxiliam na defesa dos direitos socioambientais a partir do Ministério Público, que foi remodelado pelo constituinte. Além de tudo isso, o texto constitucional inovou ao fortalecer as defensorias públicas e ao ampliar o rol de entidades com capacidade processual para postular a defesa dos direitos ambientais, inclusive permitindo a participação do cidadão através da ação popular. Assim, pode-se dizer que por meio de todo o arcabouço jurídico-constitucional, a sociedade, diferentemente do que ocorria no passado, passou a ser representada na esfera judicial.
Todo o movimento de revisão do Estado de Direito resultou (a) na formação de um “escudo dogmático” de direitos sociais que contou com a proteção contra atos de remoção ou extinção de tais direitos pelo Poder Legislativo (cláusulas pétreas) e (b) no fortalecimento do Ministério Público como agente intermediário para representar e agir em nome da sociedade na defesa dos direitos ambientais (um ineditismo da Carta de Direitos através do texto do art. 127). Para Luiz Werneck Viana (2013, p. 208), a conjugação de todos estes instrumentos resultou na outorgar, pela sociedade, de um direito de representação, contanto ou não com a provocação da sociedade, para que todos os órgãos credenciados processualmente passassem a agir na intermediação entre a sociedade e o Poder Judiciário; levando este a ser transformado em um verdadeiro instrumento de tradução das políticas e dos valores constitucionais em diversas matérias, destacadamente àquelas relacionadas com a defesa do Meio Ambiente.
A possível origem do ativismo judicial e da judicialização do direito ambiental.
É possível afirmar que a ideia de judicialização do direito possui raiz no Poder Legislativo, sendo expressado fortemente pelos trabalhos realizados nas comissões parlamentares. Contudo, a expansão da judicialização para os atos do Poder Executivo, alcançando os direitos socioambientais, é uma decorrência da relação entre o capitalismo moderno e a defesa dos direitos sociais.
, em especial dos direitos do trabalho. Aduz Luiz Werneck Viana (2013, p. 2010), que o direito do trabalho veio a instalar no campo do direito ‘os patéticos postulados de justiça’, nos termos da denúncia formulada por Weber quanto aos riscos que ameaçavam o paradigma do direito formal, sobre o qual se assentava a previsibilidade e a certeza jurídica, base fundamental da moderna ordem burguesa.
A expansão dos direitos sociais ao alcance dos dias de hoje é fruto da reação dos Estado às crises econômicas mundiais, aproximando a relação entre direito, economia e política. O cenário internacional, como a crise econômica de 1930 produziu a necessidade da “planificação econômica” e da constituição de um programa de direitos sociais, como foi o Estado de Bem-Estar Social. A lógica capitalista mostrou-se, por si só, insuficiente para manter o direito afastado da econômicas e da política sem atentar contra as regras de sustentação do Estado liberal.
Embora todo o movimento e o debate de expansão do direito para o campo social tenha sido realizado à luz dos instrumentos políticos afetos à estrutura e as características do Poder Legislativo e não de veleidade do Poder Judiciário (Luiz Werneck Viana, 2013, p. 208), a experiência da República Federativa do Brasil possui um distingue que a torna particularmente singular pela forma com que se consolidou os direitos sociais a partir da Constituição de 1988. Observando a história, o Brasil passou do dirigismo econômico e da administração social, pelas ações do Poder Executivo, para uma democratização que inverteu a relação entre o Estado e é direito. Assim, à luz das lutas sociais, o direito foi chamado a tutelar a garantia de exequibilidade material dos direitos sociais que foram incluídos no texto constitucional.
Neste contexto, o direito deixou de ser reconhecido como regra de cumprimento de direitos para se imiscuir na administração dos direitos.
Conclusão.
Vê-se que a evolução da democracia do Brasil e a criação de programas de Direitos Sociais, o que inclui o Direito ao Meio Ambiente; na Constituição Federal de 1988 é um dos elementos responsáveis pelo atual estágio da judicialização dos direitos.
A judicialização do direito mostrou-se, em primeiro plano, uma alternativa à cultura política autoritária da relação do direito com a sociedade. Em um segundo plano, contudo, passou a ser considerada como um instrumento estratégico posto à disposição da sociedade para, por meio de ações judiciais, garantir a efetivação do direito ao meio ambiente sustentável.
A circunstância da judicialização dos direitos ser ou não considerada como uma patologia, por infringência ao princípio clássico da separação dos poderes, é uma ponderação importante, pois, mantidas as condições atuais, o avanço da participação do Poder Judiciário na administração da proteção e, sobretudo da execução dos direitos difusos e coletivos poderá resultar na necessária revisão da relação de equilíbrio entre os Poderes.
Questões relacionadas com a ausência de legitimidade dos juízes para decidirem acerca de medidas de cunho administrativo, por ausência de legitimidade popular ou por falta de capacidade de gestão, e disponibilidade orçamentária do Poder Executivo para fazer frente ao cumprimento de ordens judiciais estão na ordem do dia, expostas como questões que devem ser repercutidas no debate da judicialização e resolvidas, do contrário a democracia brasileira poderá ser surpreendida com o retorno de um direito autoritário.
Notas e Referências
[1] Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937. Disponível em http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370937. Acesso em 01 de mar. 2018.
[2] VIANA, Luiz Werneck. Dimensões políticas da justiça: a judicialização da política. Editora Civilização do Brasil. Rio de Janeiro, 2013
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