A invisibilidade dos pobres – Por Agostinho Ramalho Marques Neto

16/01/2016

Com relação à recente decisão tomada por unanimidade pelo Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo no sentido de trancar a ação proposta por uma promotora de justiça que questionava se não seria uma forma de discriminação a exigência de clubes de elite daquela cidade de que as babás devem estar uniformizadas (veja aqui), evoco o pequeno artigo que publiquei no Empório do Direito há poucas semanas sobre a "invisibilidade dos pobres", leia aqui.

Ali eu afirmo que uma das maneiras mais eficientes de garantir essa invisibilidade é deixar cada um bem visível, mas "no seu lugar". Ser visto no "seu" lugar é uma maneira sutil de não ser visto, ou seja, quem é visto no "seu" lugar não incomoda.

Naquele artigo utilizei o conto "A Carta Roubada", de Edgar Allan Poe, como metáfora dessa tese. Ninguém se lembra de procurar a carta no lugar mais óbvio, ou seja, o porta-cartas (o "seu" lugar), porque afinal de contas, se ela foi roubada, isto é, "des-locada", supõe-se implicitamente  (inconscientemente) que ela pode estar em qualquer lugar, menos no "seu". Deixá-la bem visível foi, portanto, a engenhosa maneira de escondê-la.

Para ocultar o oprimido, torná-lo "invisível" (e, assim, ocultar a existência da opressão), um dos melhores métodos a seguir é fazê-lo ser visto, exibi-lo mesmo, mas no "seu lugar". O uniforme cumpre muitíssimo bem essa função: na medida em que todas as babás estão de branco fica patente a sua diferença. Elas não são "das nossas" (não são "sócias"). O (uni)forme põe a todas indistintamente no seu lugar (de serviçais).

Em síntese: se a babá está no clube, está fora do seu lugar. Mas se estiver uniformizada, então é claro que ela está no seu lugar!

É claro que essa lógica  nunca é enunciada. Os argumentos apelam para a "segurança" (nossa, ou seja, dos sócios, evidentemente), argumento esse que nos dias que correm tem uma força praticamente irresistível; e apelam também para o "controle" (deles, os "de fora", evidentemente).        


Imagem Ilustrativa do Post: Portuguese maids uniform // Foto de: Pedro Ribeiro Simões // Sem alterações

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