Por Naiara Czarnobai Augusto – 08/03/2017
A famosa estátua do touro de Wall Street ganhou ontem um complemento: uma menina em posição de desafio e resistência ao animal, com isto mostrando a resistência vivida pela mulher no mercado de investimentos.
Embora seja um dia louvável de reconhecimento mundial da mulher, ainda precisamos compreender que a nossa identidade é continuamente agredida por forças culturais, econômicas, sociais, morais e religiosas.
Somos vítimas de violência e abuso sexual, sofremos discriminação no ambiente profissional, encaramos os desafios da gestação muitas vezes sem a participação efetiva do genitor, encaramos dupla e tripla jornada, não podemos viajar sozinhas para qualquer lugar, somos alvos de piadas com manutenção veicular, temos nosso corpo visto como objeto pelos canais de comunicação e se somos emocionalmente frágeis nos dizem ser fracas, ou se assumimos as rédeas da nossas vidas viramos o “homem da casa”. E ainda acham que aposentar anos antes seria vantajoso…
A verdade é que desde o nascimento a sociedade reproduz a ideia de que a mulher sempre está em posição de desvantagem, inclusive quando ocupa cargo de liderança ou quando chefia a família. Se assumimos uma postura proativa tomando a iniciativa do relacionamento ou se trabalhamos dobrado para compensar o orçamento doméstico é porque cada vez mais os homens ignoram o seu papel de ver a mulher como alguém a ser cortejado e como uma colaboradora do lar, e não como única responsável pelo sustento da família ou pelo sucesso ou fracasso da relação.
É aceitável que o homem seja dado a vícios e libertinagem, afinal ele é sobrecarregado no meio social, mas a mulher é vista como uma péssima escolha quando ela tem que cumprir uma função que não lhe cabe por natureza. A verdade é que o feminismo nunca foi tão necessário e tão humilhante ao mesmo tempo.
Além de todas as circunstâncias que nos são impostas pelo desenrolar da vida, precisamos ouvir piadas infames, com as curvas dos nossos corpos, com a cor de nossos cabelos, porque ninguém diz que um ignorante é um “loiro burro”, mas sabem referir negativamente que chorar é coisa de “mulherzinha”.
Lembro bem da minha primeira aula no curso de Direito, onde éramos aproximadamente 60 pessoas, e um professor (macho alfa, claro!) alertou os pouco mais de vinte homens da classe que eles tinham que se sair bem, porque já era vergonhoso estar rodeado de tantas mulheres, que seriam dias intermináveis de TPM ao longo dos quase 6 anos que caminharíamos juntos. Muitos riram, inclusive algumas femininas, mas na formatura as mulheres ainda eram maioria.
Quando penso que nós estudiosos da área jurídica somos os privilegiados a compreender a diferença entre igualdade e isonomia, e que muitas vezes sujamos o mandamento constitucional de que homens e mulheres são iguais, mas sem nos atentarmos ao sentido etiológico, concluo que não aprendemos o que deveríamos na universidade. E sei que estou certa porque mesmo nos corredores das tradicionais faculdades não há um esforço para o empoderamento da mulher, tampouco o ensino de técnicas de valorização e respeito a essa classe de direitos das minorias, do qual estamos inseridas, por mais absurdo que pareça.
E tão decepcionante quanto concluir isso é perceber que as mulheres se acostumaram com esse lugar de vítimas da sociedade, por nos calarmos diante de tão assustadora estatística de estupros e violência doméstica. Está tudo tão errado que precisamos de um dispositivo chamado feminicídio, assim como precisamos de estabilidade durante a gestação porque há chefes que veem uma mãe como sinônimo de prejuízo enquanto afastada para conceder os primeiros cuidados a um ser recém-nascido e que vai constituir essa sociedade que vivemos.
Esperançosa que sou, almejo viver num estágio em que o feminismo seja apenas uma palavra do dicionário, que a Lei Maria da Penha seja revogada por desnecessidade, que os homens não sejam criados como reizinhos que devem tornar absolutas suas vontades e desejos, que as mulheres sejam, de fato, reconhecidas como pessoas dignas de amor, cuidado, afeto, respeito e, sobretudo, valorização.
Vivemos em um momento da evolução humana no qual a depressão é enraizada por uma série de problemas emocionais, e, nas mulheres, muitos causados pelos seus próprios companheiros e maridos. Nossa identidade vem sendo desconstruída na mesma medida em que superficialmente se afirma lutar pela defesa da mulher.
As casas de eventos continuam liberando entrada free para mulheres porque assim os homens virão “atrás” das “presas”, os programas de televisão continuam usando a sensualidade feminina de modo deturpado, nossos sentimentos e emoções ainda são simplesmente ignorados por homens que preferem pegar a se apegar, e o modismo é aceito com tremenda e inconcebível naturalidade. A liberdade de escolha, inclusive afetiva, deu lugar a uma suposta negativação da capacidade de se envolver.
Ainda nesse sentido de compensação pelo comportamento masculino, a mulher tem que ter direito a fazer aborto porque ela pode simplesmente entender ser difícil demais assumir sozinha os cuidados da prole quando o homem não é incentivado na mesma proporção a assumir responsabilidade pelos seus atos. Escolhemos o caminho fácil em vez de atacar a raiz do problema.
A ciência jurídica, embora não seja vista assim por quem estudou o Direito, é uma atividade pensante, e como tal deveria impor aos seus estudiosos a necessidade de refletir sobre o objetivo das leis, sobre os comportamentos que precisam ser regulados e quais ainda necessitam de efetiva intervenção estatal. Ao contrário, vê-se uma indústria a alimentar a Ordem de Advogados do Brasil com os duzentos e tantos reais que praticamente todo formando investe para dizer que tem uma profissão, e na tentativa de ter algum sucesso e estabilidade fácil lotam as salas de cursinhos, para serem meros repetidores, pois é isso que os concursos decorebas provocam.
Está na hora de reconhecermos que, como em qualquer outra seara jurídica, precisamos pensar, desenvolver o senso crítico e tomar medidas efetivas para garantir isonomia entre homens e mulheres. Não podemos focar no que falta em nós sem superarmos o que é excessivo nos homens: ego exaltado que disfarça uma incapacidade de lidar com as próprias emoções, uma agressividade que denota a falta de domínio próprio, bem como uma necessidade de se sentir superior ante as mulheres da sua vida por não reconhecer que sucesso independe de gênero mas sim de esforço.
Enquanto os homens acharem que são proprietários de suas parceiras, que podem usar o corpo das mulheres para satisfazer unicamente os seus desejos, que podem decidir preencher uma vaga profissional por conta do sexo do candidato, ou que são economicamente mais lucrativos, teremos mulheres com identidade fragilizada, e, por consequência, não viverão plenamente a maternidade, o casamento, a amizade, a família ou o trabalho.
Uma sociedade bem desenvolvida é aquela onde todos que a compõem são reconhecidos pelos seus valores e também onde todos sabem respeitar o próximo independentemente do sexo. Não precisamos de homens fracos para sermos mulheres fortes, tampouco precisamos que seja diminuído o salário do homem para que se equipare ao nosso. É urgente que se entenda quando e onde as diferenças se fazem necessárias, porque ninguém merece viver se sentido desprezado ou diminuído pelo meio onde vive, e nós, mulheres, somos lembradas disso diariamente.
Nesse 8 de março não queremos pagar menos por jantares ou serviços grátis, flores e presentes também não diminuirão o impacto dos sofrimentos impostos pelos outros 364 dias do ano, quando precisamos demonstrar da hora que acordamos até o sonhar que não estamos abaixo e nem atrás dos homens, mas, sim, ao lado, em busca de um ideal solidário e de plena felicidade. Assim, quem sabe, dispensaremos a data comemorativa porque seremos valorizadas em todo o calendário.
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Naiara Czarnobai Augusto é Graduada em Direito e Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Atualmente trabalha no Núcleo Técnico Especializado e no Núcleo de Inteligência do Centro de Apoio Operacional Técnico do Ministério Público de Santa Catarina, ao qual está vinculado o Laboratório de Tecnologia no Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) do MPSC.
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