A INFLUÊNCIA DO COMPORTAMENTO DO MAGISTRADO NA CONFIGURAÇÃO DA SUSPEIÇÃO

20/07/2019

A Edição nº 2642 da revista Veja traz na sua capa o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, retratando o desequilíbrio da balança, símbolo místico da Justiça que retrata a equivalência entre o castigo e a culpa. A matéria do semanário traz informações de extrema gravidade, dada a notoriedade do personagem principal, tido por boa parte da população como um super-herói que simboliza o combate à corrupção e à impunidade. Tamanha é popularidade angariada por Sérgio Moro que qualquer sujeito que se contraponha às suas práticas (mesmo que com sólidos argumentos jurídicos) é considerado um inimigo, merecedor de desrespeito e desprezo. Após as revelações publicadas no site The Intercept, sua credibilidade está sendo questionada devido a várias trocas de mensagens por meio de um aplicativo.

A Constituição de 1988, no seu artigo 1º, define que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, o que impõe ao Estado limites na sua atuação no sentido de manter uma relação de tensão entre o interesse democrático, manifestado pela maioria, e a preservação de direitos e garantias em favor das minorias. Portanto, a leitura do processo penal, a partir do texto constitucional, deve ser de respeito às garantias do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da razoável duração do processo e do juiz natural. Conclui-se que a Constituição adota o chamado sistema acusatório, no qual são distintas as funções de acusar, defender o acusado e julgar.

Luigi Ferrojoli define o processo como uma relação triangular entre três sujeitos equidistantes. É essencial que o juiz esteja distante dos objetivos pretendidos pela acusação e pela defesa.[1] Aury Lopes Jr assevera que somente há imparcialidade quando houver uma separação do juiz das funções de acusar e julgar, bem como das funções instrutórias e investigatórias. [2]

A matéria da revista Veja traz, inicialmente, um diálogo travado entre os procuradores Deltan Dallagnol e Laura Tessler no qual fica claro que o magistrado teria alertado a acusação acerca da ausência de um depósito efetuado pelo réu Zwi Sckornicki em favor de Eduardo Musa. Ou seja, fica claro que o juiz favoreceu a acusação. Alertar o órgão acusador acerca da ausência de uma prova necessária para a instrução da denúncia retrata de forma indelével a sua suspeição.

O semanário também traz uma cobrança do então juiz acerca de uma manifestação do Ministério Público Federal sobre a revogação da prisão preventiva do réu José Carlos Bumlai. Deltan Dallagnol responde que será atendido e que enviaria alguns precedentes para “mencionar quando prender alguém...”. Este comportamento dos interlocutores denota um verdadeiro envolvimento do órgão acusador e do magistrado, o que pode ser evidenciado, também, no diálogo acerca dos rumores de uma provável delação do ex-deputado Eduardo Cunha. Neste último diálogo, Moro já se posiciona contra um possível acordo de colaboração.

Fato gravíssimo é o retratado no diálogo entre o procurador Athayde Ribeiro Costa e um interlocutor (supostamente a Delegada Erika Marena). Na conversa, Moro teria dito à delegada para “não ter pressa” para juntar uma planilha apreendida com executivo da empreiteira Andrade Gutierrez. Esta ação manteria o caso na 13ª Vara Federal e a competência não seria deslocada para o Supremo Tribunal Federal já que esta planilha demonstraria o pagamento de propina políticos com foro por prerrogativa de função.

Também é transcrito pela revista um diálogo entre os procuradores Paulo Galvão e Robson Pozzobon no qual Moro (citado com o apelido de Russo) teria pedido para que a denúncia não fosse apresentada na última semana antes do recesso forense. Assim, a operação, que culminou com a prisão de José Carlos Bumlai, deveria ser deflagrada até 13/11. Moro acolheu a denúncia do Ministério Público Federal no dia seguinte à sua apresentação, o que é estranho. Fica evidente que já a decisão de Moro que recebeu a denúncia já fora elaborada antes mesmo da peça acusatória.

A matéria veiculada pela Veja mostra claramente que o ex-juiz Sérgio Moro atuou de forma parcial e desenvolveu a sua atuação judicante visando a condenação dos acusados. José Maria Rifá Soler, Manuel Richard González e Iñaki Riaño Brun defendem que a imparcialidade do juiz passa pela separação da atividade instrutória da atividade decisória. [3] O magistrado atuou de maneira clara no sentido de auxiliar o Ministério Público Federal na sua função acusatória. Segundo o artigo 254, inciso IV, do Código de Processo Penal, o então juiz Sérgio Moro é suspeito para conduzir diversas ações penais da Operação Lava Jato. Os fins não podem justificar os meios sob a alegação de defesa de uma verdadeira cruzada contra a corrupção. O que deve imperar é o respeito às garantias constitucionais que culminem num julgamento justo e imparcial.

 

 

 

Notas e Referências

[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Trad. Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 535.

[2] LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 63.

[3] SOLER, José Maria Rifá; GONZALEZ, Manuel Richard; brun, Iñaki Riaño. Derecho procesal penal. Pamplona (Espanha): Instituto Navarro de Administración Pública, 2006, p. 38.

 

 

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