A INFLUÊNCIA DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL NO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADOLESCENTES AUTORES DE ATO INFRACIONAL  

23/03/2021

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Vivian Degann

A Doutrina da Proteção Integral, ao ser acolhida pela Constituição da República de 1988, tornou-se alicerce do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil. A criança e o adolescente são elevados a sujeitos de direitos; e se imputa à Família, Sociedade e ao Estado o dever de, com absoluta prioridade, assegurar-lhes todos os direitos previstos e colocá-los a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão; mesmo quando estiverem em conflito com a Lei. E não só, o novo modelo concebido pela Carta Política de 1988 estabelece um novo conteúdo na forma de intervenção estatal nos casos de imputação de ato infracional a adolescente, inclusive com a previsão de direitos específicos, pois carecem de proteção suplementar ao adulto, em razão da sua especial condição de pessoa em desenvolvimento (SANCHES; VERONESE, 2013, p. 116). Tanto é que no § 3° de seu art. 227 dispõe que o direito à proteção especial também abrange:

a) “a garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica” (inc. IV);

b) “obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade” (inc. V).

Além de estabelecer que as pessoas com menos de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, a Constituição da República de 1988 estipulou que estas estão sujeitas às normas da legislação especial (art. 228). Todavia, um impasse se instalava: com a mudança de paradigma, o conteúdo do Código de Menores de 1988 não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988, logo deveria ser reformulado ou revogado. Após embate político entre “Menoristas” e “Estatutistas”[1], os últimos se sagraram vitoriosos com a sanção da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente; que foi concebida inteiramente sob a perspectiva da Doutrina da Proteção Integral (VERONESE, 2015, p. 44).

O progresso trazido pela nova legislação é manifesto logo no seu título, pois a denominação “estatuto” remete a uma idéia de regulamento especial, o qual protege e prioriza os seus sujeitos, as crianças e os adolescentes (JESUS, 2006, p. 68). E o conteúdo de seus artigos não deixa margem para dúvidas, há evidente alteração de enfoque: o art. 1° é direto, a Lei nº 8.069/1990 dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente; a primeira considerada a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e o último a pessoa entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade (art. 2°); eis os seus destinatários[2].

O Estatuto da Criança e do Adolescente demarca o início de uma fase histórica que visando, sobretudo, a proteção dos direitos dos infantes e adolescentes, implica que seus responsáveis respondam severamente pela falta, abuso ou omissão de tais direitos. Com vistas a sua eficácia, toda a estrutura de cumprimento dos direitos anunciados, bem como a sua fiscalização, estão pautados na descentralização administrativa, com a participação efetiva da sociedade e dos diversos atores sociais e institucionais na construção de políticas públicas adequadas (VERONESE, 2015, p. 45-6).

Relativamente à forma de intervenção sobre o adolescente autor de ato infracional, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu um sistema próprio de responsabilização, previsto nos arts. 103 a 128 e  171 a 190.  Quanto à sua nominação, filia-se à corrente doutrinária concebida pela catedrática Josiane Rose Petry Veronese que defende a utilização da categoria Responsabilização Estatutária, Socioeducativa ou Pedagógica (2015, p. 199).  Não se está diante de mero preciosismo de linguagem[3], mas, sim, da mais acurada tradução do intento constitucional, que é categórico ao dispor que as pessoas com menos de 18 (dezoito) anos de idade são penalmente inimputáveis, cuja responsabilização se dará por normas da legislação especial, que, no caso, é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Há notório propósito de se afastar do antigo sistema segregador (Código de Menores de 1979) e, também, do Direito Penal[4] (VERONESE, 2015, p. 199 e 266).

Porém, de que forma a Responsabilização Socioeducativa está estruturada? Pois bem. A conduta de criança ou adolescente que se subsume aos tipos previstos no Código Penal, na legislação penal extravagante e na Lei das Contravenções Penais é denominada ato infracional (art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente). E, por reconhecer as diferentes fases de desenvolvimento da pessoa menos de 18 (dezoito) anos de idade[5], a Lei nº 8.069/1990 dispõe que somente aos adolescentes será aplicada medida socioeducativa pela prática de ato infracional; às crianças são reservadas as medidas de proteção (art. 105).

As medidas socioeducativas estão previstas no art. 112 e são, a saber, a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a semi-liberdade e a internação em estabelecimento educacional. As 4 (quatro) primeiras são consideradas medidas socioeducativas em meio aberto, justamente, por não restringirem a liberdade do adolescente autor de ato infracional.

Outrossim, o inc. VII do art. 112 possibilita a aplicação das medidas de proteção previstas nos incs. I a VI do art. 101, as quais são: a) encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; b) orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; c) inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; d) requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; e) inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

Neste ponto, não há como ignorar a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza da medida socioeducativa, pois como alerta o doutrinador Marcelo Gomes Silva (2008) “a discussão revela-se importante, na medida em que, dependendo da forma pela qual é interpretado o caráter da medida, pode o ator jurídico utilizá-la de modo equivocado, jogando por terra todo o avanço normativo dos últimos anos”.

Não se pretende, aqui, listar todos os discursos nem pormenorizar os fundamentos daqueles a serem mencionados. Trar-se-á aqueles mais proeminentes e abordará suas linhas mestras:

  1. Medida socioeducativa como “instrumento de proteção”: embora não represente uma corrente doutrinária, constitui-se, na verdade, em forma de interpretação e aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente pautada na visão tutelar, advinda do Código de Menores de 1979. Entende que a medida socioeducativa é aplicada para “salvaguardar” o adolescente dos “perigos” que o rondam, de modo que deturpa “por completo seus objetivos e pode ser explicada a partir da falência, da sociedade e do Estado, em implementar políticas públicas e programas sociais que trabalhassem a prevenção do ato infracional” (SILVA, 2008, p. 62)[6].
  2. Medida socioeducativa como sanção penal: para doutrinadores como Afonso Armando Konzen, Antônio Fernando Amaral e Silva, João Batista Costa Saraiva, Wilson Donizeti Liberati, dentre outros, é inegável a natureza retributiva da medida socioeducativa, em que pese possua conteúdo pedagódigo. Defende-se, em síntese, que o adolescente ao praticar ato infracional possui o “dever” de responder por seu ato; porém, por ser pessoa em desenvolvimento, destinatário de proteção integral e sujeito de direitos, receberá medida socioeducativa, que irá, ao mesmo tempo, “punir” (resposta estatal de cunho aflitivo) e reinseri-lo no seio familiar e social[7].
  3. Medida socioeducativa como medidas sociais e educativas: essa vertente sobressai que a Lei nº 8.069/1990 responsabiliza, sim, o adolescente pela prática de condutas contrárias ao ordenamento jurídico, por meio das medidas socioeducativas, as quais possuem caráter social, pois o adolescente autor de ato infracional é um ser social, “não uma patologia ou uma lacra moral que deveria ser objeto de um tratamento”; e também possuem natureza educativa, ou seja, a educação é utilizada como estratégia de intervenção. Assim, a responsabilidade é entendida “como um direito, numa perspectiva de desenvolver a cidadania do adolescente autor de ato infracional (VERONESE, 2015, p. 267-271)[8].

Por compreender que o sistema de responsabilização concebido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é autônomo e inovador, bem como por seus institutos se diferirem, e muito, daqueles do Direito Penal e do Código de Menores de 1979; perfilha-se que a medida socioeducativa possui caráter social e educativo, como seu próprio nome revela. Aliás, parece ter sido esse o propósito do legislador ordinário, porquanto o Estatuto permite à autoridade competente avaliar o contexto posto a sua apreciação[9] e, com certa liberdade, aplicar - ou não - medida socioeducativa, cumulando-a - ou não - com medida de proteção (arts. 99 e 112)[10]. Ou seja, a aplicação de medida socioeducativa nem sequer é obrigatória:

Diferentemente das penas, as medidas socioeducativas são de aplicação facultativa, conforme se verifica pela redação do art. 112 do Estatuto, podendo o juiz determiná-las, ou não, ao contrário da pena cuja imposição é obrigatória, e podem ser substituídas a qualquer momento, cabendo a reavaliação constante acerca de sua necessidade, o que não ocorre nas penas dos adultos (SILVA, 2012, p. 45).

Frisa-se, ainda, que o Estatuto prevê que na aplicação das medidas se levarão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, as quais poderão ser substituídas a qualquer tempo (arts. 99, 100 e 113) e devem ser regidas pelos princípios estabelecidos no parágrafo único do art. 100. Esses direitos e garantias foram confirmados pela Lei nº 12.594/2012, que estabelece, dentre outros, como objetivo das medidas socioeducativas “a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento do seu plano individual de atendimento” (inc. II do § 2º do art. 1º).

No mais, a Lei nº 12.594/2012 prevê a elaboração de Plano Individual de Atendimento para o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, que se revela como verdadeiro instrumento da construção da cidadania, principalmente por reconhecer que o socioeducando deve ser parte do processo de idealização do seu presente e futuro (art. 53).

Conclui-se, pois, que com a aplicação da medida socioeducativa pretende-se a intervenção na realidade do adolescente, possibilitando o resgate de sua cidadania e valorização de sua subjetividade; um “modelo da autonomia, sustentada na educação na liberdade e para a liberdade, portanto libertadora e ao mesmo tempo responsável” (VERONESE, 2015, p. 265).

Denota-se que o Brasil possui sólida e inovadora base legislativa atinente à responsabilização do adolescente autor de ato infracional, elaborada em conformidade à Doutrina da Proteção Integral. Contudo, em contrapartida, apesar desse notório avanço, não se nota a sua efetivação no plano fático. Desta forma, se na década de 1980 lutou-se pela mudança de paradigma na forma em que a criança e o adolescente eram vistos e “tratados”, agora há de pleitear pela concretização dos direitos que lhe foram conquistados nos últimos 30 (trinta) anos.

 

Notas e Referências

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 20 fev. 2021.

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BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 20 fev. 2021.

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BRASIL. Resolução nº 119, de 11 de dezembro de 2006. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Dispõe Sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e dá outras providências. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwiJjdCl263WAhUMEJAKHba0B-IQFggnMAA&url=http://www.sed.sc.gov.br/documentos/programa-privacao-espacos-de-liberdade/legislacao-federal/5398-resolucao-119-conanda/file&usg=AFQjCNE20Q7SsMQSbOed2zU26TEZB7osAA>. Acesso em: 20 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (sinase), Regulamenta A Execução das Medidas Socioeducativas Destinadas A Adolescente Que Pratique Ato Infracional [...]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm>. Acesso em: 20 fev. 2021.

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[1]             Consoante explica a doutrinadora Josiane Rose Petry Veronese: [f]ormaram-se duas correntes de opinião: a Menorista que defendia a manutenção o Código de Menores desde que devidamente corrigido e atualizado e a Estatutista que apresentou o Estatuto da Criança e do Adolescente.

               Nas discussões feitas em 1989 acerca da continuidade do Código de Menores de 1979 ou implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, os defensores desta última argumentavam a respeito do poder de transformação na legislação menorista com base nos artigos da Constituição. O esgotamento do texto do Código de Menores de Mello Matos e do posterior Código de 1979, que contou com a participação de Antonio Luiz Chaves Camargo e Maria Antonieta Guerreiro, cedeu espaço para o Projeto de Lei do Senado n° 193, de 1989, produzido pelo Senador Ronan Tito” (2015, p. 43-4).

[2]            Como se vê , a categoria “menor” é abolida, em virtude do estigma que carrega, utilizam-se, agora, de acordo com a idade da pessoa, as categorias “criança” ou “adolescente”.

[3]             A preocupação com a linguagem é plenamente justificada no Direito da Criança e do Adolescente, pois por meio dela pretende-se evidenciar a discrepância entre a Doutrina da Proteção Integral e a da Situação Irregular. Notar-se-á esse cuidado em vários momentos, principalmente com relação à categoria “menor”, cujo uso deve ser abolido, por representar dupla violação aos Direitos da Criança e do Adolescente, como explana a doutrinadora Josiane Rose Petry Veronese: [a] utilização indiscriminada da categoria menor, quando o termo não esteja adjetivado, como por exemplo, “menor de idade” ou “menor de 18 anos”, constitui-se dupla violação aos Direitos da Criança e do Adolescente. Por um lado atenta-se contra a forma, pois a linguagem que está sendo utilizada diz respeito a uma norma revogada (Código de Menores de 1979), o que parece um contra senso em um país cujos juristas são conhecidos pela sua formalidade e apego aos textos legais; e por outro lado, traduz-se em verdadeira ofensa àquele que é chamado de “menor”, pois regra geral a expressão é utilizada para dar um sentido de desprezo, enfim, de segregação cultural (2015c).

[4]             Embora não fale em Responsabilização Estatutária, o doutrinador Marcelo Gomes Silva alerta ser necessário o distanciamento da Doutrina da Situação Irregular e do Direito Penal ao se pensar na responsabilização do adolescente autor de ato infracional: [é] preciso que fique bem claro que a Constituição da República, de 1988, e o Estatuto, criaram, inclusive de modo expresso, uma nova maneira de ver o Direito da Criança e do Adolescente e a questão da responsabilização juvenil. Para tanto, com um mínimo de boa vontade, é necessário que se abandone as formas antigas de resolução dos problemas postos na seara da infância e juventude. Nesse passo, querer tratar os atos infracionais sob a visão do Direito Penal, ainda que dito mínimo, apesar das boas intenções, é viciar um sistema novo e que exige tratamento diverso, a fim de que seja, realmente, eficiente (2008, p. 92).

[5]             “Ao ato infracional praticado por criança, corresponderão as medidas de proteção previstas no art. 101 (art. 105), isso porque, o legislador, sabiamente, compreendeu que existem diferentes etapas no desenvolvimento da pessoa humana” (VERONESE; SILVEIRA, 2017, p. 302)

[6]             A crítica de Alexandre Morais da Rosa e Ana Christina Brito Lopes é pontual: A mudança da Doutrina da Situação Irregular para a Proteção Integral ainda é, na maioria dos Juizados deste imenso país, de fachada. As leis não mudam os atores jurídicos, ainda mais quando a grande maioria deles foi formada sem sequer abrir o ECA. Os cursos de Direito dedicam - e quando dedicam - uma disciplina, em regra optativa, para o estudo do Estatuto. Daí que os atores jurídicos não podem aplicar o que não conhecem. No âmbito dos Tribunais a situação é ainda mais grave. A grande maioria se formou, exerceu ou ouviu falar da postura paranóica do Juiz de Menores que, a partir do seu ‘bom senso’ escolhia o que era melhor para o adolescente, sem garantias processuais ou defensor. E a estrutura se mantém. Basta um breve passar de olhos pela jurisprudência para se constatar que ainda existem referências ao “menor que possui o direito de uma medida socioeducativa” ou ainda que “o menor precisa ser encaminhado para os valores sociais” (2011, p. XXIX-XXX).

[7]             Para Afonso Kozen: As considerações sobre os significados material e instrumental da medida socioeducativa permitem, à guisa de conclusão, identificar a sua natureza jurídica. Ou seja, em solução à questão geral, no sentido de se saber o que é medida socioeducativa, percebe-se a presença de uma resposta estatal de cunho aflitivo para o destinatário, ao mesmo tempo em que se pretende, com a incidência de técnicas pedagógicas, a adequada (re)inserção social e familiar do autor de ato infracional. Assim, se a medida socioeducativa tem características essenciais não uniformes, pode-se concluir pela complexidade de sua natureza jurídica. A substância é penal. A finalidade deve ser pedagógica (2005 apud SARAIVA, 2006, p. 69).

[8]             Gersino Gerson Gomes Neto também defende a natureza pedagógica das medidas socioeducativas: Se a Constituição quisesse a responsabilização penal teria expressado. O Estatuto fala da prática de ato infracional, portanto, o intérprete precisa ter a mente aberta para aceitação desta nova concepção do direito, ou seja, que o ato infracional não é crime e que sua responsabilização é socioeducativa e de natureza pedagógica. [...] Reafirmo que o objetivo do Estatuto é o compromisso com o resgate da cidadania do adolescente que só pode ser alcançado através da educação, aí compreendida não só a educação escolar, mas aquela voltada à socialização, à formação do caráter, aquela desenvolvida 24 horas por dia, onde convivência sadia, a troca de experiência, o interagir produzem mais efeitos que a simples preleção, o transmitir verbal de conhecimentos ou mesmo o aprendizado através do padecimento imposto pela aplicação da punição (2017).

[9]             § 1º do art. 112: a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

[10]          O caput do art. 112 é claro do mencionar que “a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente” alguma das medidas socioeducativas previstas nos incs. I a VI ou as medidas de proteção previstas nos incs. I a VI do art. 101.

 

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