A infantilização do consumidor frente ao Mercado: breves percepções

26/07/2019

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Porto Alegre sabe ser gelada nesta época do ano. Assim como no verão, os shopping centers, além de proporcionarem a possibilidade de compras e entretenimento, promovem também o abrigo às temperaturas extremas da rua, criando uma atmosfera agradável de consumo.

A caminho da sala de cinema – afinal, o tão esperado filme finalmente está em cartaz -, vitrines de diversas lojas expõem seu mostruário: moletons com um sorridente Mickey Mouse lhe abanam, guarda-chuvas de Harry Potter atraem sua atenção e a bomboniere lhe oferta combos (de preços exorbitantes) com baldes de pipoca simulando algum elemento visual do filme escolhido.

De maneira muito clara, percebe-se o fenômeno de infantilização dos consumidores, como expõem Benjamin Barber[1] e Gilles Lipovestsky[2]. O ethos infantilista, conforme explica Barber, é diretamente associado às necessidades trazidas pelo capitalismo de consumo. Na mesma vertente se posiciona Lipovestsky, ao definir que a terceira fase do capitalismo de consumo abrange o consumo de viés emocional, proporcionado pelo consumo de experiências, em que reina o hedonismo.

A nostalgia produzida pela Sociedade de Consumo transforma o consumidor em uma espécie de kidult, conforme Barber, ou seja, adultos infantilizados. Na mesma obra referida, Gilles observa que o hiperconsumo acarreta confusão também das faixas etárias, uma vez que adultos se comportam de maneira semelhante a seres em formação. É o caso, por exemplo, da utilização de patinetes elétricos[3] em vias públicas – que provoca a reflexão sobre as novas possibilidades de mobilidade urbana.[4]

A sétima arte também tem utilizado muito o fenômeno da nostalgia ou do retromarketing, e, muito mais do que uma forma de expressão artística, a indústria cinematográfica tem se mostrado deveras produtiva. É o que se percebe com os números apresentados pela Revista Forbes[5], ao analisar o grande lucro trazido pelo último filme da sequência de Vingadores: Ultimato, que, em apenas dezenove dias em cartaz nos Estados Unidos, arrecadou valor superior a U$734 milhões. Não obstante ao lançamento em abril, ainda há sessões em cartaz em julho, com o relançamento incluindo cenas inéditas. Por essa razão, ainda não há dados completos acerca da bilheteria mundial, que já beira a marca de U$ 3 bilhões.[6]

Da mesma forma, continuações infindáveis de clássicos garantem o sucesso das bilheterias, como Harry Potter (2001-2011), Toy Story (1995-2019) e Velozes e Furiosos (iniciada em 2001, a sequência conta com a estreia do nono filme em 2020), ou mediante a constante transformação de animações na modalidade live action, como em Cinderella (na versão Disney, em 1950 e em 2015), Aladdin (da mesma forma, em 1992 e 2019), e o tão aguardado O Rei Leão (pela mesma produtora, em 1994 e 2019).

Além da grande lucratividade dos mencionados filmes, observa-se fortemente o já mencionado fenômeno da infantilização, uma vez que esses marcaram a infância dos atuais kidults, que, saudosos de um passado nostálgico, consomem a experiência de novamente serem crianças sem qualquer tipo de sentimento de culpa. O material também é consumido: personagens estampam o vestuário, ocupam estantes, como funko pop’s, ou até mesmo como parte da mobília. É paradoxal (e assustador) o que o capitalismo produz: no filme Toy Story 4, o personagem Garfinho é confeccionado por uma criança, feito de restos de lixo, como palitos e garfo descartável; o brinquedo-personagem agora é vendido em lojas brasileiras por cerca de R$90,00.[7]

Feita a breve contextualização do fenômeno mundial, é necessária reflexão sobre as consequências do hiperconsumo e da infantilização dos consumidores. Na sociedade em que reina o hedonismo e o solipsismo, a moda é constantemente renovada e tudo é efêmero, o consumo e descarte compulsivos, o forte impacto ambiental e o superendividamento são apenas alguns dos resultados da sociedade de consumo. Vítimas e impulsionadores dessa sociedade, os consumidores se percebem confusos em relação a sua própria identidade, sendo os adultos infantilizados para que consumam o que lhes é proposto e as crianças são adultizadas para que influenciem nas compras dos pais, gerando, assim, um ciclo sem fim de consumo, como explica Barber.

Todavia, o atual modelo de consumo é absolutamente distante do ideal, uma vez que consumo e felicidade não podem, de forma alguma, serem tidos como sinônimos. Ainda que possa ser uma atividade prazerosa, consumir não deve ser o único modo de realização pessoal. Por essa razão, faz-se necessária a educação voltada para o consumo, com o intuito de transformar o modo de consumir: não como mera compulsão, e sim em ato consciente e coerente. Da mesma forma, as etapas de formação humana devem ser vividas de maneira equilibrada, ou seja, adultos e crianças comportando-se conforme sua faixa etária, nas devidas proporções de responsabilidade.

Para que isso aconteça, porém, é necessário um movimento de conscientização e de transformação, a fim de que a sociedade de consumo não transforme os adultos em eternos Peter Pans, à procura da Terra do Nunca, onde não há responsabilidades a serem assumidas e onde serão eternamente seres infantis, livres para seguirem suas vontades  ou – sendo mais realista – a vontade que o Mercado lhes impõe.

 

Notas e Referências

[1] BARBER, Benjamin R. Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Rio de Janeiro: Record, 2009.

[2] LIPOVESTSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

[3] Disponível em: < https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2019/02/compartilhamento-de-patinetes-eletricas-comeca-sabado-em-porto-alegre-cjs56wzcv01fh01mrf2diu2s9.html>. Acesso em 17.jul.2019.

[4] Disponível em: < https://exame.abril.com.br/brasil/alerj-decide-que-antes-de-andar-de-patinete-no-rio-e-preciso-fazer-prova/>. Acesso em 17.jul.2019.

[5] Disponível em: < https://www.forbes.com/sites/scottmendelson/2019/05/15/avengers-endgame-infinity-war-box-office-captain-america-iron-man-thor-black-panther-ant-man/#29ef7d7f2ccf>. Acesso em 17.jul.2019.

[6] Disponível em: < https://www.the-numbers.com/movie/Avengers-Endgame-(2019)#tab=international>. Acesso em 17.jul.2019. 

[7] Disponível em: < https://www.americanas.com.br/produto/93838639/boneco-forky-toy-story-4-garfinho-com-rosto-customizavel-17cm-toyng?pfm_carac=garfinho&pfm_index=2&pfm_page=search&pfm_pos=grid&pfm_type=search_page%20&sellerId>. Acesso em 17.jul.2019.

 

 

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