A inconstitucionalidade da “lei do escambo”

23/10/2015

Por Gabriel Quintanilha - 23/10/2015

O Estado do Rio de Janeiro aprovou, em junho de 2015, a Lei nº 7.020, que institui o Termo de Ajustamento de Conduta - TAC tributário. Tal lei tem o objetivo de reduzir o bilionário déficit orçamentário do Estado, concedendo parcelamento de tributos em aberto e de forma inovadora, o pagamento de tributos com produtos.

Assim, as empresas que tenham dívidas tributárias com o Estado do Rio de Janeiro superiores a dez milhões de reais podem aderir ao TAC, confessando o respective débito e quitando suas dívidas, de forma parcelada ou por meio de dação em pagamento de bens móveis. Dito isso, não fica difícil entender o motivo que a referida lei foi rapidamente apelidada de “lei do escambo”.

No entanto, a lei é simples e mal elaborada, não prevendo o procedimento que será adotado para o pagamento dos tributos estaduais por meio de produtos. A norma em questão se limita a conceder isenção de 100% das multas e redução de 60% nos juros de mora quando houver dívidas de impostos.

Para adesão, as empresas devedoras foram obrigadas a renunciar qualquer discussão que tenha sido instaurada, reconhecer a dívida e se comprometer que não repetirá a conduta lesiva aos cofres públicos, sob pena de multa 150% do valor perdoado.

Também no mês de junho foi aprovada a lei nº 7.019, regulamentada pelo Decreto 45.305/15, que autoriza o Estado a compensar suas dívidas com concessionárias de telecomunicações, energia elétrica e gás canalizado com créditos  tributários futuros, em até 36 meses, não podendo ultrapassar 31/12/2018.

Tais normas, aparentemente favoráveis ao Estado e ao Contribuinte trazem, em verdade, importantes vícios que precisam ser analisados.

Primeiramente, deve-se destacar que o art. 3º do CTN deixa claro que o tributo é uma prestação pecuniária e em moeda ou valor que nela possa se exprimir. Vejamos:

Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Como se pode ver, o tributo é uma prestação pecuniária, não se admitindo no direito tributário brasileiro o seu pagamento in labore ou mesmo in natura. O Código Tributário Nacional admite outras modalidades de pagamento do tributo, previstas no art. 162 do CTN, quais sejam o pagamento em cheque e por estampilha, por exemplo.

O conceito ainda é dilatado, sendo cabível a dação em pagamento de bens imóveis como causa de extinção do crédito tributário, conforme disposto no art. 156, XI do CTN.

Frise-se que o Código é expresso quanto à dação em pagamento de bens imóveis e não de bens móveis. O que pretende o Estado do Rio de Janeiro é receber o pagamento de seus tributos por meio de bens móveis, o que é vedade expressamente pelo CTN.

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário: XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (inciso acrescentado pela LC 104/01, vigente desde a publicação em 11/01/01)”

Como se não bastasse, é vedado aos entes federados criar outras hipóteses de extinção do crédito tributário que não aquelas previstas no CTN, conforme previsão expressa do art. 141. Em outras palavras as causas de extinção do crédito tributário são somente as dispostas no CTN, sendo sua extensão, pelos entes federados, uma violação do ordenamento jurídico.

O Estado do Rio de Janeiro, por meio do Decreto Estadual 34.580/03, passou a permitir a extinção do crédito por meio de dação em pagamento de bem móvel em pagamento, ou seja, substituindo o pagamento em dinheiro por bem móvel, a revelia do que prevê a norma geral de Direito Tributário.

Como se não bastasse, há uma clara violação à lei de licitações, pois o Estado passa a adquirir bens e produtos para o seu consumo sem a realização do certame licitatório, por meio de uma compra direta, o que é rechaçado pelo ordenamento jurídico, conforme posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Distrito Federal para declarar a inconstitucionalidade da Lei distrital 1.624/97, que dispõe sobre o pagamento de débitos das microempresas, das empresas de pequeno porte e das médias empresas, mediante dação em pagamento de materiais destinados a atender a programas de Governo do Distrito Federal. Entendeu-se que a norma impugnada viola o art. 37, XXI, da CRFB, porquanto afasta a incidência do processo licitatório, por ele exigido, para aquisição de materiais pela Administração Pública, bem como o art. 146, III, da CRFB, que prevê caber à lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, eis que cria nova causa de extinção de crédito tributário.” (ADI 1917/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.4.2007).

Não devem restar dúvidas que a possibilidade de pagamento do tributo por meio de dação em pagamento de bens móveis viola o ordenamento jurídico, sendo certo que a norma do Estado do Rio de Janeiro deve ser imediatamente extirpada do ordenamento jurídico, tendo em vista o risco de dano ao erário estadual.


Gabriel Quintanilha

Gabriel Quintanilha é Advogado, Mestre em Economia Empresarial pela UCAM, Pós Graduado em Direito Público e Tributário pela UCAM, Membro do IBDT, Sócio Fundador da SBDT, Professor de Direito Tributário do IBMEC, da FGV, da Pós Graduação em Direito Tributário da UFF, Professor do Curso Forum e autor de livros e artigos.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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