A Inconstitucional Proposta de Restrição de Julgamentos do CNJ por meio de Alteração do seu Regimento Interno

11/02/2015

Por Ilton Norberto Robl Filho - 11/02/2015

Na 202ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 03 de fevereiro de 2015, o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ propôs a inclusão de cláusula de restrição de julgamentos proferidos pelo Plenário[1]. Segundo a concepção do Ministro Ricardo Lewandowski, este Conselho somente deveria analisar questões e causas de interesse geral e essa alteração poderia ser promovida por meio de alteração do Regimento Interno. Essa proposta é inconstitucional, além de contrária à democracia.

Atualmente, as decisões tomadas pelo poder judiciário produzem impactos intensos em nossas vidas. Trata-se de um fenômeno estrutural nas democracias constitucionais contemporâneas, sendo essa situação conhecida como judicialização da política e da vida cotidiana.

No Brasil, decisões, por exemplo, sobre a) financiamento de empresas privadas para partidos políticos, b) possibilidade de publicação de biografias sem autorização do biografado ou de sua família, c) limites e possibilidades do controle sobre a imprensa, d) casamento entre pessoas do mesmo sexo e e) ampliação das situações juridicamente aceitáveis da prática de aborto foram ou encontram-se em julgamento nos tribunais pátrios e, principalmente, pelo Supremo Tribunal Federal.

Por outro lado, há necessidade de fiscalização de todos os órgãos e poderes estatais, sociais e privados que influenciam e regulam os cidadãos e as empresas. Como inexistiam mecanismos mais efetivos de controle dos magistrados, tribunais, servidores judiciais e serventias extrajudiciais (cartórios) no texto original da Constituição Federal de 1988, desde o início da década de noventa do século passado foi discutida, no Congresso Nacional, a criação de um ou de alguns Conselhos de Justiça.

Importante frisar que o Poder Constituinte Derivado Reformador (Congresso Nacional), após mais de dez anos de forte discussão com representantes da sociedade civil e do próprio poder judiciário, optou por estabelecer um único Conselho de Justiça com poderes de controles administrativo e financeiro sobre todos os órgãos e tribunais brasileiros. Poder-se-ia, sem qualquer problema jurídico ou constitucional, criar diversos Conselhos para cada uma das justiças estaduais e dos inúmeros tribunais federais. Em outras palavras, teríamos um Conselho Paranaense de Justiça para a Justiça do Estado do Paraná, assim como um Conselho Catarinense para fiscalizar os atos dos magistrados estaduais de Santa Catarina.

De outro lado, a escolha constitucional, na Emenda nº. 45/2004, atribuiu a quinze Conselheiros funções essenciais de, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal: a) zelar pela autonomia do poder judiciário e pelo cumprimento dos deveres judiciais, b) editar resoluções e atos normativos acerca de assuntos atinentes ao judiciário, c) receber reclamações contra magistrados e servidores, d) observar o cumprimento dos princípios da administração pública nos tribunais e varas, por exemplo.

Não precisa ser um especialista em desenho institucional para saber: um órgão para fiscalizar todo judiciário brasileiro receberia uma grande quantidade de demandas.

Por sua vez, inexiste qualquer dispositivo na Constituição Federal ou, especialmente, no art. 103-B que determine a ocorrência do interesse geral como condição para conhecimento e análise pelo Plenário do CNJ de temas e de situações, impedindo que demandas mais específicas sejam apreciadas. Assim, somente uma nova Emenda Constitucional, democraticamente debatida, pode modificar de maneira tão marcante a atuação do CNJ.

Sou absolutamente favorável a rediscutir as competências do CNJ depois de 10 anos da sua criação.  Em verdade, é chegada a hora de produzir um sistema de controle judicial ainda mais plural, mesclando e interagindo a fiscalização do CNJ com o controle exercido pelos tribunais estaduais e federais.

Agora, sem debate e sem restrição expressa da Constituição, não é constitucionalmente adequado e democraticamente correto que um Regimento Interno limite o acesso a órgão estatal tão relevante como o CNJ, diminuindo a possibilidade de cidadãos demandarem o controle sobre a magistratura. Infelizmente, como veremos em futuras colunas no Empório do Direito, o judiciário brasileiro e com ênfase o Supremo Tribunal Federal produzem decisões de duvidosa constitucionalidade. Espero que o CNJ não fixe regimentalmente essa restrição inconstitucional.

[1] Ver: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/30638-lewandowski-quer-que-plenario-do-cnj-julgue-apenas-casos-de-interesse-geral

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Sem título-3 lton Norberto Robl Filho é Diretor da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR e do Mestrado em Jurisdição Constitucional da UPF. Doutor em Direito pela UFPR. Pesquisador Visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto-Canadá e do Instituto Max Planck em Heidelberg - Alemanha. Realiza Pós-Doutorado sobre Jurisdição Constitucional da PUC/RS.
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