A INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO QUANDO UTILIZADO PARA A PRÁTICA DE RECEPTAÇÃO, DESCAMINHO OU CONTRABANDO

24/01/2019

Fazendo jus à profusão legislativa que caracteriza os finais e inícios de ano em nosso País, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República a Lei nº 13.804, que, publicada no DOU em 11.01.2019, alterou o Código de Trânsito Brasileiro para inserir o art. 278-A, impondo ao condutor que se utilize de veículo para a prática dos crimes de receptação, descaminho ou contrabando, previstos no Código Penal, em caso de condenação por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, a cassação de seu documento de habilitação ou a proibição de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 anos.

Como se sabe, os efeitos da condenação vêm relacionados nos arts. 91 e 92 do Código Penal, trazendo a nova lei, agora, um novo efeito de natureza administrativa.

Condenação é o ato do juiz por meio do qual se impõe uma sanção penal ao sujeito ativo da infração. A condenação produz um efeito principal, que é a imposição de pena aos imputáveis e de medida de segurança, se for o caso (art. 98 do CP), aos semi-imputáveis. Produz também a condenação efeitos secundários, de natureza penal e extrapenal.

Os efeitos secundários de natureza penal da sentença condenatória são vários, dentre eles a caracterização da reincidência pelo crime posterior, a revogação da reabilitação quando se tratar de reincidente, o impedimento de vários benefícios e até mesmo a antiga inscrição do nome do condenado no “rol dos culpados”.

Mas a condenação também produz efeitos secundários de natureza extrapenal, que se dividem em efeitos civis, efeitos administrativos e efeito político.

Com relação aos efeitos civis, são, dentre outros, a obrigação de indenizar o dano (art. 91, I, do CP), o confisco (art. 91, II, do CP) e a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela (art. 92, II, do CP). A reparação do dano constitui efeito automático da condenação, não precisando ser expressamente reconhecido pelo juiz na sentença condenatória. Uma vez transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros (art. 63 do CPP). Com relação ao confisco, pode ser denominado como a perda em favor da União dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constituam fato ilícito, e do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Trata-se também de efeito automático da condenação, que não precisa ser expressamente reconhecido pelo juiz na sentença condenatória. Com relação à incapacidade para o exercício do poder familiar (arts. 1.630 a 1.638 do CC), da tutela (arts. 1.728 a 1.766 do CC) e da curatela (arts. 1.767 a 1.782 do CC), para que ocorra esse efeito, o crime deve necessariamente ser doloso, não se verificando o efeito mencionado em caso de crime culposo. Ao crime doloso cometido contra filho, filha ou outro descendente, tutelado ou curatelado, deve ser prevista, em abstrato, pena de reclusão, ocorrendo o referido efeito ainda que o juiz tenha, a final, na sentença condenatória, substituído a reclusão por outra modalidade de pena (detenção, multa, penas restritivas de direitos). Em relação à vítima (filho, filha ou outro descendente, tutelado ou curatelado), a incapacidade ora tratada é permanente, não sendo alcançada pela reabilitação (art. 93, parágrafo único, do CP). O inciso II do art. 92, com a redação dada pela Lei nº 13.715/18, prevê, ainda, a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar (cônjuge, companheiro etc).

Os efeitos administrativos, por seu turno, são a perda do cargo ou função pública (art. 92, I, do CP) e a inabilitação para dirigir veículo (art. 92, III, do CP). Com relação à perda do cargo ou função pública, em condenações a pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) por tempo igual ou superior a um ano, ela somente ocorre se o funcionário público (art. 327 do CP) agir com abuso de poder ou com violação de dever para com a Administração Pública, incluídos aí, portanto, os crimes funcionais próprios e impróprios (arts. 312 a 326 do CP).

Por fim, com relação ao efeito político, cuida-se da perda do mandato eletivo (art. 92, I, do CP).

Pois bem.

De acordo com o disposto na nova Lei nº 13.804/19, a Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), passa a vigorar acrescida do art. 278-A, do seguinte teor:

“Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos.

1º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código.

2º No caso do condutor preso em flagrante na prática dos crimes de que trata o caput deste artigo, poderá o juiz, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, se houver necessidade para a garantia da ordem pública, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção.”

Trata-se, como dito anteriormente, de efeito secundário de natureza extrapenal administrativo da condenação, a cargo tanto da autoridade judiciária (pois o juiz pode determinar esse efeito com fundamento no art. 92, III, do Código Penal, já existente) quanto da autoridade de trânsito (com fundamento na novel legislação).

Curioso destacar, outrossim, que o Presidente da República vetou os arts. 3º, 4º e 5º da nova lei mencionada, aduzindo em suas razões a ocorrência de “inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”.

O vetado art. 3º da nova lei dispunha: “Art. 3º Na parte interna dos locais em que se vendem cigarros e bebidas alcoólicas deverá ser afixada advertência escrita, de forma legível e ostensiva, com os seguintes dizeres: ‘É crime vender cigarros e bebidas de origem ilícita. Denuncie!’.”

Já o vetado art. 4º dispunha: “Art. 4º O caput do art. 10 da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XLIII: ‘Art. 10. (...) XLIII - deixar de afixar advertência escrita, de forma legível e ostensiva, de que é crime vender cigarros e bebidas contrabandeadas e/ou falsificadas. Pena - advertência, interdição, cancelamento da autorização de funcionamento e/ou multa.”

Nas razões do veto, ponderou o Presidente da República, após ouvir o Ministério da Justiça e Segurança Pública: “A sobrecarga de deveres ao particular na condução da empresa pode redundar um risco ao livre exercício da atividade econômica, princípios consagrados nos artigos 170 e 171 da Constituição. Ademais, sob o prisma dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, os dispositivos estabelecem obrigação que não se mostra coerente com a lógica de desoneração que deve reger a relação do Estado para com os cidadãos.”

O art. 5º da nova lei, também vetado, dispunha o seguinte: “Art. 5º A pessoa jurídica que transportar, distribuir, armazenar ou comercializar produtos oriundos de furto, roubo, descaminho ou contrabando ou produtos falsificados perderá sua inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), assegurados o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo. Parágrafo único.  Fica vedada a concessão de novo registro no CNPJ, pelo prazo de 1 (um) a 5 (cinco) anos, à pessoa jurídica que tenha sócios ou administradores em comum com aquela pessoa jurídica que tiver perdido sua inscrição no CNPJ na forma do caput deste artigo.”

Dessa vez o veto foi baseado em argumentos do Ministério da Economia, no sentido de que: “O dispositivo possibilita a vedação de nova concessão ou a perda da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) à pessoa jurídica de forma geral e objetiva sem a observação de critérios que considerem as hipóteses de acordo com a gravidade da infração, os antecedentes e condição econômica do infrator. Desta forma, tal propositura afigura-se dissociada dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e individualização da pena preconizados pelo sistema jurídico nacional.”

Portanto, a nova lei está em vigor desde a data de sua publicação, qual seja, dia 11 de janeiro de 2019, tendo eficácia imediata, já que não se trata de norma penal, que, em caso de “novatio legis in pejus”, seria alcançada pela irretroatividade.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Figures of Justice// Foto de: Scott Robinson// Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/clearlyambiguous/2171313087

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura