A importância do instituto da delação premiada - Por Benigno Núñez Novo

28/10/2017

Delação premiada ou delação eficaz (expressão coloquial para colaboração premiada) na legislação brasileira, é um benefício legal concedido a um réu em uma ação penal que aceite colaborar na investigação criminal ou entregar seus companheiros. Esse benefício é previsto em diversas leis brasileiras: Código Penal, Leis n° 8.072/90 – Crimes hediondos e equiparados, 9.034/95 – Organizações criminosas, 7.492/86 – Crimes contra o sistema financeiro nacional, 8.137/90 – Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, 9.613/98 – Lavagem de dinheiro, 9.807/99 – Proteção a testemunhas, 8.884/94 – Infrações contra a ordem econômica e 11.343/06 – Drogas e afins.

A Colaboração está relacionada a uma ideia básica de traição. Porém, o Estado acaba por premiá-la. E porque o faz? Ora, desde tempos remotos, a história é rica em apontar a traição entre seres humanos; Ex.: Judas vendeu Cristo por 30 moedas; Joaquim Silvério dos Reis delatou Tiradentes, o levando a forca etc.

Com o passar dos anos, o que os ordenamentos jurídicos simplesmente acabaram por fazer é reconhecer que a traição é comum entre os seres humanos, e institucionalizar esta traição, como uma importante forma de se obter conhecimento sobre a prática do fato delituoso.

A colaboração premiada tem origem no direito anglo-saxão, do qual advém a expressão ¨crown witness¨ (testemunha da coroa), que fora amplamente utilizada no combate ao crime organizado e adotada com grande êxito na Itália, em prol do desmantelamento/destruição da máfia (basta lembrar as declarações prestadas por Tommaso Buscetta ao promotor italiano Giovanni Falcone).

A colaboração premiada surge no direito norte-americano, e com o passar dos anos vem sendo trazida para vários ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro.

Muitas pessoas consideram a delação premiada como se fosse um "prêmio" para o acusado que opta por delatar os comparsas e ajudar nas investigações da polícia. De acordo com a lei brasileira, o juiz pode reduzir a pena do delator entre 1/3 (um terço) e 2/3 (dois terços), caso as informações fornecidas realmente ajudem a solucionar o crime.

A delação premiada pode ser requerida pelo próprio réu, através de um pedido formal feito por seu advogado, ou sugerida pelo promotor de justiça que está investigando o processo criminal.

Caso a delação premiada seja aprovada, o delator deverá dar ao juiz informações pertinentes sobre o caso em que está envolvido. Se o juiz considerar que os dados informados pelo réu realmente importantes, consentirá um "alívio" na sua pena, como: redução da pena de um a dois terços do total; pena em regime semiaberto; anulação total da condenação; perdão pelo envolvimento no crime.

De acordo com a Lei das Organizações Criminosas, o acordo de delação premiada pode ser negociado pelo Ministério Público ou por delegados de polícia. Essa previsão sobre os delegados de polícia inclusive foi questionada em 2016 pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, que sustenta que apenas o Ministério Público tem a atribuição constitucional para celebrar esse tipo de acordo.

O acordo precisa conter, ainda segundo a Lei 12.850/2013, o relato da delação, possíveis resultados que podem decorrer dela, as condições da proposta feita pelo MP ou delegado, declaração do aceite do colaborador e seu advogado e, se necessário, medidas de proteção ao colaborador e familiares. Quem dá a palavra final sobre o acordo é o juiz, que decide se homologa ou não o acordo.

O réu que aceita a delação premiada automaticamente renuncia ao direito ao silêncio e, evidentemente, precisa dizer apenas a verdade, correndo risco de ter o acordo cancelado se omitir informações ou prestar informações falsas.

Finalmente, a lei ainda prevê alguns direitos peculiares para o delator, que existem justamente porque a delação implica na prática uma traição do delator para com os seus antigos colegas de crime. Em outras palavras, o delator é um dedo-duro – uma pessoa que naturalmente irrita os dedurados. O delator tem direito: às medidas de proteção previstas; no juízo (ou seja, em sessões de julgamento no tribunal), ser conduzido separadamente dos demais coparticipantes do(s) crime(s); a participar das sessões de forma que não precise manter nenhum contato visual com os outros acusados; a cumprir a pena em um presídio diferente dos seus ex-colegas de crime.

No entanto, caso as informações fornecidas pelo delator sejam inverídicas, o juiz pode aumentar a sua condenação e ainda processá-lo por "delação caluniosa", sendo punido com dois a oito anos de prisão por faltar com a verdade.

Hoje, no Brasil, usa-se o termo em inglês plea bargain para explicar aos estrangeiros a nossa “delação premiada”. Mas na verdade se trata de meio adotado no direito processual norte-americano pelo qual o réu, numa ação penal, se declara culpado de um crime de menor potencial ofensivo, ou de uma dentre várias acusações, em troca de algum benefício por parte do promotor, normalmente uma pena mais branda, ou a retirada das demais acusações.

O procedimento da colaboração premiada, de estrutura bilateral, está devidamente definido na Lei 12.850/2013 (Lei do Crime Organizado). Esta lei não substituiu nem fez desaparecer o modelo anterior, unilateral, não pactuado, presente em dispositivos esparsos da legislação brasileira, que continua a existir na sua feição de direito público subjetivo do acusado.

No novo regime, haverá várias etapas a vencer entre a prática do crime e o cabal cumprimento do acordo de colaboração premiada. Uma vez identificado o colaborador adequado (seleção), iniciam-se as tratativas com o seu advogado ou defensor. A iniciativa para a avença poderá partir da própria defesa. Várias reuniões de negociação ocorrerão entre o Ministério Público e a defesa, com ou sem a presença do potencial colaborador.

Uma vez acertados os tópicos de colaboração e fechado o texto do acordo, a proposta é levada ao conhecimento do juízo criminal competente, para homologação. O juiz deverá ouvir o colaborador para certificar-se de sua voluntariedade e verificar se o acordo observa o princípio da legalidade e atende ao interesse público. Só então dá-se início à execução do programa cooperativo. O colaborador pode permanecer preso ou manter-se solto durante esse período, a depender da existência, ou não, dos requisitos cautelares do art. 312 do CPP, que cuida da prisão preventiva. Um ou mais depoimentos do colaborador serão tomados na Polícia ou no Ministério Público. Diligências adicionais serão realizadas para obtenção das provas de corroboração das declarações do delator.

Proposta a ação penal contra os réus ou corréus – antigos cúmplices do colaborador – estes deverão ter ciência imediata da existência do acordo de colaboração, para pleno exercício do direito de defesa. O colaborador poderá ser ouvido em juízo como declarante, na fase da oitiva das testemunhas da acusação (se não for réu no mesmo processo), ou será interrogado ao final da instrução criminal, mas antes dos corréus delatados (se responder à mesma ação penal que seus cúmplices).

Durante a execução do acordo de colaboração, a gestão dos direitos do informante cabe à defesa, ao juízo e também ao Ministério Público, que poderá recorrer ou impetrar habeas corpus em seu favor e requerer medidas de proteção, como as previstas na Lei 9.807/1999.

Por meio desta técnica de investigação, delação premiada, num primeiro momento, o indivíduo confessa seu envolvimento na prática do crime, e na sequência fornece informações aos órgãos responsáveis pela persecução penal para atingir um dos objetivos previstos em lei (objetivos estes que podem ser diversos, tais como: *localização da vítima; *localização do produto do crime; *identificação dos demais integrantes; *desmantelamento da organização criminosa etc).

Ao confessar, simplesmente se admite a veracidade da imputação que recai sobre si; Ex.: respondendo a um processo por furto, durante o interrogatório o réu diz que, de fato, subtraiu coisa alheia móvel. Já a Colaboração Premiada é um algo a mais de uma simples confissão, de maneira a confissão da prática do fato delituoso não é o bastante para sua configuração, tendo também que fornecer informações suficientes a atingir um dos objetivos previstos em lei, e, em contrapartida, se recebe determinado prêmio legal.

No entanto, atualmente, o ideal, no sentido da doutrina e jurisprudência majoritárias, é admitir a validade da Colaboração premiada. Entendem os Tribunais ser a Colaboração premiada totalmente válida sob os termos da ética e da moral. E isso porque, primeiramente, o Estado não consegue quebrar o silêncio mafioso sem a colaboração do informante. E, além disso, é no mínimo contraditório falar em ética de criminosos (Como se poderia falar em ética se a conduta do criminoso é absolutamente antiética?!). Portanto, apesar de funcionar como modalidade de traição institucionalizada, trata-se de um instituto de capital importância no combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso, além de beneficiar o acusado colaborador. E, de mais a mais, é no mínimo contraditório falar em ética de criminosos.

Portanto, para fins de colaboração, esta apenas deverá ser voluntária. Algo espontâneo é quando a ideia parte da própria pessoa – isso não é necessário para a Colaboração, sendo importante, apenas que ela seja voluntária (não forçada), ou seja, a ideia não necessariamente deverá partir do agente, podendo ele ser convencido por outra pessoa a colaborar com o Estado; Ex.: Se o delegado ou promotor propor a colaboração ao agente e este aceitar, esta colaboração não foi espontânea, porém, não importa, vez que foi voluntária.

O benefício é concedido ao delator pelo juiz, a pedido da defesa ou do Ministério Público.  O tipo de benefício dependerá do valor das informações prestadas, assim como da comprovação da veracidade delas. Quanto mais útil e relevante a delação for para as investigações, maiores as chances de o réu receber perdão judicial ou não ser denunciado por novos crimes, se já responder a processo.

Não há prazo determinado para a coleta de depoimentos, já que o término da delação depende do volume das informações fornecidas.

Depois que terminam os depoimentos, Ministério Público, delegado de polícia e defesa do delator firmam o termo final do acordo de colaboração. O documento, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação. Antes de validar o acordo, o magistrado terá que verificar a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo. Se julgar necessário, o juiz poderá ouvir “sigilosamente” o colaborador, na presença do advogado.

O sigilo da delação premiada só termina depois do fim das investigações, quando a Justiça aceitar denúncia contra os integrantes da organização criminosa delatados nos depoimentos. A legislação determina que, após a homologação do acordo e durante todo o inquérito, as informações da delação fiquem restritas ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, “como forma de garantir o êxito das investigações”.

Constantemente vemos na mídia diversos políticos sendo mencionados em acordos de delação premiada sem que sofram nenhuma consequência concreta. Por isso, muita gente se pergunta por que estas pessoas mencionadas não são imediatamente condenadas.

Ocorre que o conteúdo da delação deve ser investigado, a fim de verificar se o delator está falando com a verdade e se suas alegações estão corroboradas por provas — o que, evidentemente, leva algum tempo. Apenas depois dessa investigação e de um eventual processo criminal é que os citados na delação poderão sofrer as consequências criminais.

Anular uma delação não invalida as provas. A lei sobre organização criminosa dispõe que na eventualidade de revisão do acordo de colaboração ainda que o faça a imputável ao agente colaborador em havendo a rescisão as provas coligidas a partir do depoimento delas, em relação a terceiros, aos delatados, são válidas, exceto se configurar alguma situação prevista na legislação comum que as torne insuscetíveis de qualquer eficácia jurídica. O instrumento da delação é meio de obtenção de prova. É meio legitimo de obtenção de prova e tem se mostrado bastante eficaz. Situações eventualmente anômalas que possam ocorrer, são excepcionais. Eventuais acidentes de percurso jamais irão comprometer a eficácia e a grande utilidade que é o instituto da delação premiada.

A delação premiada pode ser muito útil para a investigação de crimes complexos, com uma grande estrutura hierarquizada de poder; entretanto, ela não é imune a críticas.

Muitos estudiosos não aprovam o instituto, sob o argumento de que o Estado estaria incentivando um tipo de conduta contrário à ética, qual seja, a traição. Argumentam, também, que a delação seria uma forma de o Poder Público “barganhar” com um criminoso, o que se trataria de uma conduta inadequada. Por fim, ainda há a questão de que o teor das delações está sendo tratado como verdade absoluta pela mídia, o que faz com que as pessoas ali mencionadas sejam imediatamente condenadas pela opinião pública.

Apesar das críticas, é possível perceber que sem esse recurso, inúmeras organizações criminosas continuariam atuando sem que o Estado descobrisse elementos essenciais para a sua desmantelação. Este instituto não deve ser banalizado ou posto em cheque devido a sua histórica e eficiente contribuição na elucidação de crimes. Trata-se de instrumento forte e eficaz para o combate a crimes graves, que reforça técnicas especiais, quando e desde que legitimas, como a interceptação telefônica e telemática, a escuta ambiental e a ação controlada, e os métodos tradicionais de investigação, a exemplo de buscas e quebras de sigilo.

Na realidade, com o crescimento da delação, principalmente no meio político, os grandes escritórios de advocacia, perdem um enorme filão de protelação de possíveis condenações de seus clientes, onde conseguiam muitas vezes, levar até mesmo a prescrição do crime, sem que houvesse o julgamento do seu cliente.

Em pleno século XXI, com a tecnologia cada vez mais evoluída, respeitando-se as teses contrárias, fácil é corroborar com a aplicação de um instrumento que permite aos aplicadores do direito a localização de provas concretas, documentais e periciais, referente a crimes graves como a apropriação indébita do erário, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilhas e outras organizações criminosas.

É um importante instrumento de investigação, mas tem limites que devem ser observados para que não se transforme em um dispositivo de arbítrio, vingança ou injustiça. Por isso, para usar e noticiar a colaboração, é necessário conhecer sua natureza e limites. Em primeiro lugar, deve ficar claro que delação premiada não é prova, mas meio de obtenção de prova. São coisas distintas.

A prova é capaz de sustentar uma acusação ou uma condenação. O meio é apenas um instrumento para que as autoridades possam alcançar provas efetivas. As palavras do delator não demonstram fatos. Apenas indicam onde pode ser encontrado o material que comprove o ocorrido.

O colaborador não é isento. É um investigado, confessadamente envolvido na prática delitiva, que sofrerá os efeitos da condenação -ainda que de forma mais branda- e pode ter interesse em fazer prevalecer uma versão distorcida do ocorrido, seja para proteger alguém, seja para obter mais benefícios. No jargão jornalístico, é uma fonte não confiável, cujas informações devem ser checadas antes da publicação.

A colaboração premiada é importante, desde que não se perca a perspectiva de que se trata de um depoimento parcial, válido apenas se acompanhado de elementos materiais de prova, como e-mails, comprovantes de pagamento, gravações.

Determinar a prisão, a busca e apreensão ou a condenação com base exclusiva em depoimentos de colaboradores é desconhecer a lei, a natureza do instituto e as más experiências estrangeiras. A delação premiada é importante para a investigação criminal, mas deve ser usada com a devida cautela. Compreender o caráter probatório precário e as fragilidades é um primeiro passo para o manejo responsável do instituto, evitando-se que sua distorção enseje injustiças, tanto na seara jurídica quando sob um prisma jornalístico.

Esse instrumento ajuda a justiça a encontrar outros indivíduos que também incorreram em ilícitos penais, e que na ausência da delação premiada dificilmente seriam conhecidos e condenados. A delação premiada, apenas poderá ser considerada válida e eficaz, como instrumento probatório, se preencher os requisitos da voluntariedade, o ato for praticado na presença do defensor e do Ministério Público, e as informações trazidas pelo delator efetivamente contribuam preventivamente, para evitar o cometimento de outros crimes e, repressivamente, auxilie concretamente a polícia e o Ministério Público nas suas atividades de recolher provas contra os demais corréus, possibilitando suas prisões.

A tendência do moderno processo penal, caminha para a consagração do instituto da colaboração premiada, na apuração e combate da criminalidade organizada, através da criação de mecanismos complexos, nos quais a investigação criminal e a coerção processual formam um todo contínuo dirigido a incentivar o investigado, o processado e o condenado a colaborar com a acusação, não há dúvidas de que a colaboração processual pode trazer extraordinários benefícios às investigações criminais, em relação ao crime organizado, desde que observados os princípios constitucionais e os preceitos legais do nosso ordenamento jurídico.               

Notas e Referências: 

CUNHA, Rogério Sanches. Colaboração Premiada – Comentários à nova lei sobre o Crime Organizado – Lei nº 12.850/2013 – Ed. Jus Podium, 2ª Edição, 2014. 

GRECO FILHO, Vicente. Comentários à Lei de Organização Criminosa – Lei nº12.850/13 – Vicente Greco Filho. – São Paulo: Saraiva, 2014. 

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal – Volume Único, 2ª Edição,3ª Tiragem, Salvador, 2014. 

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 8ªEd. Rio de Janeiro: Forense, 2014. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 

Decreto nº 5.105, de 12 de março de 2004. 

Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 

Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. 

Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. 

Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. 

Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. 

Lei nº 9.080, de 19 de julho de 1995. 

Lei nº 9.269, de 2 de abril de 1996. 

Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. 

Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999. 

Lei nº 10.149, de 21 de dezembro de 2000. 

Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. 

Lei n° 12.529, de 30 de novembro de 2011. 

Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012.  

Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013.

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