A IMPORTÂNCIA DE NAPOLEÃO PARA O DIREITO BRASILEIRO

01/11/2019

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

O imperador Napoleão Bonaparte foi um líder político com grande destaque na Revolução Francesa, assumindo o poder após a queda da Monarquia. Até hoje, são conhecidas as batalhas nas quais ele foi vitorioso, assim como é famosa a chamada Batalha de Waterloo, na qual ele foi derrotado, em junho de 1815, terminando com o seu governo. Após a sua queda, Napoleão passou os últimos seis anos de sua vida confinado na Ilha de Santa Helena. Embora muitos digam que ele morreu de câncer no estômago, existem suspeitas no sentido de que ele tenha sido envenenado.

Qual é a importância de Napoleão Bonaparte para o Direito brasileiro?

O Direito, para muitos países, é o único mecanismo através do qual é possível solucionar os conflitos de interesses. É certo que alguns países estabelecem outras maneiras de enfrentar tais conflitos. Também é certo que alguns países buscam se afastar ao máximo do Direito e, por consequência, dos tribunais, uma vez que a acreditam que as pessoas devem ter civilidade suficiente para dialogar, demonstrar os seus pontos de vista e solucionar as suas questões. Sempre é bom lembrar que, em geral, os países do Extremo Oriente, como o Japão, por exemplo, consideram um desonra o ingresso em juízo.

Respeitadas essas particularidades e não perdendo de vista o fato de existirem países com características muito específicas que merecem respeito, a verdade é que existem dois grandes sistemas do Direito que devem ser considerados: o civil law e o common law.

Sabendo que o Brasil adere ao sistema civil law, é preciso lembrar que o referido sistema tem raízes no Direito da Roma antiga e que, a partir de então, tem sido estudado e se desenvolvido nas universidades da Europa Continental, espalhando-se para os países que sofreram a sua influência.

Nesse sentido, vale mencionar que a criação da família civil law ocorreu nos séculos XII e XIII, no ocidente europeu, por conta do renascimento que se manifestou em vários planos, inclusive no plano jurídico.

Isso porque, com o renascimento das cidades e do comércio, foi necessário o prestígio ao Direito porquanto era imprescindível a existência de algum mecanismo capaz de assegurar a ordem e a segurança fundamentais ao progresso, razão pela qual o Direito passou a ser ensinado nas universidades da Europa

Foi nesse período compreendido entre os séculos XII e XIII que surgiram as primeiras universidades, como, por exemplo, a Universidade de Bolonha, em 1190, a Universidade de Oxford, em 1214, e a Universidade de Paris, em 1215.

O renascimento dos estudos do Direito romano teve o fundamental papel de restabelecer o sentimento que destaca a sua importância para assegurar o progresso da sociedade, sendo este o principal fenômeno que marca o nascimento da família civil law.

O Direito romano estudado àquela época tinha, basicamente, duas fontes, quais sejam, as Institutas, escritas por Gaio, e as compilações feitas pelo imperador Justiniano.

Cabe salientar que a obra do jurista Gaio é uma das principais fontes das compilações de textos jurídicos realizadas no século VI e que passaram a ser conhecidas, a partir do século XVI, como Corpus Iuris Civilis.

De seu lado, Justiniano tem fundamental importância para o Direito porque empreendeu um importante trabalho legislativo e de recompilação jurídica, organizando o trabalho dos juristas que elaborariam o chamado Corpus Iuris Civilis.

Nos países que vieram a compor a família civil law, foram as Institutas de Gaio, que se referem ao século II, e as compilações de Justiniano, que se referem ao século VI, que inspiraram as universidades surgidas nos séculos XII e XIII, época em que o Direito voltou a ter prestígio para solucionar os conflitos de interesses. 

As universidades, inspiradas pelo Direito romano, durante seis séculos, passaram a ensinar um Direito apresentado como modelo de justiça, convencidas da sua excelência e da necessidade de afastamento dos Direitos locais.

O passo seguinte foi a chamada “codificação”, capaz de expor através de uma maneira metódica o Direito que convém à sociedade moderna e que, por consequência, deve ser aplicado pelos tribunais.

Registre-se que, não obstante a sua importância, as compilações de Justiniano careciam de certa organização, de modo que, embora servissem de inspiração, era fundamental o uso de uma metodologia, sem a qual dificilmente o Direito ensinado nas universidades ganharia a expressão que logrou.

Para que a codificação respondesse a esta ambição e para que fosse coroada de êxito, eram necessárias duas condições. Por um lado, era necessário que ela fosse a obra de um soberano esclarecido, desejoso de consagrar – mesmo em detrimento dos privilégios da antiga ordem – os novos princípios de justiça, de liberdade e de dignidade do indivíduo. Por outro, era preciso que a nova compilação fosse estabelecida num grande país, exercendo sobre os outros um influência à qual eles não saberiam esquivar-se.

Nesse sentido, o cenário perfeito para o fenômeno da codificação foi encontrado na França, sobretudo porque a Revolução Francesa de 1789, sendo o ponto alto do culto à razão, inspirada pelos princípios de Liberté, Egalité et Fraternité, criou um cenário propício ao surgimento de um novo momento.

Foi nesse contexto que houve a promulgação do Código Civil francês, em 1804.

É importante lembrar que, no século XVIII, às vésperas da Revolução Francesa, não havia sequer uma unidade jurídica no campo do Direito Civil, sendo certo que o fato de os costumes regionais estarem reduzidos a escrito àquela época não os conferiu unidade, mas sim ressaltou as suas diferenças.

Napoleão tinha a consciência da importância da unificação do Direito Privado, tanto que se empenhou com firmeza para a elaboração do Código Civil francês, nomeando uma comissão para a sua confecção, tão logo assumiu o poder.

Aliás, há uma curiosidade que envolve os nomes conferidos ao Código Civil francês ao longo do tempo. É que, no dia 31 de março de 1804, foi promulgado o Code Civil des Français. Ocorre que pouco depois, no dia 18 de maio de 1804, Napoleão Bonaparte foi proclamado imperador, adotando o nome de Napoleão I. No dia 3 de setembro de 1807, foi determinada uma segunda edição do Código Civil francês em razão da transformação da França de consulado em império. Na referida segunda edição, o nome foi alterado para Code Napoléon. Com a queda de Napoleão e a restauração da monarquia, foi determinada uma nova edição do Código Civil francês, em 1816, voltando a ser utilizado o seu nome original, qual seja, Code Civil des Français. Todavia, por decreto imperial de 27 de março de 1852, o sobrinho de Napoleão Bonaparte, ou seja, Napoleão III, restaurou o nome Code Napoléon. O referido decreto nunca foi revogado formalmente, mas, desde 1870, com o desaparecimento do segundo império e com a proclamação da terceira república, o uso cotidiano e legislativo consagrou a denominação Code Civil, como ele é até hoje conhecido.

Tantas mudanças na nomenclatura de um código cuja importância para o mundo jurídico é inquestionável, ora para homenageá-lo, ora em sentido contrário, apenas confirma a marca que Napoleão Bonaparte deixou na história.

Sob o ponto de vista estrutural, o Código Civil francês manteve a mesma estrutura das Institutas de Justiniano, as quais seguem a estrutura das Institutas de Gaio, sendo dividido em três livros. O primeiro livro trata das pessoas. O segundo livro trata dos bens e das diferentes modificações da propriedade. O terceiro livro trata das diferentes maneiras pelas quais se adquire a propriedade. Não custa registrar que o Código Civil francês tem 2281 artigos.

Portanto, diante da expansão do Código Civil francês e tendo o Brasil aderido ao sistema civil law, é inegável a importância de Napoleão Bonaparte para o Direito brasileiro, diante da influência que o mencionado diploma, ainda hoje, exerce no nosso país.

É certo que também recebemos outras influências igualmente significativas, como o Burgerlichesgesetzbuch ou BGB alemão, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1900, mas isso é assunto para outras colunas.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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