A importância da Escuta Especializada no acolhimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência

21/07/2020

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Rêgo, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Vivian Degann

A violência e∕ ou abuso sexual cometido contra crianças e adolescentes deixou de ser um tabu ou algo distante da realidade de muitos. Todos os dias, tomamos conhecimento de casos ocorridos em todo o território nacional, independente da classe social, localidade, nível educacional, cor ou sexo.

Mediante isto, é necessário capacitar todos que entrarão em contato com essa criança e adolescente vítima de abuso; visando captar o máximo de informações possíveis, humanizando o atendimento e o acolhimento; e evitando que a mesma reviva o abuso, o trauma, a sensação de medo e impotência sentidas no ato do abuso. Logo, a rede de proteção e garantia de direitos, composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais, policiais, educadores, advogados, defensores públicos, e conselheiros tutelares, devem estar preparados para receber e atender essa criança e adolescente. A Doutrina da Proteção Integral a crianças e adolescentes é disposta na Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), especialmente em seu art. 4.º, o qual deve ser seguido e cumprido, entretanto, nossa realidade se mostra falha e indiferente.

Indubitavelmente, a prioridade absoluta à assistência e garantia de direitos básicos a toda criança ou adolescente é essencial e indispensável, gerindo garantias como: o direito à vida, à dignidade, à liberdade, à educação e cultura, à saúde, à alimentação, ao esporte e lazer, ao conhecimento profissionalizante ou técnico, ao convívio familiar  e social. Isto é, toda criança e adolescente tem o direito a crescer livre de sofrimentos e dessabores das dores e dificuldades familiares. As violências sofridas por essas crianças e adolescentes são o reflexo do desequilíbrio emocional∕ afetivo, psicológico, educacional, social, religioso e financeiro dos pais e∕ ou responsáveis. E se a sociedade não consegue intervir preventivamente, deve então assegurar o melhor atendimento e colhimento que essa criança ou adolescente pode receber.

O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGDCA), com o intuito de assegurar o cumprimento do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), rege a proteção e dignidade de todas as crianças e adolescente.

A Lei nº 13.431, de 04 de abril de 2017 estabelece o Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente vítima ou testemunha de violência, alterando assim o ECA.

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:

I - violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico;

II - violência psicológica:

a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional;

b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este;

c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha;

III - violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:

a) abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro;

b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico;

c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação;

IV - violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização.

§1º Para os efeitos desta Lei, a criança e o adolescente serão ouvidos sobre a situação de violência por meio de escuta especializada e depoimento especial.

§2º Os órgãos de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça adotarão os procedimentos necessários por ocasião da revelação espontânea da violência.

 

Entendemos como condutas criminosas, e tipos formas de violência:

Toda violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico; violência psicológica incluindo qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática ( bullying ) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional;

assim como o ato de alienação parental; e qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio; a violência sexual; o tráfico de pessoas;  a violência institucional.

Ou seja, para os efeitos desta Lei, toda criança e o adolescente serão ouvidos sobre a situação de violência por meio de escuta especializada e depoimento especial.

Assistidos pelos órgãos de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça adotarão os procedimentos necessários por ocasião da revelação espontânea da violência

Toda criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência ou abuso deve receber atendimento prioritário, digno e abrangente, correspondente a sua idade, condições físicas e∕ ou demais necessidades que a mesma apresente. Ter sua intimidade e condições pessoais protegidas quando vítima ou testemunha de violência. De não ser discriminado, independente da sua classe, sexo, raça, etnia, condição financeira, nível educacional, idade, religião ou nacionalidade.

Aqueles merecem ser ouvido sem julgamentos, interferências ou coações, lhe dando a oportunidade de expressar seus desejos e opiniões, assim como permanecer em silêncio, através da Escuta Especializada e Depoimento Especial, garantindo-se o recebimento e o atendimento qualificado psicossocial e jurídico especializado, o qual servirá como intermediário entre o juiz e a vítima, resgatando informações pertinentes ao caso, ressaltando o atendimento humanizado que evite que a vítima reviva o ato violento sofrido ou testemunhado. Este atendimento realizado por psicólogos, assistentes sociais, policiais, e corpo jurídico prioriza a celeridade, e idoneidade do processo investigativo, para elucidar o caso em questão.

Caso seus direitos sejam violados, devem ser reparados, quanto a sua assistência e proteção, estimulando e garantindo a convivência familiar e comunitária. Ressaltamos, ainda, a garantia de que todas as informações prestadas pela criança ou adolescente vítima de violência deve ser mantida em segredo de justiça, salvo para fins de assistência à saúde e de persecução penal. O planejamento no caso de depoimento especial, será realizado entre os profissionais especializados. A criança e o adolescente vítima ou testemunha de violência têm direito a pleitear, por meio de seu representante legal, medidas protetivas contra o autor da violência.

O Depoimento Especial é a oitiva da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência, perante a autoridade policial ou judiciaria, de caráter meramente investigativo. Nesse procedimento é garantido que a criança ou adolescente vítima não terá nenhum contato (visual ou presencial), com o suposto autor do acusado, ou com terceiros que representem ameaça, coação ou constrangimento.

Tanto a Escuta Especializada, quanto o Depoimento Especial, recomenda-se que sejam realizados em local apropriado, que garanta a privacidade. A Escuta Especializada necessita ser realizada uma única vez, para composição de provas judiciais, conforme arguido pelos advogados e pessoa do juiz, e direcionado ao grupo de especialistas que assistem a criança ou adolescente vítima de abuso, onde esses especialistas usaram técnicas e meios para fazer a vítima responder sem causar traumas ou reviver a violência, em um local preparado para acolher e relaxar a criança ou adolescente.

Ressaltamos que o depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado. O depoimento especial seguirá o rito cautelar de antecipação de prova: garantindo que a criança ou o adolescente tiver menos de 7 (sete) anos, nos casos de violência sexual. Onde não será admitida a tomada de novo depoimento especial, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a concordância da vítima ou da testemunha, ou de seu representante legal.

O depoimento especial dar-se-á por profissionais especializados que esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem tomados a seguir. É assegurada à criança ou ao adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos; no decorrer  do processo judicial, o depoimento especial será transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo; findo o procedimento previsto no inciso II deste artigo, o juiz, após consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará a pertinência de perguntas complementares, organizadas em bloco; os profissionais especializados que fazem esse atendimento poderão adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente;

Tendo seu depoimento especial gravado em áudio e vídeo. É possível ainda, que a vítima ou testemunha de violência possa prestar depoimento diretamente ao juiz. Serão tomadas todas as medidas para preservar a intimidade e à privacidade da vítima ou testemunha. Caso haja ameaça ou risco, serão tomadas medidas protetivas à vítima ou testemunha. O depoimento especial tramitará em segredo de justiça.

Para o Juiz de Direito do Mato Grosso do Sul e Vice-presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Fernando Moreira, o objetivo da escuta especializada é a proteção da criança e do adolescente, e não colheita de provas para eventual procedimento criminal, razão pela qual as perguntas devem se limitar ao necessário para garantir proteção e cuidados ao infante. Por isso, ele destaca que não se deve confundir a escuta especializada com o depoimento especial, realizado perante a autoridade policial ou judiciária, com a finalidade de produzir provas para o processo. 

“Em ambas as modalidades, frisa-se a necessidade de preparo do profissional que conduzirá a oitiva de modo a receber formação quanto à maneira correta para acolher o depoimento, formular as perguntas em linguagem simples e evitar atos de revitimização”.

Recursos e profissionais assim trazem uma luz ao acolhimento e cuidado com essas crianças e adolescentes, e resgatam a humanidade e a empatia que essas eles merecem e necessitam. Que possamos, enquanto sociedade garantir-lhes, que seus direitos a dignidade, segurança e vida, sejam garantidos e mantidos, lutar e assistir aqueles que não conseguem ou não podem se defender.

 

Notas e Referências

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm em 03∕07∕2020 às 20:03;

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13431.htm em 04∕07∕2020 às 19:25;

http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/infanciahome_c/LIVRO_ESCUTA_PROTEGIDA-1_1.pdf em 04∕07∕2020 às 18:49;

https://www.gesuas.com.br/blog/lei-da-escuta-protegida/ em 04∕07∕2020 às 21:32;

http://www.ibdfam.org.br/noticias/6837/+Decreto+que+estabelece+procedimentos+para+escuta+de+crian%C3%A7as+e+adolescentes+%C3%A9+promulgado em 07∕07∕2020 às 22:49;

Imagem: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/escuta-especializada-x-depoimento-especial em 08∕07∕2020 às 22:56.

 

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