A (im)possibilidade de decretação da prisão preventiva fundamentada na garantia da ordem pública

26/01/2016

Por João de Castro Souza - 26/01/2016

Na antiguidade o processo penal desconhecia a pena de prisão como uma resposta ao delito cometido. Porém, ao longo do tempo os delitos foram aumentando e a sociedade clamava por uma resposta mais rígida. Foi nesse interstício que nasceu a pena privativa de liberdade, visando dar maior efetividade ao controle dos crimes que vinham sendo cometidos. Outra ideia deste tipo de sanção era dar mais humanidade a pena, haja vista a superação do conceito taliônico da mesma.

Pois bem, naquele tempo, não se pensava em punir (com a prisão) a pessoa acusada de praticar determinado delito. Prendia-se sim, porém, com o escopo de custodiar o indivíduo até a sua sentença e, consequentemente, sua execução. Grande é a semelhança com os dias atuais, pois, após o cometimento do delito, o acusado se vê, na grande maioria dos casos, custodiado até a prolação de sua sentença e sua consequente execução. Isso se dá por meio das chamadas prisões cautelares.

A prisão preventiva é espécie do gênero prisão cautelar. Não tem prazo de duração e para que ocorra sua decretação devem ser observados os fundamentos expressos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Entre eles, a garantia da ordem pública, que será analisado neste artigo. Vale ressaltar que a prisão cautelar preventiva tem o condão de “proteger” o processo. Portanto, seu uso para cercear a liberdade de um cidadão, quando não evidenciada a efetiva proteção no curso do processo, é inconstitucional.

Para a decretação da prisão preventiva, bem como da temporária, pouco importa os altos índices de violência que assustam a sociedade. Nesses casos, compete ao Estado, por meio das políticas publicas de prevenção ao crime adotar determinadas medidas com o intuito de evitar o cometimento dos crimes. Porém, se isso não ocorre, não pode o Poder Judiciário se valer da prisão preventiva e, movido pelo sentimento de indignação pelo cometimento de um crime, prender o acusado. Não é essa a finalidade da prisão cautelar preventiva.

As medidas cautelares diversas da prisão deve(riam) ter preferência quando confrontada com a prisão cautelar. Uma vez preenchidos os requisitos (fumus commissi delicti e periculum libertatis) o juiz deve(ria), preferencialmente, aplicar as medidas previstas no artigo 319.

O que se vê é a substituição da prisão, após ser decretada, pelas medidas cautelares diversas da prisão. No entanto, não é essa a lógica a ser seguida. É justamente o contrário. Primeiro as medidas diversas da prisão e, depois, caso seja necessário e adequado, estando ainda presentes os requisitos autorizadores (fumus commissi delicti e periculum libertatis) a decretação da prisão.

Não existe na doutrina um conceito certo e determinado do que seria a tal ordem pública, porém, esse fundamento é bastante utilizado nas decretações de prisões cautelares em todo país.

Essa pluralidade conceitual da expressão ordem pública, na verdade, se faz concluir por uma falta de conceito. Não existe, portanto, “uma roupagem” ideal para “vestir” a expressão, porém, os conceitos mais utilizados são:

Credibilidade das instituições.

Cabe primeiramente esclarecer de quais instituições está se referindo. Trata-se do poder judiciário. Se utilizando de tal fundamento, prende o individuo sob a alegação de que será restabelecida a credibilidade das instituições. Conclui-se, portanto, que não cabe à prisão cautelar preventiva a função de dar crédito às instituições (Poder Judiciário), sendo, então, incabível tal fundamentação.

A tranquilidade social:

Por tranquilidade social, para fins de decretação da prisão cautelar preventiva, entende-se a paz social, a normalidade em que se vive a sociedade. Essa normalidade estaria abalada se o réu permanecesse em liberdade. Ao Poder Judiciário cabe solucionar o conflito que a ele é levado. No caso do direito criminal, ocorre um delito, o suposto autor é levado a um Juiz de Direito, regularmente investido na função, que irá julgá-lo após todo o trâmite processual legal previsto na legislação vigente.

Na verdade, a função de manter a paz e tranquilidade social é do Estado, enquanto Administração Pública, por meio de suas politicas públicas. Portanto, não há que se falar em prender o cidadão para manter a paz social, haja vista que esta deve ser mantida, independentemente da decretação da prisão cautelar preventiva alheia.

O clamor público:

Não é estranho se ver nos noticiários brasileiros a revolta da população quando do acontecimento de um crime. Diariamente os sensacionalistas de plantão fazem discursos meramente alienatórios e levam a população a clamar por “justiça”. A justiça que se clama é a desconsideração dos direitos e garantias fundamentais em prol de uma prisão arbitrária e sem fundamento. Ademais, a sociedade em geral pressiona os órgãos do poder judiciário por uma resposta rápida ao crime ora cometido. Nesse contexto, o clamor público é utilizado para cercear a liberdade do individuo. No atual sistema processual penal democrático brasileiro, não se deve admitir que a pressão pública e midiática acarrete a prisão (cautelar preventiva) do acusado.

A gravidade do crime:

Sabe-se que, em regra, a prisão cautelar preventiva é cabível nos crimes suja pena máxima privativa de liberdade cominada seja superior a quatro anos. No entanto, o quantum da pena não deve ser determinante para o uso da prisão. Já se usou a gravidade do delito, principalmente antes da Constituição de 1988, como motivo para a decretação da prisão preventiva. Atualmente, nos casos de crimes graves, principalmente os hediondos, ainda se busca a prisão do individuo com base nas circunstâncias gravosas em que o crime é cometido. Trata-se de uma verdadeira antecipação da pena. Ora, se a prisão é medida cautelar, e é usada para prender quando o delito for muito grave, fica claro o seu abuso e desproporcionalidade, tendo em vista a sua finalidade e os princípios constitucionais norteadores do processo penal brasileiro.

A reiteração delituosa:

Nesse ponto, talvez, a maior crítica do uso da expressão “ordem pública”. Até porque, acredita-se que é o mais utilizado.

O próprio Código de Processo penal dá ensejo a essa interpretação, no seu artigo 282, I, in verbis:

“Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. (grifo nosso)”

Destarte, considerando o fato de constar expressamente que as medidas cautelares visam evitar a prática de infrações penais, se usa a ordem pública sob o fundamento de que o individuo deve ter sua liberdade cerceada para que não venha a cometer novos delitos. Na atual conjuntura processual-constitucional vigente no Brasil, não há subsídios para prender um indivíduo sob a alegação de que, solto, este permanecerá a cometer crimes. É fato que também não há como comprovar que ele não os cometerá. Porém, a única presunção que a Constituição permite que seja feita é a de inocência (ou não culpabilidade).

Em que pese à aceitação no direito comparado, no Brasil tal argumento não deve prevalecer. É totalmente desprovido de qualquer fundamento jurídico, cercear a liberdade do cidadão sob a alegação de risco de reiteração delituosa. Em tese, todos têm potencial para o cometimento de crimes, portanto, o risco de o individuo cometer um crime, após já ter cometido outro, não é o bastante para cercear sua liberdade. Ademais, não cabe à prisão cautelar preventiva discutir essa possibilidade de reiteração de delitos, haja vista o seu caráter unicamente cautelar.


João de Castro Souza. . João de Castro Souza é Bacharel em Direito pela Faculdade Sete de Setembro. E-mail: joaoo.93@hotmail.com . .


Imagem Ilustrativa do Post: If plastic toys could speak: A series in terror // Foto de: Kevin Dooley // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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