A IDEOLOGIA ESTÉTICA DA SUSTENTABILIDADE CONTRA A ESTÉTICA DA CONVIVÊNCIA: UMA PERCEPÇÃO JURÍDICA

19/04/2018

A Sustentabilidade, segundo a sua matriz ecológica, propõe uma visão integral do viver e conviver. Essa é uma daquelas obviedades de nosso tempo, na qual, de tão óbvio, parece que seu sentido existencial já está claro para todos. Não existe mais nenhum segredo a ser des-coberto. As inovações são “sustentáveis”, a econômica estabelece parâmetros para ser – mais e mais – “sustentável”, a relação entre o Humano e a Natureza, aos poucos, melhora a partir de coletas de lixo seletiva e mecanismos semelhantes para tornar a vida mais “sustentável”. Há uma obrigação moral das presentes gerações legar a integralidade da cadeia vital para que as futuras gerações possam usufruir de seus benefícios. Sinceramente, esse discurso parece velho demais para o tempo de hoje. Por que esse qualitativo “sustentável” parece falso, abstrato demais para que haja uma práxis coerente com uma ecologia integral[1] entre todas as formas de vida.

Deve-se refletir mais profundamente sobre o tema. Por que há a necessidade de ser “sustentável” em detrimento aos excessos nada éticos do Humano contra a Natureza? O que nos impele a essa condição? Se formos observar essas perguntas sob o ângulo utilitarista, se trata da sobrevivência da espécie humana, ou seja, de assegurar seu máximo prazer, sua máxima felicidade. O mundo natural pode desaparecer, já que o a Razão é capaz de trazer as principais respostas ao avanço civilizacional e proporcionar o maior grau de satisfação pessoal ao maior numero de pessoas. Se, no entanto, formos entender o que significar essa busca pela Sustentabilidade global a partir da Razão Instrumental a equação será simples: quais são os meios que podem cumprir, em menos tempo, as finalidades desse estilo de vida mais sustentável. Não importa se não existir um vínculo axiológico ou operativo entre meios e fins, desde que se consiga estabelecer uma “vida sustentável para todos”, afinal, a Pós-Modernidade é o lócus, por excelência, de uma relativização dos valores.

Esse argumento é, no mínimo, tendencioso. A postura adotada pela Pós-Modernidade é de indagação, de questionamento, o que provoca, como consequência, a ambiguidade, a insegurança de nossos tempos. Essa atitude mais crítica em relação às promessas da Modernidade jamais pôs termo a esse período histórico, ao contrário, evidencia tão somente suas falhas, seu alcance, sua incompletude no decorrer do tempo. Não se observou, em nenhum lugar do mundo, a abdicação da Liberdade, a supressão da Igualdade, o esmaecimento da Fraternidade, da Ética e da Justiça. O que se percebe, contudo, é como a racionalidade de uma consciência coletiva global entende esses conteúdos na vida de todos os dias e, especialmente, além das fronteiras relacionais entre os seres humanos.

A imagem da Sustentabilidade, a sua lógica estética, é uma ideologia que vende...e muito bem por sinal. Não queremos “ser sustentáveis”, mas apenas ter uma vida longa, serena, sadia, não importa o seu preço (Razão Instrumental). Ideologias não mudam o entorno existencial e a pluralidade das relações ali estabelecidas, ao contrário, essas têm a capacidade de se reinventar, de sobreviver em territórios mais inóspitos – como foi o caso das cianobactérias - e gerar outras formas (parasitárias) de compreensão nesse ir e vir entre humanos e seus semelhantes, bem como desses com a Natureza[2].

Nesse caso, a ideologia estética da Sustentabilidade não se torna vetor de integração, de aproximação entre diferentes seres da cadeia vital, ao contrário, cria apenas novos nichos mercantis, cujas consequências são visíveis em todos os lugares: na dimensão social, o domínio da Natureza emprega um status entre as classes sociais. Quanto maior a ascensão, maior é a possibilidade de seus filhos terem contato com um “mundo natural intocado”, desde que esteja no interior dos condomínios fechados. Na dimensão política, Sustentabilidade é moeda de troca. No Brasil, cria-se a imagem do “Agro é tudo” – tente pensar nessa frase sem se lembrar da Globo. Na agricultura, diferente de outros países sul-americanos, o sentido dessa atividade é exclusivamente monetário, por um lado, e de uso como poder político, de outro. Todos querem produtos orgânicos, mas qual o seu preço? Todos querem comida na mesa, mas o alcance desse objetivo depende da invisibilidade dos agrotóxicos utilizados. A bancada ruralista brasileira enxerga a Sustentabilidade como simples negócio. Essa é a ideologia no qual deve prevalecer. Na dimensão ambiental, nada é articulado em prol dos Bens Comuns globais. Tudo pertence, territorialmente, aos Estados-nações. Se o Estado vizinho passa fome ou não tem acesso a água potável, a Sustentabilidade deixa de promover um sentido integrados estético para ser tão somente uma ideologia estética, ou seja, se no país vizinho percebe-se o esgotamento do mundo natural, ele que se articule conosco e obtenha, pelas vias do mercado, o que lhes falta. Engraçado: Mel Brooks em 1987 já evidenciava esse fato no filme S.O.S – tem um louco solto no espaço. O personagem vivido por Brooks – Presidente Skroob – é o governante do planeta Spaceball que atingiu todos índices de alta modernização, o que faz com que o planeta tenha escassez de oxigênio. Por esse motivo, decide invadir o planeta Druidia, com abundancia desse elemento.

A ideologia estética da Sustentabilidade, repito, não contribui para que haja a contra atitude na qual se observe seus efeitos como vetor de integração, de uma nova racionalidade, própria de uma Estética da Convivência. Os pressupostos teóricos da Sustentabilidade, em prol de uma ecologia integral, não podem ser considerados como aquelas utopias light[3] postas pelo pensamento ideológico de uma Sustentabilidade fraquíssima. Quando a Sustentabilidade é genuína utopia transgeracional porque torna o momento presente uma obra de arte na qual se situa pela manutenção das condições de desenvolvimento da vida para todos – Humanos e Natureza – por meio do reconhecimento, cuidado e respeito, tem-se uma racionalidade muito diferente, iluminada pela experiência sensível. A Estética da Convivência, fomentada pela Sustentabilidade, se manifesta por uma racionalidade igualmente estética[4].           

Nesse caso, não basta ter uma percepção sobre a necessidade de uma vida sustentável, cuja base está numa ecologia integral e o verdadeiro sentido para a promoção da Estética da Convivência, mas se torna necessário uma percepção jurídica[5] da Sustentabilidade. Por esse motivo, retoma-se o conceito operacional, de Sustentabilidade jurídica[6] proposto na coluna da semana passada: É a interação entre os diferentes níveis de articulação, organização, linguagem e estrutura das fontes normativas para assegurar os modos de desenvolvimento das vidas e sua dignidade.

A partir dessa leitura, a obviedade de nosso tempo chamada de Sustentabilidade parece não ser tão óbvia e muito menos que esteja conseguindo, em termos globais, superar as diferentes crises de diferentes culturas entre os povos, especialmente no que se refere ao acesso, ao manejo, ao cuidado desses Bens Comuns. As raízes da Sustentabilidade são profundas demais para ser consideradas utopias fracas - lights, ingênuas, limitadas pelo pensamento ideológico estético da vontade mercantil e interesses soberanos. O papel jurídico da Sustentabilidade não pactua com a Felicidade Humana, mas com a Dignidade Humana[7], ou, de modo mais amplo, com a Dignitas Terrae.

É a partir dessa percepção jurídica que a Sustentabilidade, vivida como horizonte de ecologia integral, fomenta e estimula a Estética da Convivência. Por esse motivo, a Sustentabilidade é genuína utopia jurídica[8] muito diferente de uma ideologia estética da Sustentabilidade. A pretensão de se harmonizar as relações entre Humanos e Natureza, função de uma Sustentabilidade de matriz ecológica e jurídica, nasce a partir dessa epifania: todo o desenvolvimento, manutenção e aperfeiçoamento da vida não está a venda como simulacro de felicidade, porém como permanente conquista de efetividade das dignidades, desde o interior ao exterior

Notas e Referências:

[1] “Dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais”. FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus/Loyola, 2015, p. 85.

[2] “Desapropriado de natureza, o homem não é mais homem, e, assim, dialeticamente se vê desprovido daquilo que lhe faz ser o que é. A linha de raciocínio biofílica exige que a vida seja protegida em suas múltiplas manifestações (não somente a vida humana). Não se trata de exaltar a natureza, deificando-a ou santificando-a como intocável (pois volta a ser um produto estagnado em uma vitrine), nem desprezá-la como fonte de riquezas exploráveis pelo aguçado economicismo humano. [...] Não se trata, portanto, na relação homem-natureza de tornar a natureza intocável, mas de construir uma relação em que o respeito que a ela se projeta é um respeito à sua própria casa, e, portanto, a si mesmo, às futuras gerações, como uma forma de solidariedade intrageracional e intergeracional”. BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 274/275.

[3] “[...] Às utopias do desejo, sucederam as expectativas de leveza do corpo e do espírito, de uma vida cotidiana menos estressante, de um presente menos pesado de carregar: viver melhor não se separa mais da leveza de ser. Bem-vindos à era das utopias do menos, das utopias light”. LIPOVTESKY, Gilles. Da leveza: rumo a uma civilização sem peso. Tradução de Idalina Lopes. Barueri, (SP): Manole, 2016, p. 23.

[4] “[...] as mais brilhantes analises e interpretações críticas, exercidas através de modelos teóricos, nunca tornarão a obra totalmente diferente e, principalmente, nunca serão tão exaustivas que não permitirão outras abordagens. O que a ciência da estética pode fazer é elucidar o processo de racionalização da obra. O ‘princípio organizador’ posto ao nível da racionalidade sensível não está ao alcance da racionalidade logica. O ponto de fusão entre forma e conteúdo, linguagem e pensamento, conceito e imagem, é o grande desafio de todas as teorias estéticas”. PAVIANI, Jayme. A racionalidade estética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1991, p. 25.   

[5] “[...] percepção jurídica e política é o registro de (1) elementos do direito positivado e/ou de jurisprudência e/ou de doutrina; e (2) circunstâncias e fatos das relações humanas coletivas sob a égide do exercício do poder, quanto a um determinado fenômeno histórico ou contemporâneo, sendo o registro seguido ou imediatamente conectado com a emissão de juízo de valor, ou seja, de análise que culmina com opinião tanto sobre elemento jurídico, circunstância ou fato político quanto sobre o fenômeno como um todo”. PASOLD, Cesar Luiz. Alexis de Tocqueville: Percepção Jurídica e Política da Revolução Francesa. Novos Estudos Jurídicos, v. 15, n. 1, p. 28, jul. 2010. Disponível em: <http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/2299>. Acesso em: 09 fev. 2018. Grifos originais do artigo estudado.

[6] Conceito operacional elaborado junto com o acadêmico Matheus Figueiredo Nunes de Souza, Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade Meridional – IMED.

[7] “É justamente no pensamento de Kant que a doutrina jurídica mais expressiva - [...] – ainda hoje parece estar identificando as bases de uma fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação de dignidade da pessoa humana. Até que ponto, contudo, tal concepção efetivamente poderá ser adotada sem reservas ou ajustes na atual quadra da evolução social, econômica e jurídica constitui, sem dúvida, desafio fascinante [...]. Assim, poder-se-á afirmar [...] que tanto o pensamento de Kant quanto todas as concepções que sustentam ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humana – encontram-se, ao menos em tese, sujeitas à crítica de um excessivo antropocentrismo, notadamente naquilo em que sustentam que a pessoa humana, em função de sua racionalidade [...] ocupa um lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos. Para além disso, sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indicia que não está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em última análise, exigência da vida humana e de uma vida humana com dignidade, tudo a apontar para o reconhecimento do que se poderia designar de uma dimensão ecológica ou ambiental da dignidade da pessoa humana”. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 42/43.

[8][...] An absolute, general, injustice, [...], can be neither characterized nor measured no repaired if no absolute, general justice, no legal utopia, is envisioned”. BLOCH, Ernst. Natural Law and human dignity. Translated by Dennis J. Schmidt. Third printing. Baskerville: MIT press, 1996, p. 207.

 

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