A gestão do passivo empresarial ancorada no princípio da confiança - Por João Carlos Adalberto Zolandeck

14/12/2017

A crise econômico-financeira da empresa caracterizada pela impontualidade impõe ao empresário a necessidade de repensar o seu negócio. A primeira indagação diz respeito à factibilidade, oportunidade em que será possível reavaliar o produto ou serviço, o que ele representa, deixou de representar ou poderá representar ao mercado.

Em havendo afirmação pela factibilidade do negócio supõe-se que a atividade operacional gera lucro. É evidente que a empresa em crise está com o lucro comprometido, mas o resultado aqui pautado não deve levar em consideração o passivo não operacional existente, ou seja, o resultado desprezará o passivo não operacional que será reorganizado.  

É fato que a gestão do passivo não poderá comprometer o resultado, mas auxiliar na geração de caixa para fazer frente às negociações. 

Uma prudente análise do fluxo de caixa, partindo do preço dos insumos, substituindo ou negociando, com um ou outro fornecedor, ao lado da correção do desperdício e da reordenação de despesas, entre outras iniciativas de gestão, em muitos casos, são suficientes para a superação de crises episódicas, mas não de crises mais graves ou mais severas.

Todavia, se o resultado não for positivo, mesmo desconsiderando o passivo, a factibilidade do negócio, ou seja, sua viabilidade[1] está comprometida. Daí decorre outras indagações: o preço da compra dos insumos é inadequado? Ao comprar a preço mais baixo e vender a preço melhor ou em maior quantidade traz melhora ao resultado? É possível melhorar o mark-up, ou seja, a margem?

Caso as respostas continuem negativas, há que se pensar em novos mercados, novos produtos ou agregar valores aos existentes, do contrário, a empresa poderá estar a caminho de uma recuperação judicial e provavelmente da falência, pois a estatística demonstra que a imensa maioria das recuperações judiciais são convoladas em falência.

Como a crise econômica importa em mudança comportamental, não é incomum a utilização da inadimplência como estratégia de sobrevivência. É nesse momento que o empresário testará o nível de confiança dos fornecedores, credores e todos os demais agentes econômicos do seu vínculo relacional.

O próprio título sugere a palavra chave que aqui se elege, como uma palavra de ordem: confiança! Indaga-se: é possível manter a confiança mesmo diante do inadimplemento, motivado pela crise econômico-financeira da empresa?

A confiança se perde pela surpresa e não pelo enfrentamento e pela transparência, portanto plenamente possível e indispensável manter o estado de confiança a partir de iniciativas comportamentais do empresário.  

A gestão responsável do passivo apresenta-se como uma boa alternativa à recuperação judicial, extrajudicial ou a falência, a que se submente o empresário e a sociedade empresária.              

A recuperação judicial[2], enquanto não ocorrerem alterações mais significativas à Lei n. 11.101/2005, não tem respondido com eficiência ao problema, diante do elevado nível de convolação da recuperação judicial em falência (art. 73), cujos dados estatísticos são alarmantes, mas essa discussão ficará reservada para futuro texto que contemplará apenas a recuperação judicial.

A recuperação extrajudicial exige uma formalidade um pouco maior do que a gestão interna do passivo e, envolve um universo de credores sob a égide de um mesmo plano, pois sujeito à homologação judicial, para efeito vinculativo. O plano de recuperação extrajudicial excepcionará os créditos de natureza tributária, de natureza trabalhista ou de acidente decorrente do trabalho, além dos decorrentes de contrato de alienação fiduciária entre outros (Lei n. 11.101/2005, art. 161, parágrafo 1º.).

Por outro lado, a gestão responsável do passivo nada excepciona, obviamente, a classe do credor e as dificuldades da negociação implicarão na eleição de prioridades e no acompanhamento preciso dos passos de cada um. O passivo trabalhista também pode ser negociado, especialmente em razão da reforma trabalhista ocorrida pela Lei 13.467/2017, onde prepondera o negociado sobre o legislado, sempre com a prudência e observação das ressalvas legais.

Considerando-se a necessidade de adoção do princípio da cooperação e das modernas técnicas de mediação e negociação, o acompanhamento diário do plano de gestão e a troca de informações entre o empresário devedor e o escritório jurídico gestor são fundamentais para o pleno êxito da solução pacífica dos conflitos decorrentes da impontualidade, até porque, toda a estrutura criada de forma compartilhada entre o advogado, o empresário e os prepostos da empresa, foi pensada a partir das consequências jurídicas desta ou daquela ação.

São inúmeros os exemplos, diários e cotidianos, da eficiência da mediação e da negociação, em um ambiente de confiança pautado na boa fé empresarial, oportunidade em que, de lado a lado, surgem boas parcerias entre o empresário devedor e o empresário credor.

Obviamente que o plano individual criado para cada credor estará conectado a uma estratégia maior de relação e dependência com o negócio, que, por sua natureza, tem como principal e potencial efeito, a produção de receitas. O fluxo de caixa e o fluxo de pagamento estarão interligados e disciplinados por metas mensais, trimestrais e semestrais de resultado  para fazer frente aos pagamentos.

É evidente que não interessa ao fornecedor parar de fornecer, nem ao credor de qualquer outra classe a extinção ou a falência da empresa, pois a liquidação de ativos (quando existentes), invariavelmente, não fará frente à liquidação dos créditos. 

O importante para a empresa devedora é não sair fazendo, pois, o empresário pautado em informações assimétricas submete todo o ativo e seus recebíveis a um ou outro credor, inclusive, atrelando patrimônio pessoal em garantia, cujo efeito é danoso e fatal para a continuidade da atividade empresarial.

Recomenda-se, assim, não avançar em nenhuma negociação sem o planejamento do todo, sem a criação de um fluxo para cada credor e do entendimento sobre as intercorrências. Sabidamente, os credores com interesse de receber, levarão em conta o elemento “confiança” que a empresa continuará espraiando ao mercado em razão da transparência no seu trato negocial.

É bom chamar a atenção para o fato de que a gestão responsável do passivo não implica na fuga do devedor em relação aos credores, mas na procura deles e na eleição de prioridades, pois, antes de tudo, a empresa tem compromisso com a atividade econômica que desenvolve, pois, como diz Campinho, a empresa “é, reconhecidamente, fonte produtora de bens, serviços, empregos e tributos que garantem o desenvolvimento econômico e social de um país. A sua manutenção consiste em conservar o ‘ativo social’ por ela gerado[3].

Nada impede que se utilizem meios de recuperação judicial sem a instauração do procedimento, ou seja, no âmbito da gestão do passivo, por exemplo: a busca por condições especiais de pagamento e descontos, a cisão, incorporação, fusão ou transformação da sociedade, cessão de quotas ou ações, substituição dos administradores, trespasse, arrendamento, dação em pagamento, redução salarial e compensação de jornadas, usufruto da empresa ou de parte de um ativo, venda parcial da operação, parcerias, entre outras estratégias (Lei n. 11.101/2005, art. 50).

A exposição e respostas duras virão, diante de uma tarefa que não é fácil, mas isso apenas até o momento da pacificação pelo interesse, pela mediação e pela conciliação. Fica aqui a mensagem de incentivo ao empresário devedor, no sentido de que é possível superar momentos difíceis, mas com o uso de soluções criativas pautadas na confiança, ao ponto de reinventar, reposicionar e tornar a crescer, o que se espera, pois a empresa repercute sobejamente no desenvolvimento socioeconômico do país.

 

[1] Quando falamos em viabilidade ou factibilidade do negócio partimos da análise, ao menos, dos seguintes pressupostos: mercado, situação econômica do país, ramo de atividade, estrutura legal societária, enquadramento tributário, novo planejamento tributário e plano estratégico de crescimento sustentável. 

[2] Lei 11.101/2005, art. 47. “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”

[3] CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: sociedade anônima. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 130.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Business // Foto de: Tuncay // Sem alterações

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