A gestão do licenciamento ambiental no Brasil - Por Wagner Carmo

03/12/2017

Introdução.

Segundo a Constituição Federal, dentre as políticas públicas voltadas à garantia da efetividade do meio ambiente sadio e do desenvolvimento sustentável, encontra-se a exigência do estudo de impacto ambiental, realizado durante o processo de licenciamento ambiental.

O licenciamento ambiental, instrumento da política nacional de meio ambiente, regulamentado por meio de Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, é alvo de constantes críticas. De um lado, é identificado pelo setor econômico, produtivo, industrial e agrícola, como excessivamente burocrático, sendo responsabilizado com um dos componentes que reduzem a competividade do Brasil na atração de negócios. Lado outro, é classificado como ineficaz e arcaico pela impossibilidade técnica dos órgãos ambientais de realizarem a avaliação e o controle adequado dos efeitos ambientais decorrentes do licenciamento ambiental. Em regra, os órgãos ambientais limitam-se a expandir sua ação para aumentar a expedição de licença, sem, contudo, melhorar a gestão do sistema de controle das condicionantes ambientais.

Sobre o assunto, Rose Mirian Hofmann[1] registra que o licenciamento ambiental federal tem sido acompanhado de perto pelo Poder Legislativo, com auxílio do Tribunal de Contas da União, que tem constatado uma atuação do IBAMA mais voltada para a emissão de licenças ambientais do que para a avaliação dos efeitos ambientais das ações empreendedoras.

A partir desse contexto, o presente artigo retratará algum dos limites práticos, técnicos e legais que dificultam e problematizam o licenciamento ambiental no Brasil.

O problema da gestão do licenciamento ambiental.

A realidade da gestão administrativa do meio ambiente, com particular atenção para os aspectos que envolvem o planejamento estratégico, tem demonstrada uma completa dissociação entre os diversos instrumentos legais e democráticos existente no ordenamento jurídico. Em razão disso, geralmente, não há interação entre políticas, planos, ações e programas de governo.

Verifica-se, por mais de uma vez, que os entes da federação estão desconectados e que os licenciamentos são realizados por empreendimento - individualmente, sem sopesar um planejamento ambiental que considere os impactos nos planos de bacia e na região de influência.

O problema da gestão administrativa do órgão licenciador.  

Um raio “X” dos órgãos ambientais que compõem o sistema nacional de meio ambiente – SISNAMA, poderá evidenciar o que todos sabem, porém, não querem enfrentar. O excesso de burocracia e a falta de resultado prático do licenciamento ambiental pode ser compreendido ou vinculado, de forma geral, com os seguintes eixos: a) sistema normativo complexo; b) repartição de competência na federação que privilegia a União sob os aspectos legislativos e financeiros; c) ingerência política e partidarismos ideológicos; d) cultura organizacional resistente a mudança; e) ceticismo da população e o rótulo de fábrica de multas; f) ausência de planejamento ambiental e escassez de recurso orçamentário/financeiro; g) reduzido número de servidores, baixa remuneração  e falta de equipamentos e, h) deficiência nas áreas de informação, conhecimento e tecnologia.

As diversas limitações permitem concluir que para melhorar a gestão dos órgãos ambientais, não basta contratar mão de obra ou realizar aporte de recursos, sendo curial rever todo o sistema, incluindo a visão estratégica, a educação ambiental, o marco legal e o constante aperfeiçoamento da federação.    

O problema da gestão democrática.

Embora as Resoluções CONAMA[2] prevejam o processo democrático do licenciamento ambiental, incluindo a realização de audiência pública e a colheita de sugestões e críticas dos envolvidos; reclama-se, com certa frequência, da falta de transparência e da falta de efetividade da participação social.

Em relação às audiências públicas, via de regra, vindica-se que a tomada de decisão dos órgãos ambientais não considera as críticas e as observações/sugestões expostas; impingindo a pecha de que a audiência pública presta-se apenas à legitimação de uma decisão política do gestor do órgão ambiental.

De igual forma, há queixas da falta de informação técnica e publicidade quanto ao cumprimento das condicionantes ambientais e sobre as medidas mitigadoras do impacto ambiental. 

O problema da gestão com intervenção do Ministério Público.

Desde a edição da Constituição Verde de 1988, o processo de licenciamento ambiental passou a ser objeto de maior fiscalização, intervenção e judicialização.

Em relação ao Ministério Público, a Lei Complementar n.º 75/1993[3], determina que cabe ao Parquet a responsabilidade pela defesa dos direitos assegurados pela Constituição Federal.

Desta forma, compreendendo que o Meio Ambiente é um direito constitucionalmente garantido; sempre que ocorre desrespeito à política ambiental; sempre que há ausência de transparência no processo de licenciamento; sempre que há dúvida técnica quanto as medidas mitigadoras ou compensatórias do processo de licenciamento e, sempre que há violação das regras e das normas do licenciamento; o Ministério Público é o órgão legitimado para promover a ação judicial ou para realizar as composições extrajudiciais por meio dos Termos de Ajustamento de Conduta ou dos Termos de Compromisso Ambiental.   

As ações do Mistério Público, sem discutir o mérito e a importância, provocam uma crise sem precedentes na gestão dos órgãos de licenciamento. Primeiro, pelo fato de que demandam exaustivamente a estrutura administrativa do órgão licenciador, requerendo a confecção de relatórios, a elaboração de laudos técnicos e a prestação de informações. Segundo, pelo fato de que os servidores técnicos, envolvidos no processo de licenciamento ambiental, em razão das constantes notificações e da judicialização do licenciamento, aumentam, sem razão e de forma desproporcional, o rigor e a burocracia na avaliação dos processos com temor de responderem a um procedimento criminal.

A presença do Ministério Público é, sem dúvida, essencial, especialmente na conjuntura em que o licenciamento ambiental se encontra inserido no Brasil. Porém, o ideal é que os órgãos ambientais tenham um instrumento de licenciamento ambiental mais confiável, com premissas técnicas definidas; favorecendo a redução da interferência política e da subjetividade na análise dos estudos.

O problema da ausência de diretrizes técnicas preestabelecida para o processo de licenciamento.

O Acordão do Tribunal de Contas da União n.º 2.212/2009, citado por Rose Mirian Hofmann[4], prescreveu que o IBAMA poderia contribuir significativamente para o aperfeiçoamento da qualidade dos estudos ambientais a partir do estabelecimento de regras claras; da criação de manuais técnicos; da fixação e do desenvolvimento de metodologia formal e da criação de indicadores e de critérios de avaliação que considerassem as tipologias a serem observadas no processo de licenciamento.

A fixação da “regra do jogo”, no processo de licenciamento ambiental, colabora essencialmente para: a) reduzir a subjetividade técnica na análise e nos estudos ambientais; b) garantir resultados mais consistentes e eficientes; c) melhorar a tomada de decisão pelo órgão licenciador; d) garantir maior previsibilidade para o proponente quanto a expectativa do órgão público; e) melhorar o fluxo, reduzir a burocracia e aumentar transparência do licenciamento e, f) evitar falhas de ordem administrativa e técnica.  

Conclusão   

Conclui-se que a gestão do licenciamento ambiental no Brasil possui limitações de ordem gerencial, estrutural e legal, requerendo estudos, pesquisas e aprimoramentos. O desafio é a superação do modelo burocrático e a criação de instrumentos técnicos confiáveis para afastar a subjetividade técnica e a intervenção desarrazoada e desproporcional dos órgãos públicos responsáveis pelo processo de controle e fiscalização. 

 

[1] Licenciamento ambiental e governança territorial: Registros e contribuições do seminário internacional. Org. Marco Aurélio Costa. Letícia Beccalli Klug. Sandra Silva Paulsen. Rio de Janeiro. IPEA, 2017. 

[2] Resolução CONAMA n.º 09/90

Art. 1º - A Audiência Pública referida na RESOLUÇÃO/conama/N.º 001/86, tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito.

[3] LC n.º 75/93

Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.

[4] Licenciamento ambiental e governança territorial. Idem.

 

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