A fundação e os primórdios de São Paulo

13/10/2015

Por Luiz Ferri de Barros - 13/10/2015

Dentre os lançamentos editorais dedicados à comemoração dos 450 anos de São Paulo, destacou-se pela seriedade e interesse a reedição de dois livros de Afonso de Escragnolle Taunay.

Filho do Visconde de Taunay, político e escritor célebre (Inocência, A Retirada de Laguna), Afonso de Taunay (1876 – 1958) foi catedrático da Escola Politécnica e dirigiu, durante 30 anos, o Museu Paulista. É considerado o primeiro historiador paulista, por ter iniciado o estudo sistemático dos temas fundamentais para o conhecimento da História de São Paulo.

Dentre os mais de 100 livros do autor, a editora Paz e Terra reuniu dois em um único volume.

O primeiro livro, de 1920, tem como fontes as Atas e o Registro Geral da Câmara (municipal, fundada em 1560), reconstituídas e publicadas por ordem de Washington Luís quando prefeito da cidade, e define-se como um "Ensaio de Reconstituição Social", recompondo o cotidiano de São Paulo dos primórdios.

O segundo, de 1921, usa como fonte principal as cartas jesuíticas (dos missionários a seus superiores) e traça a "Historia da Villa Piratiningana". Mudam as fontes e resultam duas diferentes histórias da cidade, cobrindo o mesmo período, e escritas pelo mesmo autor.

Leitura agradável e instrutiva, que se faz melhor com bom dicionário a tiracolo, embora do livro conste glossário. Saborosa a linguagem, com as escritas quinhentistas (naturalmente decifradas) das fontes originais e com a narrativa do autor em estilo de 1920. Não menos interessante, é encontrar nos episódios históricos revisitados a saga dos paulistas que dão nome a muitas das ruas da cidade.


Serviço:

São Paulo nos Primeiros anos (1554 – 1601) & São Paulo no Século XVI, Afonso de Escragnolle Taunay; Paz e Terra, 2003; 456 págs.


Trechos:

Por que os jesuítas fundaram São Paulo 

Os jesuítas vieram ao Brasil por solicitação do rei de Portugal, D. João III, para ajudar na colonização.

São Paulo no Século XVI 

Dos soberanos europeus, fora D. João III, e por excelência, o benfeitor da Companhia de Jesus, desde os primeiros dias. Devia-lhe ela serviços enormes. Assim, alegremente lhe foi ao encontro do apelo quando lhe pediu evangelizadores para o Oriente e para o Ocidente. E melhor não poderia pagar a sua dívida, pois, dentro em pouco, despacharia para as Índias Francisco Xavier, para o Brasil, Nóbrega e Anchieta. (...) Ansioso por promover e estender a obra magna das catequeses, divisou o grande jesuíta as vantagens que São Vicente oferecia para o alargamento da ação cristã. Em 1550, fez fundar o colégio vicentino (...) Que era então a Capitania de São Vicente? Quase nada ao lado da miserável e decadente povoação capital, o minúsculo vilarejo de Santos; ao sul, as choças pobríssimas de Itanhaém nascente, e as dessa Cananéia, ninho de aventureiros castelhanos (...) e, ao norte, em Santo Amaro, a insignificante fortificação de Bertioga. (...) Percebeu Manoel da Nóbrega, de pronto, que a região litorânea não era a zona propícia para a grande obra que se ia empreender; daí a escolha de um local além da Serra do Mar (...) Nada mais precário aliás, então, do que a vida na costa por aqueles anos em que aos perigos da proximidade do tamoio, indomável e valorosíssimo, juntavam-se os da presença, no Rio de Janeiro, de seus aliados, os franceses de Villegaignon. Eram estes que açulavam e freqüentemente comandavam as frotas tamoias de grandes igaras às plagas vicentinas. Fora Bertioga tomada e seu famoso artilheiro, Hans Staden, aprisionado; haviam famílias inteiras desaparecido nos festins canibais. Mostravam-se ainda os tamoios em extremo cobiçosos das mulheres brancas. Daí a ânsia com que, desejando salvaguardar a sua obra, apressou Nóbrega a fundação de São Paulo.

LFB/


O espírito de independência dos paulistanos 

Desde as primeiras décadas quinhentistas, o povo de São Paulo demonstrava espírito de independência, de oposição à prepotência.

São Paulo nos Primeiros Anos 

No afã de repartir compromissos e responsabilidades, freqüentemente recorria a Câmara ao apoio das assembléias populares (...) A 30 de setembro de 1576, narra uma ata, "junta a maior parte do povo da Vila, juntamente com os senhores oficiais da Câmara", tomara-se a deliberação de se não satisfazerem os impostos do dízimo do peixe cobrados pelo almoxarife da Capitania (...) Era boa exigência! Pagar o bom povo de São Paulo impostos sobre gêneros que não consumia! Mas como não se brincava com os oficiais d´El Rei, decidiu-se que iria a Santos "um homem com procuração deste povo com embargos à dita condenação". Lá ficasse até decisão final, "até haver acordo". Combinada tal resolução "logo pelo dito povo foi eleito e nomeado para o dito caso a Antonio Bicudo". E como este prestante cidadão não pudesse, sem grave prejuízo de sua fazenda, ausentar-se de São Paulo, assentou-se ainda que a municipalidade lhe daria uma remuneração de vinte cruzados, mas não em dinheiro, que não o havia! E sim em "couros, e toucinho e porcos e cera". Também custearia Bicudo a demanda, às suas expensas, até vir do mar o acordo.

LFB/


Originalmente publicado em: Diário do Comércio, São Paulo, 2004.


Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.

Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.                                        

E-mail para contato: barros@velhosguerreiros.com.br 


Imagem Ilustrativa do Post: São Paulo - Skyline by night // Foto de: Andre Deak // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/pontodeak/1816831388

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura