A função socioambiental da propriedade

17/01/2018

A propriedade, direito subjetivo por excelência na época contemporânea, é uma construção social. Construção que se expressa na vitória dos movimentos revolucionários liberais que culminaram com a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, e com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 26 de agosto do mesmo ano. Neles triunfa a ideia de propriedade como direito subjetivo, fruto maior da liberdade do homem. Mas também essa propriedade, culminante e absoluta nos Oitocentos, de características sumamente individualísticas, tem de se conformar à nova realidade social, na qual a irrupção das necessidades de uma sociedade de massas hipercomplexa torna necessárias mudanças profundas nesse direito. Não há que se falar mais em propriedade, mas sim em propriedades (cada qual com a diversidade de sua função): 

Falar em propriedades significa, como ensina o mestre Paolo Grossi, recusar a absolutização da propriedade moderna, produto histórico de uma época, e, com isso,recusar a ideia de um fluxo contínuo e ininterrupto na história jurídica. A propriedade, ‘modelo antropológico napoleônico-pandectista’, consagração de uma visão individualista e potestativa, é apenas uma dentre as múltiplas respostas encontradas, nas múltiplas experiências jurídicas do passado e do presente, à eterna questão dos vínculos jurídicos entre homem e coisas. O termo singular, abstrato, formal, é inadequado para descrever a complexidade das múltiplas formas de apropriação da terra, que antecedem a formulação unitária, correspondente ao período das codificações. 

Clavero ilustra, sob o paradigma da ‘antropologia dominical’, a pluralidade proprietária anterior à Revolução Francesa, e o inconveniente da projeção de nosso padrão unitário a tal realidade... 

Nesta antropologia dominial são variadas as formas e as funções dos ‘domínios’, que não encontram correspondência no hodierno padrão da propriedade como direito subjetivo por excelência, arraigada em nossa cultura jurídica. 

Não poderia ser de outro modo, num ordenamento que ainda desconhecia uma formulação unitária do direito subjetivo. O termo jus, matriz do direito subjetivo iluminista, aparece nos textos romanos com significados diversos, por vezes mesmo em contraposição a dominium. Ius refere-se ao objeto da justiça (às leis naturais, civis, feitos do pretor), à arte do justo, a obrigações... e, fundamentalmente, a uma noção semelhante à de mérito, status, condição, no sentido aristotélico de papel ocupado pela pessoa ou coisa no organismo social.

[...] 

A equiparação entre ius (enquanto direito subjetivo) e dominium, ou a atribuição de caráter individualista e absoluto à propriedade romana, é fruto da construção da ciência jurídica moderna, que não guarda relação com o sentido originário da propriedade romana, tampouco com a leitura que dela faziam os juristas medievais. 

[...] 

Nesta mentalidade de plúrimas propriedades ou formas de apropriação dos bens, paradigmática é a figura do domínio útil, verdadeiro denominador comum da mentalidade proprietária de então. O adjetivo ‘útil’ indica a atribuição de um conteúdo ao conceito romano, conteúdo que se vincula à efetividade da utilização do bem. 

Atesta o reinado da efetividade e a impossibilidade de uma fórmula abstrata, de um vínculo puro de relações entre o homem e as coisas[1]

É o momento em que por toda parte insurge-se a ideia de função social, proclamando-a as Constituições e realçando-lhe os aspectos singulares. Como a Constituição de Weimar, cujo art. 153 dispôs: “A Constituição garante a propriedade. O seu conteúdo e os seus limites resultam de lei. (...) A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem, ao mesmo tempo, representar uma função no interesse social[2]. Ou a Lei Fundamental da República Federal Alemã de 1949 que, por sua vez, dispõe no seu art. 14, 2, que a “propriedade obriga. Seu uso deve estar a serviço do bem comum”. Ou ainda o texto da Constituição da Itália: “Art. 42. – A propriedade é pública ou privada. Os bens econômicos pertencem ao Estado, ou a entidades ou a particulares. A propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que determina as suas formas de aquisição, de posse e os limites, no intento de assegurar sua função social e de torná-la acessível a todos.”

Não obstante todas essas proclamações, divergem os doutrinadores em conceituar quais são os fundamentos teóricos que fariam afinal com que este direito obrigasse, superando-se a noção de direito subjetivo, que, afinal, expressaria, mais do que o próprio direito em si, a liberdade do homem. Há autores que, ainda no plano do subjetivismo, irão propor a transmutação moderna do conceito de direito subjetivo pelo de situação jurídica, como em Paul Roubier: 

(...) Chegado a esse ponto de nossa exposição, nós começamos a tomar consciência, mais claramente do que não havíamos ainda visto até agora, do entrecruzamento de direitos e deveres que caracteriza a organização jurídica. É esse entrecruzamento que conduziu, nos autores contemporâneos, a tomar por base de suas construções a noçãode situação jurídica mais do que aquela do direito subjetivo. A situação jurídica se apresenta a nós como constituindo um complexo de direitos e deveres; ora, esta é uma posição infinitamente mais frequente que aquela de direitos existentes no estado de prerrogativas desimpedidas, ou de deveres aos quais não correspondam nenhuma vantagem (tradução livre)[3]

Também é o caso de Pietro Perlingieri: 

“no vigente ordenamento não existe um direito subjetivo - propriedade privada, crédito, usufruto - ilimitado, atribuído ao exclusivo interesse do sujeito, de modo talque possa ser configurado como entidade pré-dada, isto é, preexistente ao ordenamento e que deva ser levada em consideração enquanto conceito, ou noção, transmitido de geração em geração. O que existe é um interesse juridicamente tutelado, uma situação jurídica que já em si mesma encerra limitações para o titular”[4]

Esse último autor classifica mesmo a propriedade como uma situação subjetiva complexa centro de interesses que enfeixa poderes, deveres, ônus e obrigações, e cujo conteúdo depende de interesses extraproprietários, apurados no caso concreto: 

“Em substância, portanto, a propriedade não é tão somente um poder da vontade, um direito subjetivo que compete sem mais nada a um sujeito, mas é, ainda mais, uma situação jurídica subjetiva complexa (tradução livre)[5]

Não obstante, esta abordagem, ao não aprofundar os fundamentos teóricos do porquê a propriedade obriga, resvala em uma solidariedade definida abstratamente e funda-se, em derradeiro, na positividade constitucional: 

“Em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica e social e no pleno desenvolvimento da pessoa (art. 2 Const.) o conteúdo da função social assume um papel do tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento. E isso não se realiza somente finalizando a disciplina dos limites à função social. Esta deve ser entendida não como uma intervenção ‘em ódio’ à propriedade privada, mas torna-se ‘a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a um determinado sujeito’, um critério de ação para o legislador, e um critério de individuação da normativa a ser aplicada para o intérprete chamado a avaliar as situações conexas à realização de atos e de atividades do titular”[6]

“Uma coisa é o problema da conformação do estatuto proprietário, outra é aquela da expropriação. [...] Não é possível, portanto, chegar a propor um estatuto proprietário conformativo que seja substancialmente expropriativo (fala-se em conformação da propriedade privada quando os limites legais não tocam o conteúdo mínimo; de ‘expropriação’ no caso oposto). A conclusão pela qual é preciso falar em conteúdos mínimos da propriedade deve ser interpretada não em chave jusnaturalista, mas em relação à reserva de lei prevista na Constituição, a qual garante a propriedade, atribuindo à lei a tarefa de determinar os modos de aquisição, de gozo e os limites, com o objetivo de assegurar a função social e torná-la acessível a todos”[7]

Deste modo, cabe enfrentar o problema complexo da fundamentação teórica da função social da propriedade. Neste, cabe ressaltar que existe um conflito sobre bens e sobre os títulos de atribuição quanto ao uso destes. Como definido em Tomás de Aquino, a propriedade é propriedade segundo o uso e não segundo a substância mesma dos bens. Uma propriedade é legítima se está em conformidade com os limites impostos pelo bem comum, pela destinação universal, sempre anterior a qualquer uso particular. Deste modo, a função social existe, primeiramente, nos bens objeto do direito de propriedade, para depois se ver destacada e atingida plenamente com o exercício do direito de propriedade sobre eles, conforme o estatuto proprietário reconheça ou não a função social deste direito: 

“A terra é, reconhecidamente, bem de produção; e o que a terra produz ou pode produzir está intimamente ligado à sobrevivência dos seres. A obrigação de fazê-lo e o modo de atingir este desiderato estão na base do campo de atuação do Direito Agrário e, consequentemente, no fenômeno agrário. Começa-se com a denominada função social da terra, por alguns equivocadamente denominada função social da propriedade, em Direito Agrário, trocando o continente pelo conteúdo, pois a função social da terra é o gênero, do qual a função social da propriedade é espécie, como o são também a função social da posse, a função social dos contratos etc.”[8]

Cada coisa que existe na natureza tem uma função natural. A solução jurídica de um caso concreto deve, normalmente, ser obtida através do recurso conjunto a estas duas fontes, que não são consideradas opostas, mas complementares: por um lado o estudo da natureza e, num segundo momento, a precisa determinação do legislador ou do juiz.

A função de cada bem expressa a ordem das tendências ou inclinações naturais aos fins próprios do ser humano, aquela ordem que é própria do homem enquanto pessoa. A terra visa a garantir ao homem um espaço vital digno e suficiente para a vida pessoal e social. Também os bens supérfluos de uma pessoa são todos tidos em comum, no sentido em que o respectivo dono tem o dever de justiça de dispor deles para o benefício daqueles em necessidade, como os pobres[9].

A noção de função de um bem significa assim um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. Como explica Teori Zavascki: 

“Por função social da propriedade há de se entender o princípio que diz respeito à utilização dos bens, e não à sua titularidade jurídica, a significar que sua força normativa ocorre independentemente da específica consideração de quem detenha o título jurídico de proprietário.

Os bens, no seu sentido mais amplo, as propriedades, genericamente consideradas, é que estão submetidas a uma destinação social, e não o direito de propriedade em si mesmo. Bens, propriedades são fenômenos da realidade.

Direito – e, portanto, direito da propriedade – é fenômeno do mundo dos pensamentos. Utilizar bens, ou não utilizá-los, dar-lhes ou não uma destinação que atenda aos interesses sociais, representa atuar no plano real, e não no campo puramente jurídico. A função social da propriedade (que seria melhor entendida no plural, ‘função social das propriedades’), realiza-se ou não, mediante atos concretos, de parte de quem efetivamente tem a disponibilidade física dos bens, ou seja, do possuidor, assim considerado no mais amplo sentido, seja ele titular do direito de propriedade ou não, seja ele detentor ou não de título jurídico a justificar sua posse[10]

Sendo o bem indissociável de sua finalidade, por exemplo, se a realidade urbanística que ele preconizava – o loteamento – volatilizou-se, tragada por uma favela consolidada, por força de uma certa erosão social, deixou o bem de existir como loteamento e também como lotes.

A realidade concreta prepondera sobre a ‘pseudo realidade jurídico-cartorária’. Esta não pode subsistir, em razão da perda do objeto do direito de propriedade. Como pontua Judith

Martins-Costa, a atribuição de função social aos bens enseja, em nossa mente antropocêntrica, centrada e concentrada na ideia de ‘direito subjetivo’, um verdadeiro giro epistemológico, para que passemos a considerar o tema a partir do bem, da res, e de suas efetivas utilidades[11].

Outra questão importante é definir se existe um direito dos homens a apropriação em comum dos bens exteriores, sem especificação de direito de propriedade particular por parte de indivíduos, famílias ou grupos.

Por certo que sim, como salientam Aristóteles e Tomás de Aquino. A instituição da propriedade privada é do domínio do ius gentium, faz parte do direito comum das comunidades humanas, e está regulada pela política da cidade que pressupõe a necessidade da instituição da propriedade privada para uma vida social justa.

Alguma divisão da propriedade entre grupos e indivíduos – mas ainda não uma divisão específica e detalhada a qual releva o direito positivo – é um requisito moral prévio à decisão humana[12]. Darcy Bessone bem esclarece a função social das coisas e sua destinação em comum, demonstrando que as coisas têm a função social vinculada a si mesmas e não às prerrogativas, porventura egoísticas, que alguns homens entendem destinarem-se somente a eles: 

“Seria fácil intuir-se, ainda que os historiadores do direito se omitissem a respeito, que, antes de qualquer formulação jurídica, já as coisas se submetiam ao poder do homem, como condição de fato, para o uso e gozo delas.

Convenha-se, contudo, em que, mesmo antes de qualquer experiência de direito, antes do Estado e do ordenamento jurídico, o homem já usava, gozava e dispunha materialmente das coisas.

Então, pode-se concluir que o poder de fato sobre as coisas preexistiu ao de direito. Aconteceu, contudo, que os bens necessários ou úteis ao homem não se ofereceram, na natureza, em condições de uso e em quantidade bastante. A insuficiência engendraria lutas terríveis e destruidoras, se não se encontrassem formas de apropriação e uso, convenientemente disciplinadas. A escassez dos bens lhes conferiu sentido econômico e exigiu técnicas jurídicas que ordenassem e disciplinassem a posição do homem, em face da coisa, e as relações entre os homens, a respeito dela.

O poder de fato erigiu-se, assim, em poder de direito.

Surgiu, obviamente, o direito de propriedade como um produto cultural, uma criação da inteligência, considerada adequada à organização da vida em sociedade, isto é, da vida social. Seria contraditório que o direito subjetivo de propriedade fosse anterior ao direito objetivo, pois, na conhecida definição de Ihering, entende-se por direito subjetivo o interesse protegido pela lei, o que quer dizer que a sua caracterização requer, além do elemento material – o interesse, o elemento formal, que a lei, o direito objetivo, estabelece. Até porque Adolfo Merkl aponta, como condição prévia e necessária do direito subjetivo, a presença do direito objetivo, pois aquele é conteúdo deste. Se o poder de fato sobre as coisas precedeu o direito objetivo, o direito de propriedade, como direito subjetivo, é conteúdo e fruto dele, como forma técnica de ordenamento da vida social.”[13]

Outra questão é se os bens exteriores são destinados aos homens em comum, quais são os fundamentos pelos quais é lícito possuir as coisas como próprias? Na hipótese acima, por exemplo, por quais fundamentos poderiam os proprietários reivindicar os lotes não utilizados e, ao revés, qual a quididade do direito dos posseiros aos mesmos bens? Trata-se do confronto entre a propriedade sem função social com a posse com função social.

Via de regra, em nosso sistema jurídico, concebidos os julgamentos de maneira estritamente formal, o direito positivo sempre tratou como digno de proteção definitiva o direito de propriedade, conferindo à posse uma proteção meramente provisória, reconhecido aos possuidores tão-somente o direito ao recebimento das benfeitorias e acessões realizadas na coisa[14].

Como visto, para Tomás de Aquino os bens são originariamente destinados a todos em comum. Assim, concorrem a estes o proprietário reivindicante e os possuidores utilizadores. Sobre a propriedade é reconhecida, como qualidade intrínseca, uma função social, fundada e justificada precisamente pelo princípio da destinação universal dos bens.

O homem realiza-se através da sua inteligência e da sua liberdade e, ao fazê-lo, assume como objeto e instrumento as coisas do mundo e delas se apropria. Neste seu agir, está o fundamento do direito à iniciativa e à propriedade individual. Mediante o seu trabalho, o homem empenha-se não só para proveito próprio, mas também para dos outros. O homem trabalha para acorrer às necessidades da sua família, da comunidade de que faz parte, e, em última instância, da humanidade inteira, além disso, colabora para o trabalho dos outros, numa cadeia de solidariedade que se alarga progressivamente.

A posse dos meios de produção, tanto no campo industrial como agrícola, é justa e legítima, se serve para um trabalho útil; pelo contrário, torna-se ilegítima, quando não é valorizada ou serve para impedir o trabalho dos outros, para obter um ganho que não provém da expansão global do trabalho humano e da riqueza social, mas antes da sua repressão, da ilícita exploração, da especulação, e da ruptura da solidariedade no mundo do trabalho.

Semelhante propriedade não tem qualquer justificação, e não pode receber tutela jurídica. Portanto o direito de propriedade não é um absoluto formal, mas só se justifica se a ele é dado um uso social e na medida dessa justificação, mormente naquela classe de bens que não se destina primordialmente ao mercado, como é o caso da terra.

O cumprimento da função social da propriedade, deste modo, consubstancia um requisito preliminar, uma causa para o deferimento da tutela possessória; sem causa, inexiste garantia possessória constitucional à propriedade que descumpra sua função social: 

“A funcionalização da propriedade é introdução de um critério de valoração da própria titularidade, que passa a exigir atuações positivas de seu titular, a fim de adequar-se à tarefa que dele se espera na sociedade. (...)

Pode-se dizer, com apoio na doutrina mais atenta, que a função social parece capaz de moldar o estatuto proprietário em sua essência, constituindo ‘il titolo giustificativo, la causa dell´attribuzione’ dos poderes do titular, ou seja ‘il fondamento dell´attribuzione, essendo divenuto determinare, per la considerazione legislativa, il collegamento della posizione del singolo con la sua appartenenza ad um organismo sociale”[15]

O próprio Código Civil estabelece que o proprietário não tem o direito de não usar o bem. Isso se infere do art. 1.276, § 2º, do Código Civil, que diz que o imóvel que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Como preleciona Marcos Alcino de Azevedo Torres, o direito de propriedade é, em substância, a sua utilização, ou seja, a posse com o qual este é exercitado. O título gera o ius possidendi e não exercido, porque não foi transmitida a posse ou não havia posse para transmitir, ou tendo sido transmitida, não ocorreu a utilização da coisa pelo novo titular, sua posse será apenas civil, com base na espiritualização da posse que o direito civil admite.

Enquanto permanecer a coisa sem utilização de terceiros, o título jurídico permitirá que o titular coloque em prática o direito à posse, transformando-o efetivamente em posse, possibilitando o cumprimento da função social da propriedade, antes descuidada. Essa posse artificial, meramente civil (normalmente posse do proprietário), em confronto com a posse real, efetiva (quando essa última for qualificada pela função social) deve ceder a esta[16].

O ganho de propriedade nunca deve ser permitido se suficiente para tornar-se um fim em si mesmo. Deve-se manter a finalidade da vida virtuosa sempre em vista e, deste modo, à propriedade que não exerce sua função em confronto com a posse com função social não se deve dar tutela jurídica.

Por último, resta saber, se assertivas acima expostas aplicam-se a toda sorte de bens ou somente àqueles que não fossem bem administrados ou supérfluos.

Para Tomás de Aquino, desenvolvendo o direito aristotélico, o conceito de direito é prioritariamente concebido como algo que pertence ao outro. Assim, existem preceitos de justiça, cada um impondo a mim e à minha comunidade um dever a todos sem discriminação[17].

Deste modo os direitos de propriedade privada são válidos porque necessários para a prosperidade e o desenvolvimento, mas são sujeitos a um dever de distribuir, direta ou indiretamente, os superflua – isto é, tudo além do que alguém necessita para manter a si próprio e sua família em um estado de vida apropriado para ele e sua vocação.

Isto porque os recursos do mundo são, “por natureza”, comuns; isto é, os princípios da razão não identificam qualquer um como tendo uma prerrogativa anterior a eles, a não ser em razão de algum plano costumeiro ou outro socialmente positivado para a divisão e apropriação de tais recursos. E tais planos não poderiam ser autorizativos moralmente, a menos que reconhecessem algum dever de que se distribuíssem os superflua[18].

Ruy Azevedo Sodré, em sua tese de doutorado na Faculdade de Direito da USP, esclarece a distinção entre o suficiente e o superabundante dos bens apropriados: 

“Todo homem tem direito absoluto à quantidade de bens necessários ao preenchimento dos deveres inerentes à sua condição social. É o que se denomina de propriedade humana. O direito à vida por parte do pobre é superior ao direito de superabundância do rico. É a única exceção ao direito de propriedade: exceptio in rebus extremis. Na propriedade do superabundante, distinguem-se os dois elementos: o social – usus – os bens exteriores devem ser detidos em proveito da comunidade, e o individual – procuratio et dispensatio – isto é, fazê-los produzir e distribuí-los proporcionalmente às necessidades de cada um. Esta gerência é remunerada. É a propriedade ativa”[19].

Assim, o direito à propriedade dos bens pressupõe algum uso válido para estes no decorrer do tempo e quando confrontada a propriedade sem função social de bens supérfluos com a posse com função social desses mesmos bens, a propriedade deve ceder à posse porque, como asseverava Tomás de Aquino, só será ato superrogatório pôr em comum, ativa ou passivamente, o supérfluo em relação àqueles que não estão em situação de necessidade extrema. Para todos os outros, em litígio, impõe-se o dever de justiça de distribuição dos bens.

No que concerne à função ambiental da propriedade, a definição e concretização dos direitos fundamentais de terceira geração, e, num particular, os direitos relacionados ao meio ambiente, vêm propondo novos desafios e impasses para o direito, muito porque tais direitos decorrem de um novo contexto social, cultural, econômico e histórico, de onde derivam novos problemas e demandas que até então nunca haviam sido enfrentados.

Questões como o custo do uso dos recursos naturais, a plena reparabilidade dos danos ambientais, o direito ao meio ambiente saudável das gerações futuras, a eqüidade intergeracional, o objeto a ser preservado nos diversos ecossistemas, toda essa complexidade exige não só uma rigorosa definição do que seja a natureza e o gênero de direito a esta associado, mas também o debate e a proposta de soluções concretas para esses impasses – mesmo que num primeiro momento não possamos pretender oferecer soluções hermeticamente perfeitas, uma vez que ainda há pouca maturidade doutrinária capaz de sustentar tal pretensão.

Para os gregos antigos, a natureza expressava uma essência que, para realizar-se, precisava “ser-no-mundo”. Deste modo, ser – por essência – seria existir de uma determinada forma no mundo. Não havia uma separação entre ser e dever-ser, ou seja, a própria forma pela qual a natureza se organizava, no seu processo de composição e diferenciação, impunha a todos a maneira pela qual a totalidade social deveria ser organizada.

Nesse sentido, a natureza é um conceito ou fenômeno cultural e filosófico que, como tal, não tem direitos em si – próprios e intrínsecos –, mas sim é preservada em função do logos harmônico que a informa. Do conjunto normativo que tutela os recursos hídricos, a atmosfera, os solos e demais bens ambientais, não cabe a conclusão de que a natureza tem direitos que se afirmam em relação ao homem e são independentes das necessidades humanas.

No entanto, se concebermos o direito como os gregos, ou seja, como algo decorrente da ordem da natureza e ordenado por um determinado princípio e, mais do que isso, como aquilo que cabe a uma determinada sociedade segundo uma apropriação resultante da disciplina da polis, um produto ou resultado, de acordo com uma justa medida – nem mais, nem menos, do que lhe corresponde no todo social –, podemos vislumbrar um princípio de resposta à questão das externalidades ambientais.

Em outras palavras, muito embora o meio ambiente não se configure como um titular autônomo de direitos, o seu uso – cada vez mais exaustivo e exponencialmente degradante – leva à reflexão acerca da atribuição de uma justa medida do uso dos bens ambientais, que na grande maioria das vezes não consegue ser adequadamente resguardado através dos instrumentos jurídicos tradicionais disponíveis.

A função socioambiental da propriedade impõe o exercício do direito de propriedade a interesses extra-proprietários, como a preservação do meio ambiente, consoante o que dispõe o caput do artigo 1.228 do Código Civil. Isto porque, os bens embora tenham titularidades específicas (públicas ou particulares), em seu aspecto ambiental são de utilização comum de todos[20], o que se coaduna com sua natureza de direito difuso[21].

Portanto, sendo o uso dos bens, ambientalmente considerados, comum a todos, incumbe a todos os envolvidos (particulares e poder público) compartilhar as despesas concernentes à prevenção do significativo impacto ambiental decorrente do empreendimento, a par das medidas oficiais também adotadas para tal fim.

Torna-se necessário, porém, para definir o objeto de tutela, distinguir coisa e bem. A coisa é uma individualização factual dos objetos da realidade, constituindo-se o elemento material do conceito jurídico de bem. O bem é a coisa em sua consideração pelo ordenamento jurídico, ou seja, é o bem da vida que, objeto de um interesse humano, é submetido a uma tutela do direito que conforma uma situação jurídica, identificando um titular para assegurá-la.

Dessa maneira, o direito só leva em conta as coisas após serem objeto de uma apropriação, isto é, de adquirirem uma titularidade jurídica. Antes disso, a coisa é considerada como coisa sem dono – res nullius – que não pertence a quem quer que seja, mas acha-se à disposição do primeiro que a tomar.

Assim, a caça solta ou o peixe na água são apropriados por aquele que os abate ou pesca, tornando-se, então, objeto de relação jurídica, cujo sujeito é o caçador ou pescador que a uma ou outro conquistou[22]. Antes disso, estes bens não possuem um titular, sendo patrimoniais somente em potência. Eles se tornarão um direito a partir do momento em que uma pessoa puder exercer sobre eles direitos de propriedade.

Os bens ambientais, no direito brasileiro, ora são considerados como res nullius – coisa sem dono, passíveis de livre apropriação –, ora como res communes – bens de uso comum do povo, gratuito ou retribuído, conforme a sua escassez. Em ambos os casos, a apropriação subjetivista e patrimonial não oferece um regime adequado de proteção, como veremos a seguir.

O Foral e Doação da Capitania de Pernambuco a Duarte Coelho, de 24 de setembro de 1534, estabelecia que a capitania constituía-se em 60 léguas de costa, começando no Rio São Francisco e acabando no Rio Santa Cruz, sem fixação de limites terra a dentro.

O donatário possuiria para si e seus herdeiros 10 léguas de terra, devendo as outras terras ser distribuídas em sesmarias a qualquer pessoa que fosse cristã, sem foro nem direito algum, exceto o dízimo devido à Ordem do Mestrado de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Coroa reservava para si o domínio pleno de todas as minas de metais e pedras preciosas, bem como do pau-brasil e especiarias, cujo comércio por particulares é proibido a duras penas: 

“Dom João etc. A quantos esta minha carta virem faço saber que eu fiz ora doação (...) é conteúdo e declarado na carta de doação que da dita terra lhe tenho passada, e por ser muito necessário haver aí foral dos direitos, foros e tributos e coisas, que se na dita terra hão de pagar, assim do que a mim e à coroa de meus reinos pertencerem, como do que pertencerem ao dito capitão, por bem da dita sua doação, eu havendo respeito à qualidade da dita terra e a se ora novamente ir morar, povoar e aproveitar, e porque se nisto melhor e mais cedo faço, sentindo assim por serviço de Deus e meu e bem do dito capitão e moradores da dita terra, e por folgar de lhes fazer mercê, houve por bem de mandar ordenar e fazer o dito foral na forma e maneira seguinte. Item primeiramente, o Capitão da dita capitania e seus sucessores, darão e repartirão todas as terras dela de sesmaria, a quaisquer pessoas de qualquer qualidade e condições que sejam, contanto que sejam cristãos, livremente sem foro nem direito algum, somente o dízimo, que serão obrigados a pagar à Ordem de mestrado de nosso Senhor Jesus Cristo (..) Item o pau do brasil da dita Capitania, e assim qualquer especiaria ou drogaria de qualquer qualidade que seja, que nela houver, pertencerá a mim, e será tudo sempre meu e de meus sucessores, sem o dito Capitão, nem outra alguma pessoa poder tratar nas ditas cousas, nem em alguma delas, lá na terra, nem as poderão vender nem tirar para meus Reinos ou senhorios, nem para fora deles, sob pena de quem o contrário fizer perder, por isso, toda a sua fazenda para a Coroa do Reino, e ser degredado para a Ilha de São Tomé, para sempre”[23]

O Regimento do Pau Brasil, de 12 de dezembro de 1605, determinava que o pau-brasil, empregado em tinturaria, seria propriedade da Coroa e que para cortá-lo era necessária ordem do Provedor-Mor da Fazenda, que só a concederia à pessoa idônea que não o descaminhasse. O corte não poderia exceder o permitido e, se o excedesse em dez quintais, daria lugar à multa de cem cruzados; em cinquenta quintais, a açoite e degredo; e, em cem quintais, à pena de morte e de perda de toda a fazenda: 

“Parágrafo 1’. Primeiramente Hei por bem, e Mando, que nenhuma pessoa possa cortar, nem mandar cortar o dito páo brasil, por si, ou seus escravos ou Feitores seus, sem expressa licença, ou escrito do Provedor mór de Minha Fazenda, de cada uma das Capitanias, em cujo destricto estiver a mata, em que se houver de cortar; e o que o contrário fizer encorrerá em pena de morte e confiscação de toda sua fazenda.

Parágrafo 2’. O dito Provedor Mór para dar a tal licença tomará informações da qualidade da pessoa, que lha pede, e se delia ha alguma suspeita, que o desencaminhará, ou furtará ou dará a quem o haja de fazer.

Parágrafo 4’. E toda a pessoa, que tomar mais quantidade de páo de que lhe fôr dada licença, além de o perder para Minha Fazenda, se o mais que cortar passar de dez quintaes, incorrerá em pena de cem cruzados, e se passar de cincoenta quintaes, sendo peão, será açoutado, e degradado por des annos para Angola, e passando de cem quintaes morrerá por elle, e perderá toda sua fazenda”[24]

O Código Civil de 1916 considerava duas classes de bens: os bens privados (primordiais) e os bens públicos (residuais). A natureza, nesse Código, é concebida, via de regra, como uma totalidade que não se encerra nessas categorias e é considerada coisa de ninguém[25].

Na tradição do direito brasileiro, dispunha o Código Civil de 1916, em seus arts. 65 e 66, que a res nullius não consistia em propriedade de ninguém, mas, por direito público, seria objeto de direito de uso do povo. Daí a tendência errônea em se conceber a ocupação como exercício de direito (público) a adquirir a propriedade[26]. A tradição reinícola, da qual derivou o Foral de Duarte Coelho, se manteve nesse Código de acentuado viés subjetivo e privatista, e veio a legitimar a ocupação dos bens ambientais em tudo aquilo que não contrariasse os interesses do Estado.

O bem ambiental poderia ainda, nesse Código, ser considerado, enquanto macrobem (como totalidade e não recurso natural), como bem público de uso comum do povo. É o que dispunha o art. 66, I, do Código Civil, ao prever que são bens públicos de uso comum do povo os mares, rios, estradas, ruas e praças. Segundo o art. 66, I, portanto, o titular do meio ambiente era o povo[27]. Tal disciplina não se alterou substancialmente no direito civil com o advento do Código Civil de 2002, que manteve substancialmente os mesmos dispositivos, em seus arts. 98 e 99.

A concepção de alguns bens ambientais como res nullius, como é notório, favoreceu a sua degradação. Imaginava-se a natureza como uma fonte inesgotável de bens (Foral de Duarte Coelho, “por bem da dita doação ir morar, povoar e aproveitar”) e os recursos naturais como livremente apropriáveis, sem que fosse preciso prestar contas a ninguém: aquele que primeiro se apossasse, assenhorear-se-ia das coisas.

Tal regime não oferecia nenhuma garantia de proteção e, não tendo os recursos naturais um preço, suas comodidades eram usufruídas privadamente por aqueles que dispunham de mais recursos, sendo os excedentes descartados na natureza – o que onerava a coletividade –, também sem quaisquer custos.

O status de res nullius opera, assim, como um indutor econômico à exploração predatória da natureza. O historiador e brasilianista norte-americano Warren Dean, em seu clássico livro “A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira[28], discorre, nos 15 capítulos que compõem sua obra, sobre a história das relações entre o homem e um dos mais importantes ecossistemas mundiais, a Mata Atlântica.

Sua avaliação, realizada através de um estudo pioneiro, perpassa as várias fases da interferência humana sobre esse ecossistema único, apontando as trágicas, e muitas vezes irreversíveis, consequências do processo.

Tal panorama, conforme mostra o autor, só começou a se modificar recentemente, com o movimento universal de conscientização ecológica, que tem induzido à criação de legislação de proteção e programas de reflorestamento, educação ambiental e manejo da floresta.

A continuada devastação do bioma Mata Atlântica acabou por reduzir sua constituição original a menos de 10% da área coberta originalmente, o que, independentemente de perdas relativas à sua fitofisionomia e diversidade zoológica, provocou também severas alterações climáticas e pedológicas, notadamente na região nordestina.

A efetiva proteção dos bens ambientais também não se configurou com precisão pelo fato de outros bens ambientais terem assumido, desde logo no direito brasileiro, uma estrutura publicística. Como visto no Foral de Duarte Coelho e no Regimento do Pau Brasil, o regime de proteção maior e valoração dos bens ambientais decorrente da dominialidade pública como bens de uso comum do povo destinou-se a facilitar uma maior e mais efetiva exploração econômica por parte da Coroa, degradando, igualmente, a natureza.

Como se nota, a patrimonialização (pública) carrega consigo paradoxos. Com ela se combate a apropriação desmedida dos recursos ambientais, mas somente na medida em que houver um controle social da implementação da gestão desses recursos naturais, uma vez que, do contrário, o Estado pode privilegiar a concentração de riquezas e impedir o acesso da população aos recursos ambientais[29].

A partir dos anos 80 do século XX, contudo, esse quadro patrimonialista e privatista assume uma configuração substancialmente diversa. A Constituição da República de 1988, em seu art. 225, qualifica o meio ambiente como um bem de uso comum do povo, um macrobem[30], ao disciplinar que: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

O artigo 2º, I, da lei n.º 6.938/81, atribui ao meio ambiente a qualidade de patrimônio público, ressaltando a sua dominialidade como pertencendo à sociedade e não aos indivíduos ou às pessoas de direito público interno, ou seja, como um bem público de uso comum.

Esse novo desenho institucional é pleno de consequências jurídicas. O bem ambiental pode ser conceituado agora como um direito difuso, de natureza pública e imaterial, que todos detêm em comum, inapropriável em termos de fruição individualizada, envolvendo uma relação de equilíbrio complexa, transtemporal (para as presentes e futuras gerações), cuja defesa é aberta à titularidade de toda a coletividade. A noção de ambiente é, assim, unitária e geral, e requer proteção jurídica, dado que sua conservação se considera fundamental para o desenvolvimento da pessoa.

Isso implica, inicialmente, uma superação do modelo de pensar hobbesiano – que é o nosso, de compreender a realidade a partir do sujeito –, que decompõe o sistema social numa perspectiva individualista e esquemática para, só então, reconstruí-lo a partir dos seus supostos elementos fundantes[31].

O pensamento dessa nova realidade do bem ambiental não pode deixar de ser um pensamento da complexidade, holístico, totalizante, atento a um esforço de compreensão multidimensional e de complexas interações. Há que se ultrapassar os princípios da física social hobbesiana (ordem, clareza, distinção e disjunção) – que constituem a ciência da simplificação e cujo paradigma domina o Ocidente. Em outras palavras, há que se superar a oposição entre homem e natureza, a disjunção entre sujeito e objeto, entre espírito e matéria[32].

A compreensão de complexas interações implica que se situe o foco da análise jurídica na totalidade, na interrelação entre o sistema interno (o direito) e o complexo ecossistema da relação homem/natureza/sociedade. Menezes Cordeiro, na introdução à obra de Canaris, ressalta essa correlação entre o subsistema jurídico e a totalidade, impondo modificações necessárias: 

“O Direito - qualquer Direito - depende de uma aprendizagem, sofrida pelos membros da comunidade jurídica; tal como a própria Moral, há sempre um ministrar de códigos de conduta, do qual depende a subsistência e a reprodução dos dados normativos.

Numa sociedade primitiva, de estruturação normativa simplificada, essa aprendizagem poderia ser ministrada de modo empírico, isto é, fazendo corresponder, em termos descritivos, às situações típicas da vida, determinadas consequências jurídicas. Atingido, porém, um determinado patamar de desenvolvimento social, a aprendizagem requer reduções dogmáticas, isto é, generalizações simplificadas que facultem a transmissão de conhecimentos crescentemente complexos. O fenômeno é perceptível, com clareza, no próprio Direito romano. O sistema externo, antes dispensável, adquire, em tais condições, um relevo crescente: só o seu manuseamento permite conhecer as conexões materiais internas do Direito. E deve-se ter presente que tais conexões, a serem desconhecidas, não integram a cultura nem são Direito.

O sistema externo torna-se necessário e imprescindível. E quando isso suceda, ele vai bulir, de modo fatal e compreensível, com o próprio sistema interno. O universo das realidades jurídicas, nas suas previsões e nas suas consequências é, pela natureza cultural, logo espiritual ou imaterial, do Direito, um conjunto de possibilidades linguisticamente descritas, relativizadas mesmo à própria linguagem utilizada. As cadeias linguísticas – mesmo quando não passem por estruturas materiais - vêm, afinal, a consubstanciar as conexões propriamente jurídicas: estas dependem daquelas, no seu conhecimento como na sua própria onticidade.

A ordenação exterior, imprimida à realidade jurídica com puras preocupações de estudo e aprendizagem, vai moldar, em maior ou menor grau, seja as próprias proposições jurídicas, seja o pensamento geral de que vai depender a sua concretização ulterior”[33]

Somente assim é possível integrar ao direito os problemas da qualidade de vida (e de sua partição justa), dos limites do crescimento (como crescer sem prejudicar a todos) da reconsideração da ideia de progresso, das hipercentralizações e das hiperconcentrações (megalópoles, gigantismo industrial, hipercentralização do Estado). Por exemplo, no que concerne à questão do desenvolvimento, é necessário basear a análise do desenvolvimento sustentável numa atitude diferente em relação ao tempo histórico.

Não se pode mais supor que este seja juridicamente sem validade, visto que hoje se consideram os direito da presente e futuras gerações. A temporalidade humana deverá ser congruente com a temporalidade da bioesfera e a temporalidade ética. Haverá que se fazer a correlação entre a incerteza ambiental e escolhas sociais[34], decidir-se a partição do justo.

Entramos, assim, em outro campo do direito quando falamos de bens ambientais: aquele que compreende o direito não como uma função de um poder do sujeito, mas o que o percebe como uma partição social, como a justa medida dos bens que existem para serem distribuídos, segundo o melhor processo heurístico para fazê-lo.

Consoante esses aspectos, é possível se estabelecer as características dessa categoria sui generis de bem, o bem ambiental. O meio ambiente é uma totalidade, nesse sentido se constitui, como vimos, num macrobem. Sua natureza é a de uma coisa comum a todos (communium ominium). Os bens ambientais[35] (“microbens”) como elementos que constituem o meio ambiente (macrobem), possuem a mesma natureza pública de uso comum (communes omnium). Logo, a dupla afiliação vai dar ensejo a um regime de responsabilidade igualmente duplo. Uma ação degradadora está provocando danos ao mesmo tempo ao macrobem e ao microbem, e a reparação deve ser de tal magnitude que possibilite a recuperação da res (ou das res) afetada individualmente e também do meio ambiente[36].

O meio ambiente é indisponível, ele não pode ser negociado. Sendo res omnium, não está na titularidade do poder público poder dispor dele. Deve-se ter, contudo, cuidado ao expressar essa característica. Sendo algo próprio ao interesse de todos, é claro que deverá atender a todos. Um número muito maior de indivíduos habitando a biosfera significará um novo nível de equilíbrio ambiental, por vezes, menor do que existia anteriormente.

Neste sentido, pressupor uma ordem de natureza significa dizer que o tempo é uma dimensão crítica das formas de reparação. Por isso, sendo a humanidade parte integrante da natureza, estando submetida às mesmas leis ecológicas de outras espécies, o que cabe preservar, para a sobrevivência e frutificação da espécie, é a manutenção dos grandes equilíbrios naturais e não de quaisquer espécies ou mesmo de certos ecossistemas.

Do mesmo modo, o horizonte temporal limita a linguagem daquilo que podemos considerar direito. Só pode ser inferida uma compensação naquilo que expresse um horizonte geracional previsível e necessário. Não se pode impor custos a uma sociedade por aqueles que sequer estão em uma perspectiva temporal exequível.

Outro aspecto relevante é a indivisibilidade e a não exclusão dos benefícios: o bem ambiental não pode ser dividido entre aqueles que o utilizam, não podendo ocorrer sua apropriação privada, devido ao caráter difuso da titularidade. Todos os indivíduos têm direito ao meio ambiente, até mesmo as gerações futuras[37].

Assim sendo, a complexidade do conceito de bem ambiental, seu caráter holístico, irão suscitar novas soluções de direito. Superado o entendimento do meio ambiente como res nullius e revelada a insuficiência da simples patrimonialização pública sem controle de gestão dos usos do bem ambiental, cabe agora repensá-lo a partir de seu escopo, de sua função, protegendo-o em vista de suas finalidades.

Estabelecidas essas categorias, estamos em condições de definir o que seja a função socioambiental da propriedade e como, a partir dela, podemos pensar a questão da compensação ambiental.

A palavra função, em Direito, tem sido usada em mais de um sentido. No entanto, há para ela uma acepção própria, um sentido nuclear, que, mais que outros, merece ser explorado. Existe função, em direito, quando alguém dispõe de um poder à conta de um dever, para satisfazer o interesse de outrem, isto é, um interesse alheio[38]. Assim, função é toda atividade (como conjunto de atos finalisticamente orientados) exercida no interesse geral ou no interesse alheio.

Deste modo, o proprietário do bem socioambiental, ou seja, daquele bem essencial para a manutenção da vida das espécies, exerce a função quando fica obrigado a um comportamento ativo, que envolve defender, reparar e preservar o meio ambiente. O proprietário não pode exercer o seu direito de forma contrária aos interesses da presente e das futuras gerações, causando danos à qualidade de vida e consequentemente ao próprio direito fundamental à vida[39].

A função socioambiental da propriedade está claramente contemplada nos arts. 225 e 170 da Constituição Federal. Consoante o art. 225, CF, todo bem considerado essencial para a manutenção da qualidade de vida deve ser especialmente preservado, exigindo-se do seu proprietário, medidas positivas e negativas para tanto, consubstanciando-se, assim, a função socioambiental da propriedade. Da mesma maneira, conforme o art. 170, CF, o uso da propriedade para finalidades econômicas deve se harmonizar com a preservação da utilização racional dos recursos ambientais: 

Função social e proteção ambiental passam a integrar o próprio conteúdo do direito de propriedade. O uso da propriedade no desenvolvimento de atividades econômicas

deverá, além de atender às necessidades particulares do proprietário, coadunar-se aos interesses da sociedade e harmonizar-se com a preservação dos recursos ambientais nela existentes. O direito à livre iniciativa da atividade econômica é limitado no interesse da coletividade e da utilização racional dos recursos ambientais[40]

É preciso conciliar, no exercício do direito de propriedade, vantagens individuais do proprietário e benefícios sociais e ambientais. Dessa forma, provê-se a uma justa distribuição de benefícios e encargos a partir do momento em que indivíduo e sociedade desfrutam das vantagens advindas da atividade econômica, entenda-se do uso da propriedade, ao mesmo tempo em que os encargos decorrentes do gozo dos benefícios sociais são distribuídos igualmente entre todos.

Dentre tais encargos estão as limitações à propriedade privada decorrentes do cumprimento de sua função social e do atendimento o princípio de defesa do meio ambiente. Essa noção coaduna-se à ideia de justiça social, citada no caput do art. 170, visto que John Rawls, ao referir-se aos princípios da justiça social, afirma que eles proverão a determinação de direitos e deveres das instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social[41].

O direito de propriedade, portanto, deverá ser exercido em função do direito de toda a coletividade a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este só merecerá tutela jurídica enquanto funcionalizar esse direito difuso de todos. Assim, se o exercício do direito de propriedade, através da construção de um grande empreendimento, causa um significativo impacto ambiental, tornando mais escassa a fruição do meio ambiente pela coletividade presente e pelas gerações futuras, exsurge para o proprietário o dever de compensação.

Isto porque, uma vez que as funções sociais da cidade são voltadas para atender os interesses do grupo social urbano de forma a garantir um meio ambiente sadio e condições dignas de vida estas guardam como um de seus caracteres a intensa litigiosidade oriunda da presença de variados complexos conflitos urbanos que surgem quando uma é antagonizada por outro, como, por exemplo, a preservação ambiental e a ocupação para moradia[42].

Razão pelo qual os institutos ao qual se submete a propriedade privada devem ser lidos a partir também dessa função ambiental de forma que cumpre sua função social quando utiliza de forma adequada os recursos naturais e garante a preservação do meio ambiente[43]. Isto inclui, por exemplo, as áreas de preservação permanente[44] que são necessárias para a preservação dos recursos hídricos, da estabilidade geológica e da biodiversidade, bem como, o bem estar da população humana.

Porém, o princípio da sustentabilidade surge como um questionamento à racionalidade e paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico negando a natureza, tornando-se necessário delimitar a noção de desenvolvimento sustentável com a subordinação dos objetivos econômicos ao funcionamento dos sistemas naturezas, também, se sujeita a parâmetros da qualidade de vida das pessoas, inclusive, com a busca por indicadores mais consistentes para a elucidação dessas questões[45].

Assim, amplia-se o entendimento que o desenvolvimento sustentável tem como sujeito central apenas a natureza, mas passa a ter o ser humano de forma que as políticas estatais a serem implementadas para garantir o desenvolvimento urbano devem ser voltadas não apenas a proteção do meio ambiente sadio, mas igualmente a eliminação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a justa distribuição dos bens e serviços urbanos capaz de garantir padrões dignos de vida na cidade[46]

“Nos países periféricos e com graves problemas de pobreza, desigualdade e exclusão os fundamentos sociais da sustentabilidade postulam a justiça distributiva como critério básico de política pública no caso de bens e serviços, e a universalização da cobertura no caso das políticas globais de educação, saúde, habitação e seguridade social.” (GUIMARÃES, Roberto P. A Ética da Sustentabilidade e a Formulaçaõ de Políticas de Desenvolvimento in: VIANA, Gilney; SILVA, Marina; DINIZ, Nilo (Orgs.) O desafio da sustentabilidade: um debate socioambiental no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001. p. 56-57). 

Por efeito, é necessária uma atuação positiva do Estado no atendimento da função socioambiental da propriedade privada, de maneira a garantir uma tutela efetiva do respectivo direito fundamental e garantir o meio ambiente equilibrado e as condições de vida digna[47]. Assim, demanda uma hermenêutica capaz de garantir o seu não reducionismo: 

“Os valores ambientais, ecológicos, de qualidade de vida, não são, no quadro da hipótese do Estado de Direito Ambiental, valores exclusivos nem excludentes, necessariamente prevalecentes, com dignidade hierárquica superior a qualquer outro objetivo fundamental constitucionalmente recebido.

Serão antes tarefas prioritárias, sim, mas plasmadas em normas constitucionais, que terão de ser integradas num horizonte plural (diversificado e intrinsecamente concorrente ou conflitante) de princípios rectrizes e de outras normas-fim, segundo um princípio de concordância prática, não compatível com quaisquer formas de reducionaismo” (RANGEL, Paulo Castro. Concentração, programação e Direito do Ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 22). 

A concretização do direito ao meio ambiente, portanto, não se limita a instituição de espaços destinados à proteção ambiental na cidade com a respectiva delimitação e implementação do regime jurídico legalmente estabelecido, mas igualmente através da regulação da propriedade privada, de forma a garantir um ambiente saudável essencial à condição adequada de vida.

Neste sentido, não é possível sustentar proteção ao meio ambiente e sustentabilidade da cidade mediante uma regulação da propriedade privada inadequada, que permita a exclusão de bairros e a segregação das comunidades de baixa renda sem necessária a integração das áreas excluídas aos centros urbanos[48].

Partindo da compreensão que as funções sociais da cidade correspondem na realidade interesses difusos uma vez que não é possível identificar quais sujeitos – proprietários, moradores, trabalhadores, migrantes – são afetados pelas atividades desenvolvidas na mesma[49] é inevitável que o meio ambiente sadio e a condição digna de vida enquanto fins dessas funções sociais da cidades não guardam entre si qualquer tipo de hierarquia, mas antes representam igualmente objetivos e valores a serem igualmente perseguidos e realizados de forma concomitante.

Concluindo, podemos dizer que, sob o influxo de uma ampla tutela pelo regime constitucional e infraconstitucional constitui o meio ambiente equilibrado um direito fundamental que se irradia sobre o sistema jurídico, atuando como vetor interpretativo de normas, categorias e institutos dentre os quais o direito à propriedade de forma a garantir que junto à sua função social contemple-se o conteúdo de proteção do meio ambiente saudável resultando na síntese de uma função socioambiental da propriedade rural e urbana.

Neste viés, o reconhecimento da funcionalização socioambiental sobrepuja a concepção liberal individualista das relações privadas impondo na regulação normativa ou administrativa da propriedade urbana, de forma a garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que garanta o bem-estar do cidadão e as condições de vida digna em uma cidade que atente as funções sociais determinadas pela Constituição.

 

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[1] VARELA, Laura Beck. Das propriedades à propriedade: construção de um direito. In: A reconstrução do Direito Privado. Org. Judith Martins-Costa. São Paulo: RT, 2002, p. 732-736.

[2] OPPENHEIMER, Heinrich. The Constitution of the Federal Republic of Germany. London: Stevens and Sons, Ltd., 1923, p. 213.

[3] “Arrivés à ce point de notre exposé, nous commençons a prendre conscience, plus nettement qu’on ne l’a encore fait jusqu’ici, de l’entrecroisement des droits et des devoirs, qui caractérise l’organisation juridique. C’est cet entrecroisement qui a abouti, chez les auteurs contemporains, à prendre pour base de leurs constructions la notion de la situation juridique plutôt que celle de droit subjectif. La situation juridique se présente à nous comme constituant un complexe de droits et de devoirs; or, c’est là une position infiniment plus fréquente que celle de droits existant à l’état de prérrogatives franches, ou de devoirs auxquels ne correspondrait aucun avantage”. ROUBIER, Paul. Droits subjectifs et situations juridiques. Paris: Dalloz, 1963, p. 52.

[4] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 121/122.

[5] “In sostanza, quindi, la proprietá non è piú soltanto un potere della volontà, un diritto soggettivo che spetta tout-court ad un soggeto, ma è ancor piú di una situazione giuridica soggetiva complessa”. PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problematica della proprietà. Camerino: Jovene, 1971, p. 101.

[6] PERLINGIERI, Pietro. Perfis... op. cit., p. 226.

[7] Idem, p. 231.

[8] LIMA, Getúlio Targino. A posse agrária sobre bem imóvel. São Paulo: Saraiva, 1992, p.42.

[9] FINNIS, John. Aquinas: moral, political and legal theory. Oxford: Oxford Universitary Press, 1998, p. 191.

[10] ZAVASCKI, Teori Albino. A tutela da posse na Constituição e no projeto do novo Código Civil. In: A reconstrução do direito privado. Org. Judith Martins-Costa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 844.

[11] MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 148. 

[12] FINNIS, John. Aquinas: moral, political and legal theory. Oxford: Oxford Universitary Press, 1998, p. 200.

[13]BESSONE, Darcy. Direitos reais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 52-53.

[14] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 1996.001.01195. 3ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Antonio Eduardo F. Duarte. Julgamento em 14 de maio de 1996. Ação reivindicatória. Cumulação com perdas e danos. Prova do domínio. Posse injusta caracterizada. Retenção por benfeitoria. Inadmissibilidade. Ausência de cerceamento de defesa e de julgamento "ultra petita". Denunciação da lide ao alienante. Descabimento. Apelos improvidos. O registro imobiliário prova o domínio e, sendo o imóvel devidamente individuado, procede a reivindicatória contra o terceiro que injustamente o detém, visto que tal ação deve ser proposta em face de quem quer que se oponha em antagonismo com o direito de propriedade, porquanto, na disputa entre a posse e a propriedade, prevalece o direito de propriedade (Codigo Civil, artigo 524). Evidenciada a invasão e a clandestinidade, justa não pode ser a posse, o que não autoriza a alegação de ignorância de se estar praticando o ato, para pretender o reconhecimento do direito de retenção por benfeitorias, inclusive em tais hipóteses, tanto mais quando já integrantes do bem imóvel reivindicado, assim como impõe-se aos invasores a obrigação de indenizar as perdas e danos decorrentes e pleiteadas. Nessas circunstancias, afastado fica o julgamento "ultra petita", como também, porque desnecessária a prova pericial, inocorre a alegação de cerceamento de defesa, descabendo, ademais, a denunciação da lide ao alienante, uma vez que não se acha presente a hipótese do artigo 70, inciso I do CPC.

[15] TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Função social da propriedade e legalidade constitucional: anotações à decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (AI 598.360.402 – São Luiz Gonzaga) Revista Direito, Estado e Sociedade. v. 09, n. 17, ago/dez de 2000, p. 48-49.

[16] TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 373.

[17] As virtudes anexas da justiça mandam pagar o que se deve a determinadas pessoas para com as quais se está obrigado por alguma razão especial. Da mesma maneira a justiça propriamente dita faz pagar a todos em geral o que lhes é devido. Após os três preceitos pertencentes à religião pelos quais se paga o que se deve a Deus; e após o quarto, que pertence à piedade, e que se faz pagar o que se deve aos pais e que inclui todas as dívidas procedentes de alguma razão especial; era necessário dar sequência aos preceitos relativos à justiça propriamente dita, que obriga a render indistintamente a todos os homens o que lhes é devido. AQUINO, TOMÁS DE. Suma Teológica. II. II. v. 6. São Paulo: Edições Loyola, 2005, p. 710.

[18] FINNIS, John. Direito natural em Tomás de Aquino: sua reinserção no contexto do juspositivismo analítico. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2007, p. 55.

[19] SODRÉ, Ruy Azevedo. Função social da propriedade privada. Tese de Doutorado em Filosofia do Direito. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: Empresa gráfica da Revista dos Tribunais, s/d., p. 169.

[20] “O proprietário do bem socioambiental, ou seja, daquele bem essencial para a manutenção da vida de todas as espécies e de todas as culturas, fica sujeito aos comportamentos apontados. Há um direito à preservação do bem, que é superior ao direito individual de propriedade. É o que chamamos de direito socioambiental de titularidade difusa. A proteção volta-se para o bem, pouco importando a sua titularidade no caso concreto. Por isso, o bem público está sujeito às mesmas regras do bem privado e os direitos socioambientais são exercidos sobre bens alheios. O bem socioambiental comporta dupla titularidade, a do próprio bem considerado materialmente e a sua representatividade em relação aos demais, compondo o chamado meio ecologicamente equilibrado. Teremos um direito de titularidade individual, o direito de propriedade, e o direito difuso para garantia socioambiental. Tais direitos devem conviver em harmonia”. LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário: análise do nexo causal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 82.

[21] São direitos difusos os direitos supra-individuais, que pertencem a um número indeterminado e praticamente indeterminável de pessoas, as quais não têm entre si nenhuma relação definida, encontram-se em uma mesma situação ligadas por circunstâncias de fato, muitas vezes acidentalmente. Por isso, se diz que seu objeto é indivisível, sua proteção beneficia a todos os indivíduos da sociedade e sua agressão prejudica a todos.

[22] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 255.

[23] MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Foral de Duarte Coelho. Tomo I. Rio de Janeiro: IHGB/Conselho Federal de Cultura, 1972, p. 125-126.

[24] Mendonça, Marcos Carneiro de. op. cit. p. 361.

[25] SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico: do patrimônio privado ao patrimônio ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

[26] FREITAS, Teixeira de. Esboço, art. 327, apud MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo II. Bens. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, 1954, § 150, 1.

[27] FREITAS, Teixeira de. Esboço, nota ao art. 331, in fine, apud MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo II. Bens. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, § 150, 3: “Ordenações Afonsinas, Livro II, Título 24, § 5: ‘Estradas e ruas pruvicas antiguamente usadas, e os rios navegantes e aqueles, de que se fazem os navegantes, se som cabedaaes, que correm continuadamente em todo o tempo, pero que o uso assy das estradas, e ruas pruvicas. como dos rios seja igualmente cõmuu a toda gente, e qualquer outra coisa animada, ficando sempre a propriedade dêles no Patrimonio Fiscal’; Ordenações Manuelinas, Livro II, Titulo 15, ‘Real’ em vez de ‘Fiscal’; Ordenações Filipinas, Livro II, Titulo 26, § 8, ‘Real’, em vez de ‘Fiscal’). Se o mar, ou o ar, ou ser semelhante, não é do território de nenhum Estado, é do Homem, ‘de todo o gênero humano’ (Manuel Borges Carneiro. Direito Civil de Portugal, IV, 3).

[28] DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

[29] SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico: do patrimônio privado ao patrimônio ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 65-66.

[30] De acordo com Antônio Herman V. Benjamin, o bem ambiental, enquanto objeto de interesse ambiental, é um “macrobem”, ou seja, gênero amplo, categoria única, global e abstrata que “[...] acolhe uma infinitude de outros bens [...] menos genéricos e mais materiais (microbens): a atmosfera, águas, o solo etc . BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 60.

[31] Um acontecimento que marca a obra de Hobbes é, sem dúvida, em definitivo, o reencontro com a ciência moderna. Primeiramente a descoberta de Euclides: Hobbes intenta seguir Euclides construindo o corpo político como a geometria constrói suas figuras, com a mesma lógica pura.

Depois o contato em Pádua, com Galileu e o método de Pádua: o famoso método denominado "resolutivo-compositivo", que procede pela análise das coisas em elementos primeiros, depois recompõe os fenômenos a partir desses elementos, o mecanismo que percebe a gênese dos fenômenos pelos movimentos de seus particulares. Também Hobbes tem a ambição de transportar esse método da física galileana para a filosofia civil e social (a moral e a política).

Deste modo, só pode ser da unidade primeira, o homem, e sua expressão de agir, o movimento, que se deve inferir a física social. É das necessidades inatas do homem, de seu conatus, do correspectivo instinto de conservação que se deve construir a explicação do arcabouço social.

Para Hobbes o indivíduo é o cerne da sociedade, o direito é concebido como uma função do sujeito (do equilíbrio entre a realização do seu conatus e o seu instinto de conservação) o que o leva a criar a sociedade civil que limite a luta de todos contra todos. Na sociedade civil, se constituirá, finalmente, do direito de cada indivíduo, um sistema de direitos subjetivos.

[32] PENA-VEJA, Alfredo. O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa. 2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 73.

[33] CANARIS, Claus-Wilhem. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. LXVII/LXIX.

[34] PENA-VEJA, Alfredo. O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa. 2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 97-98.

[35] Também denominados, nessa acepção de microbens, recursos naturais.

[36] BENATTI, José Helder. O meio ambiente e os bens ambientais. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney. O direito e o desenvolvimento sustentável. São Paulo – Petrópolis: Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005, p. 207.

[37] Idem, p. 207.

[38] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O desvio de poder. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 172, abr.-jun., 1988.

[39] LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário: análise do nexo causal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 82.

[40] CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003, p. 67.

[41] CAVEDON, Fernanda de Salles. op. cit. p. 68.

[42] SAULE JUNIOR, Nelson. Direito à cidade: trilhas legais para o direito das cidades sustentáveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 61.

[43] HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito urbanístico e função socioambiental da propriedade imóvel urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 127-128.

[44] BRASIL, Lei nº 12.651 de 25 de Maio de 2012. Art. 3º inciso II e 4.

[45] MOTA, Maurício. O conceito de natureza e a reparação das externalidades ambientais negativas. In: MOTA, Mauricio & TORRES, Marcos Alcino. Transformações do direito de propriedade privada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 19.

[46] SAULE JUNIOR, Nelson. Direito à cidade: trilhas legais para o direito das cidades sustentáveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 69.

[47] DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio ambiente e moradia: direitos fundamentais e espaços especiais na cidade. Curitiba: Juruá, 2012. p. 46-47.

[48] CARRERA, Francisco. Cidade sustentável: utopia ou realidade? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 54/55 e 57.

[49] SAULE JUNIOR, Nelson. Direito à cidade: trilhas legais para o direito das cidades sustentáveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 61.

 

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