A função judicante dos tribunais de contas

04/03/2023

Elenca o final do artigo 71, II, da Constituição Federal de 1988, quando ocorrer desvio de recursos ou prática de qualquer ato de que resulte dano ao erário, o responsável por esse ato deve ser julgado pelo Tribunal de Contas.

Tomando-se por parâmetro o Tribunal de Contas da União (TCU) pode-se dizer que são funções das Cortes de Contas: Função Fiscalizadora, Consultiva, Informativa, Judicante, Sancionadora, Corretiva, Normativa e de Ouvidoria, e em alguns casos assumem o caráter Educativo ou Orientador, tais funções muitas vezes são chamadas ou denominadas de competências.

Função Judicante – esta função ocorre quando do Tribunal de Contas da União julga as contas dos administradores públicos e outros responsáveis por dinheiro, bens, valores públicos da administração direta e indireta, incluindo das fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, assim como as contas dos que causaram prejuízos, extravios ou quaisquer outras irregularidades que venham a prejudicar o erário nacional. Através dos processos são organizados no Tribunal, as prestações de contas, fiscalizações e demais assuntos submetidos à deliberação do Tribunal. Portanto, cabe aos ministros ou auditores do Tribunal relatar esses processos, votar e submetê-los aos pares proposta de acórdão, logo após a análise e instrução preliminar realizada por órgãos técnicos da Secretaria do Tribunal. A esta função ficam os Tribunais de Contas autorizados a realizar o julgamento das contas anuais dos administradores e responsáveis pelo erário na Administração Pública.

O entendimento acerca da função jurisdicional ou meramente administrativa desempenhada pelos tribunais de contas no exercício das suas competências judicantes está relacionado, intimamente, ao próprio conceito de jurisdição adotado. Levando-se em consideração essa função judicante exercida pelos tribunais de contas, que o aproxima do Poder Judiciário na medida em que este possui como função típica julgar os conflitos que lhe são submetidos. Imagine-se o mesmo exemplo alhures, porém, aplicado a um caso de prestação de contas de uma autarquia, onde, portanto, existe atribuição judicante pelo Tribunal de Contas (art. 71, inciso II, da CF/88). Partindo-se da premissa de que há formação de um precedente administrativo, este terá força vinculante ou apenas efeito persuasivo? Nesta situação, o questionamento envolve a ponderação se o efeito vinculante do precedente administrativo precisa ser atribuído por lei, se é indicado no próprio decisum ou se é identificado pelo julgador quando diante de um caso concreto que demande a sua incidência. Sobre a questão, pensa-se que, assim como ocorre no caso do precedente judicial, a eficácia vinculante de determinados precedentes administrativos deve ser atribuída por lei, justamente pela submissão da Administração Pública ao princípio da legalidade.

A função judicante exercida pelos tribunais de contas, que o aproxima do Poder Judiciário na medida em que este possui como função típica julgar os conflitos que lhe são submetidos, é que a figura do precedente administrativo, tema pouco explorado pela doutrina brasileira diferentemente do que ocorre com o direito estrangeiro, em especial, o Direito Espanhol, foi associada às Cortes de Contas.

Com efeito, nas situações em que as Cortes de Contas não exercem função judicante, como nas prestações de contas anuais dos Chefes do Poder Executivo, onde há emissão de um Parecer Prévio que será posteriormente encaminhado ao Legislativo, não há que se falar em formação de precedentes administrativos, quiçá de natureza vinculante. Há, contudo, que se destacar, que o efeito vinculante do precedente administrativo precisa ser atribuído por lei, justamente pela submissão da Administração Pública ao princípio da legalidade, não sendo diferente o respeito a essa exigência quando esta atua com roupagem judicante.

A fundamentar o entendimento de que o Tribunal de Contas exerce função jurisdicional está o argumento de que a competência de “julgar”, constante da letra do art. 71, II, foi investido, ainda que parcialmente, de jurisdição específica de julgam as contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos. E se assim se não considerasse, de modo a permitir que após a decisão definitiva da Corte de Cortas pudesse ser revista pelo Poder Judiciário, tratar-se-ia de um órgão inócuo. Neste sentido, a lição de Miguel Seabra Fagundes para quem “ a função judicante não decorre do emprego da palavra julgamento, mas sim pelo sentido definitivo da manifestação da Corte, pois se a irregularidade das contas pudesse dar lugar a nova apreciação (pelo Judiciário), o seu pronunciamento resultaria em mero e inútil formalismo”.

 

Notas e referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição /constituição.htm>. Acesso em: 27 de fev. de 2023.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/inicio/>. Acesso em: 27 de fev. de 2023.

FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, p. 142, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

 

 

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