A federação e os entraves na gestão ambiental: o problema jurídico constitucional da repartição de competência legislativa em matéria ambiental – Por Wagner Carmo

05/03/2017

Um dos temas mais conflituosos em matéria ambiental é a repartição de competência, tanto pelo aspecto administrativo quanto pelo aspecto legislativo, revelando a dificuldade do Brasil em se organizar enquanto federação.

Paulo de Bessa Antunes destaca que o problema jurídico-constitucional mais complexo em matéria ambiental é a repartição de competências entre os entes que integram a federação brasileira.  (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009).

A repartição de competências é, ao mesmo tempo, pressuposto da federação é problema para os entes federados, sendo que as tentativas de interpretação, normatização e resolução quando existem, ainda são obscuras e frágeis.

Tratando-se de competência legislativa em matéria ambiental, a tentativa inicial de resolução do problema foi o estabelecimento da competência a partir do principio da predominância de interesse ambiental, segundo a organização político-administrativa prevista no art. 18 da Constituição Federal de 1988. Vladimir Passos de Freitas aborda que “em que pesem as dificuldades para discernir o que é interesse nacional, regional e local, o assunto ainda é pouco enfrentado pela doutrina e pelos tribunais”. (FREITAS, Vladimir Passos de. A CF e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: RT, 2000).

Antunes (2009) argumenta que “por incrível que possa parecer, verifica-se, mais uma vez e sem muita dificuldade, que diversas das matérias que integram a competência privativa da União estão, concomitantemente, arroladas nas competências comum e concorrente dos diversos formadores da Federação.”.

Na mesma linha de pensamento, Freitas (2000) observa que é “inegável a existência de disputa de poder entre os órgãos ambientais fazendo com que normalmente, mais de um atribua a si mesmo competência legislativa e material.”.

A existência de disputa entre os entes da federação nasce da ausência de regulamentação adequada do parágrafo único do art. 23 (já que a Lei Complementar n.º 140/2012 é lacunosa) e, do parágrafo quarto do art. 24, ambos da Constituição Federal de 1988.

Antunes (2009) compreende que “todo problema ou pelo menos parte dele, jurídico-constitucional relativo à repartição tem origem bem demarcada nas omissões do Congresso Nacional que não disciplina, por leis próprias, as matérias relativas à repartição de competência, e com isso, reforça o seu próprio papel político em detrimento de Estados e Municípios.”.

Como solução ao problema, políticos e juristas buscam a formação de um pacto federalista. Por pacto federalista, Antunes (2009) entende ser “um amplo acordo entre os entes federados quanto ao exercício das competências de cada um” em matéria ambiental.

Antunes (2009) assevera que a omissão legislativa na edição de norma geral (art. 24, §4º) inviabiliza o “pacto federativo”. Ao contrário, o que se tem verificado é uma forte tendência da União em criar políticas nacionais, às vezes de constitucionalidade duvidosa e que, em diversas oportunidades tem sido recebida pelo ordenamento jurídico como se fossem “normas gerais”. O resultado prático é o entrave na execução de políticas ambientais decorrente da centralização de poder na União e da submissão dos Estados e dos Municípios.

Há, também, uma dificuldade na compreensão do que seja federação. Sobre federação entende-se a união ou a aliança entre Estados. A perspectiva decorrente de uma união entre entes estatais, ainda que singela, pressupõe conceber a intelecção de concentração ou desconcentração política, administrativa e legislativa ou, em ultima análise, de concentração ou desconcentração do poder político.

Nos Estados Unitários, o poder político, administrativo e legislativo é concentrado; hipótese em que o Estado procura realizar suas finalidades e objetivos de forma direta, sem intermediários. Nestes casos, o poder político, administrativo e legislativo, está concentrado em um único núcleo de Poder.

Ao contrário, nos Estados Federados o poder é descentralizado em núcleos e a descentralização pode implicar em renuncia ou retirada de competências de um centro de poder para transferi-las a outro, constituindo novos centros de poder administrativo, legislativo e político.

Augusto Zimmerman argumenta que a primeira e mais complexa característica da criação da federação no Brasil é o fato de que tenha surgido pela necessidade da instalação de uma federação e não, necessariamente, pela oposição ao regime monárquico e a forma de Estado Unitário. (ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.).

Dalmo de Abreu Dallari estudando e comparando a forma de criação da federação dos Estados Unidos da América com a formação da federação do Brasil, comenta que para se compreender claramente o sentido e a diferença, basta comparar o processo de criação do Estado Federal em duas situações bem distintas. Quando se promoveu a criação do Estado norte-americano, o país estava organizado em treze colônias independentes e soberanas e, através da federação surgiu a União, expressão de uma unidade, representando a criação de um poder central com autoridade sobre as traze colônias, mas, ao mesmo tempo, preservando a individualidade de cada uma delas. Portanto, houve ai, um movimento centralizador, enquanto que no Brasil ocorreu o inverso e se caracterizou por um movimento descentralizador, a saber:

Partiu-se da existência de uma unidade com poder centralizado e se distribuiu o poder político entre várias unidades, sem eliminar o poder central. Cada uma dessas unidades, que era apenas uma subdivisão administrativa chamada Província, recebeu uma parcela de poder político e a afirmação formal de sua individualidade, passando a denominar-se Estado. (DALLARI, Dalmo de Abreu. O estado federal. Series Princípios. São Paulo: Ática 1986.).

O modelo de federação adotado no Brasil é explicado, modernamente, pelo denominado critério hierárquico. Dallari (1986) explica que tanto na prática quanto na teoria há o reconhecimento de que, em determinadas circunstâncias, prevalece o poder federal em detrimento dos demais entes federados.

Nas Constituições mais recentes a supremacia do poder federal vem sendo estabelecida de modo indireto. Embora mantendo formalmente a equivalência entre os poderes da União e dos Estados membros, faz-se de tal modo a fixação e distribuição das competências que resulta clara e incontornável a superioridade do poder federal.

Decorre da premissa a existência de federações desequilibradas, que seriam aquelas em que, mesmo sem estabelecer formalmente uma relação hierárquica, fixa-se a superioridade da União através da atribuição de competências legislativas e administrativas.

No Brasil, a superioridade federal, no que cinge as competências legislativas, resulta na concentração de atribuições de recursos financeiros à União.

Em relação ao meio ambiente, a questão é mais complexa, pois, a União pelos artigos 23 e 24 da Constituição Federal “distribuiu” a competência de proteção do Meio Ambiente entre os entes federativos, entrementes, manteve sob seu julgo o poder de regulamentação do “pacto federal”.

Celso Antônio Pacheco Fiorillo, ao comentar a concentração de competência legislativa em matéria ambiental, assim escreve:

Em linhas gerais, podemos concluir que a competência legislativa em matéria ambiental estará sempre privilegiando a maior e mais efetiva preservação do meio ambiente, independentemente do ente político que e realize, porquanto todos receberam da Carta Constitucional aludida competência (arts.24, V, VI e 30, II). (FIORILO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

A ampla outorga legislativa em matéria ambiental, sem cravar o “pacto federal” pela edição de regras de regulamentação dos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, acabou por criar um paradoxo à gestão ambiental, já que, ao permitir que todos os entes da federação administrem as políticas ambientais acabou por dificultar a tarefa de discernir qual a norma administrativa e de qual ente da federação é a mais adequada a uma determinada situação. Trata-se, conforme leciona Antunes (2009), de “uma verdadeira ‘armadilha’, visto que, na prática, a atribuição de todos acaba se transformando na atribuição de ninguém.”.

A efetividade da proteção ao meio ambiente exige o equacionamento das dificuldades geradas pela repartição de competência em matéria ambiental e, também, pela revisão do modelo do federalismo brasileiro. A propósito, FERRERI (1995, apud, ZIMMERMANN, AUGUSTO, 2002), destaca que “não resta dúvida de que as profundas desigualdades do desenvolvimento entre os Estados, peculiaridade da realidade econômica brasileira, demandam a necessidade imediata de mudanças no federalismo nacional”.


 

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