No próximo 18 de outubro de 2017, será retomado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3239/04) contra o Decreto 4.887/03. O referido Decreto regulamenta os procedimentos para delimitação, demarcação e titulação dos territórios quilombolas, conforme assegurado pelo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988.
Na arena da disputa política a ADI 3239/04 é mais um instrumento orquestrado pela bancada ruralista/conservadora e seus apoiadores contra os direitos territoriais das comunidades quilombolas. A contestação da constitucionalidade do Decreto 4.887/2003 impetrada pelo já extinto Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM) escancara a solidez do projeto racista da elite aristocrática brasileira que encontra perfeita ressonância em todas as esferas institucionais do Estado. Apontamos o racismo institucional como obstáculo deliberado, ancorado sobretudo na negação pelo Estado brasileiro da autoaplicabilidade direta do Artigo 68.
A votação da ADI 3239/04, que se arrasta há mais de uma década, é um momento de apreensão, pois nossos direitos serão julgados pela “casta” dos principais interessados em negá-los. A ironia da farsa da justiça democrática é o fato de se admitir que se coloque em xeque direitos constitucionais garantidos, com o intuito de atender os interesses e caprichos da bancada ruralista e os interesses neoliberais. Afinal, a judicialização de questões envolvendo os direitos quilombolas faz parte da estratégia de perpetuação da dominação político-econômica das “genealogias” aristocráticas beneficiárias tanto da escravidão, quanto da estrutura de Estado.
Sim, são os herdeiros da elite escravocrata, brancos, racistas, corruptos, sanguinários, homofóbicos, supremacistas, misóginos, que historicamente nos perseguem, sedosos de ferir nossa carne, dizimar nossas vidas e usurpar nossos direitos, mesmo que estes ainda sejam mínimos. Os grandes latifundiários são e/ou estão assentados no executivo, legislativo e judiciário brasileiro, essa tríplice aliança, em associação com o setor privatista tem se articulado para criar obstáculos que flexibilizem nossos direitos.
O questionamento do decreto 4.887/2003, faz com que aqueles que nos ameaçam se sintam autorizados a puxar o gatilho, consente o massacre, assassinatos de quilombolas, ameaça iminente de novos deslocamentos compulsórios, reintegração de posse de forma indevida e demais formas de violência e intimidação às quais estamos sendo submetidos. Deliberadamente, o Estado brasileiro é o próprio promotor de um projeto violento e genocida contra o povo negro e dos povos e comunidades tradicionais. Que pese sobre o Estado a responsabilidade pelo etnocídio das comunidades quilombolas e povos indígenas.
É dever do Estado brasileiro a titulação definitiva dos territórios quilombolas. Sem a garantia e efetivação da titulação de territórios coletivos, nossa reprodução cultural, política, econômica, social e física está seriamente comprometida. A ancestralidade, o território de pertencimento e a identidade estão coadunados, assegurar os direitos territoriais é garantir a vida, autonomia e possibilidade de projetos futuros. A ADI 3239/04 cria precedentes que paralisam ou dão morosidade aos processos de titulação, acirrando conflitos, causando insegurança, inclusive no tocante a outros direitos que timidamente começamos a experimentar .
A votação no dia 18, será mais uma das muitas batalhas que enfrentaremos, no entanto, reafirmamos que estamos firmes, continuaremos a nos autodeclarar quilombolas, reafirmar nossa identidade e defender nossos territórios de pertencimento. Nós resistimos, resistimos e resistimos, sem temer, com a vitalidade de nossos ancestrais e acreditando no fruto de nossas lutas coletivas. Precisamos reavivar nosso sentimento do “Quilombismo” enquanto movimento político contra o racismo e todas as formas de discriminação. Quilombo é toda organização que subverte a ordem do heteropatriarcado, que luta por justiça social, igualdade de direito, respeito às diferenças e contra o capitalismo autoritário.
Sigamos com passos firmes e atentos, pois esse modelo de política/justiça partidária, falido e opressor vai sucumbir e nossos “movimentos” podem ser um indicativo para experimentarmos um sentido de “justiça” e “democracia” que respeite nossos modos de ser, fazer e viver.
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