A expatriação de trabalhadores brasileiros na última década e a perspectiva de mudanças em virtude do Projeto de Lei nº 3.801/2019

05/11/2019

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

A expatriação de trabalhadores brasileiros sempre propiciou campo fértil para as mais variadas discussões jurídicas, especialmente no tocante à legislação aplicável ao contrato de trabalho executado no exterior e ao próprio procedimento de ordem prática a ser adotado quanto aos pagamentos devidos pelo empregador.

Pela expressão expatriação, entende-se o ato de propiciar que um determinado empregado, originariamente contratado ou residente no Brasil, venha a trabalhar no exterior, seja por via de transferência (remoção, cessão e alocação) ou de contratação direta (originária) por empresa estrangeira com laços societários no Brasil. Expatriado, portanto, é o empregado ou trabalhador que se submete a este procedimento.

O tema é atualmente regulamentado pela Lei nº 7.064/1982, também conhecida popularmente como “Lei do Expatriado”, a qual trata sobre a “situação de trabalhadores contratados ou transferidos por seus empregadores para prestar serviços no exterior” e que, em razão da adoção de termos vagos ou da ausência de clareza sobre alguns de seus tópicos, sempre ensejou diversas discussões perante o Judiciário Trabalhista brasileiro.

O texto original do referido diploma previa, inicialmente, que a lei destinava-se a tratar da situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos ao exterior por empresas prestadoras de serviços de engenharia, restringindo, assim, a aplicação de seus termos apenas à referida classe, o que, posteriormente, foi alterado pela Lei nº 11.962/2009, quando a lei passou a estender sua abrangência para quaisquer trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para trabalhar no exterior, independentemente do ramo de atuação.

No entanto, com o passar do tempo, tem havido muita confusão quanto à aplicação de certos dispositivos da Lei do Expatriado, justamente porque sua essência e propósito original acabaram se perdendo, gerando impactos até hoje perceptíveis quando se fala do assunto.

Fazendo breve escorço histórico sobre o surgimento da referida lei, Roberto Baronian relembra que ela surgiu para regulamentar uma situação bastante específica vivenciada no início da década de 1980, consistente no crescente êxodo da força de trabalho brasileira relacionada aos serviços de engenharia, transferida para países da África e da América Latina para trabalhar em grandes obras de infraestrutura[1].

A grande preocupação social e, assim, a intenção legislativa existente à época, era no sentido de proteger a força de trabalho brasileira ligada a esse fenômeno, evitando que a legislação de proteção mínima deixasse de ser aplicada e que a situação desses trabalhadores ficasse ao total alvedrio das grandes construtoras nacionais, que passavam a se projetar no cenário global.

Essa preocupação era (e ainda permanece), de fato, legítima, já que, em linhas gerais, não seria nada prudente, sob o ponto de vista jurídico-social, conceber a ideia de que a força de trabalho brasileira fosse arregimentada e explorada por empresas brasileiras em condições de menor competitividade (fora do cenário brasileiro) ou, ainda, em países cuja legislação mínima de proteção ao trabalho não tivesse aplicação, gerando desequilíbrio e precarizando condições laborais.

No entanto, não se pode negar que, de uma condição específica e bastante pontual, ao longo dos anos a Lei do Expatriado fora inadvertidamente ampliada, inicialmente pelo Judiciário Trabalhista e, depois, por lei, para abranger praticamente toda e qualquer condição em que, por algum motivo, trabalhadores com origem no Brasil venham a se estabelecer e trabalhar em território estrangeiro, independentemente do tipo de serviço prestado.

E, neste contexto, não é demais dizer que essa ampliação, sob pretexto de proteger o processo de exportação do trabalho brasileiro, acabou por prejudicá-lo, sobretudo ao longo dos últimos dez anos, desde a alteração promovida pela Lei 11.962/2009, dificultando a internacionalização de empresas brasileiras e a colocação do profissional brasileiro no mercado internacional.

Não se pode negar que o contexto macroeconômico do Brasil, aliado à globalização e às interações internacionais cada vez mais facilitadas pela revolução digital, revelam que o cenário hoje existente é muito distinto daquele dos idos da década de 1980, que motivou a criação da Lei do Expatriado. Hoje, por exemplo, o Brasil figura dentre os maiores exportadores globais de commodities agrícolas, tais como soja[2] e milho[3], o que traz consigo a necessidade de estruturação de representações empresariais em outros países e, consequentemente, de estabelecimento de força de trabalho que extrapola as fronteiras nacionais.

Também não se pode deixar de lado a condição de muitas empresas multinacionais, com sede no Brasil ou no exterior, que necessitam desse intercâmbio de profissionais no intuito de garantir a padronização de operações e a excelência técnica na condução das atividades.

Esse cenário de globalização empresarial demanda, cada vez mais, uma percepção aguçada de que o tratamento das condições de trabalho não pode ser de tal forma fragmentado, a ponto de exigir que determinados empregados, compartilhando a mesma realidade e local de trabalho, sejam tratados de forma desigual apenas por terem país de origem distinto, sob pena de gerar verdadeiro colapso na gestão trabalhista dessas pessoas e, mais do que isso, de fomentar a discriminação e o desestímulo à contratação ou alocação internacional de profissionais brasileiros.

Ao mesmo tempo, e de forma totalmente paradoxal, o Brasil vem sofrendo internamente com a alta nos índices de desemprego e tentando sair de uma crise que atingiu tristes recordes nos últimos três anos, revelando que a economia interna não tem sido capaz de prover pleno emprego à força de trabalho brasileira.

Ponderando esse contexto sob a ótica da Lei do Expatriado, tal como se apresenta, o que percebemos é uma tentativa em vão de proteger a força de trabalho brasileira da exploração em nível internacional quando, em paralelo, nem mesmo o cenário brasileiro é capaz de apresentar soluções para as crises que vêm sendo vivenciadas.

Dentre muitos fatores passíveis de crítica existentes na Lei do Expatriado, alguns podem ser apontados como principais quando se trata de descompasso com o que deveria ser o interesse brasileiro em termos de internacionalização e oferta de oportunidades aos seus trabalhadores. E, certamente em decorrência da identificação de tais pontos críticos, bem como do reconhecimento da necessidade de mudança desse cenário, tramita perante o Congresso Nacional um projeto de lei, de autoria do ex-Senador Armando Monteiro, o qual teve início como Projeto de Lei do Senado (nº 138/2017) e, perante a Câmara dos Deputados, ganhou o número 3.801/2019.

O referido projeto propõe alterações substanciais em determinados pontos da Lei do Expatriado, a fim de adequá-la ao cenário de contratações atualmente existente em âmbito global. Com o objetivo de demonstrar as principais mudanças que se pretende implementar, apresentaremos a seguir os pontos mais críticos atualmente existentes na Lei do Expatriado, fazendo a devida correlação com o cenário proposto pelo PL nº 3.801/2019.

 

Sobre a legislação aplicável ao contrato de trabalho do expatriado

Atualmente, a Lei do Expatriado prevê, em seu artigo 3º, inciso II, que, nos casos de transferência, a empresa contratante ficará responsável por garantir a aplicação da legislação brasileira, sempre que essa se apresente mais favorável do que a legislação do local da execução do contrato de trabalho, no conjunto de normas e em relação a cada matéria.

Na prática, essa previsão faz com que, em muitos casos de expatriação, a legislação trabalhista brasileira desponte como a que deve ser aplicada, já que o Brasil apresenta ordenamento jurídico trabalhista que pode ser comparado ao de muitos países desenvolvidos no que diz respeito a garantir direitos e proteção aos trabalhadores, sendo mais protetivo, por exemplo, do que países de cultura neoliberal e/ou que baseiam seu sistema jurídico essencialmente nos costumes e contratos, tais como os Estados Unidos da América e a Inglaterra[4].

Ocorre que, como regra geral, derivada inclusive de tratado internacional ratificado pelo Brasil (Convenção de Direito Internacional de Havana – Código de Bustamante) e que ingressou em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 18.871/29, a lei aplicável às relações de trabalho é aquela de onde ocorre a prestação de serviços, independentemente do local da contratação[5]. Essa previsão consagra o chamado princípio da lex loci executionis que, inclusive, chegou a ser objeto da Súmula de nº 207[6] do Tribunal Superior do Trabalho (TST), editada em 1985, porém cancelada em 2012.

A nosso ver, apesar do cancelamento da referida Súmula, não se derrogou o princípio da lex loci executionis, até mesmo porque o código de Bustamante e o Decreto 18.871/29 continuam plenamente em vigor. De acordo com as discussões que envolveram o cancelamento da mencionada súmula, percebe-se que os então Ministros do TST optaram por não generalizar a aplicação da lex loci executionis, justamente em razão das previsões existentes na Lei do Expatriado, haja vista ser evidente que seu teor conflitava com tal dispositivo legal, o qual expressamente previu uma exceção ao referido princípio.

Todavia, há aqui que se relembrar que o âmbito de aplicação inicialmente imaginado pela Lei do Expatriado era aquele no qual engenheiros ou trabalhadores ligados a serviços de engenharia estavam sendo transferidos para trabalhar em países, em sua maioria, de condição precária ou menor proteção laboral e que, por isso, justificava-se a exceção ao princípio geral da territorialidade. Esse cenário, como já visto, passou por grandes alterações que, atualmente, já não demandam esse tipo de previsão.

Hoje, é crescente a demanda por mão de obra especializada ligada à consultoria ou até mesmo gestão empresarial em nível internacional. O cenário encontrado é de um número cada vez maior de empresas brasileiras interessadas em expandir sua atuação internacional e, para tanto, projetam o envio de executivos de médio e alto escalão, altamente capacitados, ou, ainda, multinacionais que desejam contar com essa força de trabalho brasileira também no exterior, as quais, em ambos os casos, encontram grande dificuldade para conciliar o interesse empresarial com o aspecto prático e jurídico envolvido na operacionalização da expatriação.

A manutenção da aplicação irrestrita da legislação brasileira ao expatriado impede, muitas vezes, que certas condições de razoabilidade sejam aplicadas. Por certo, o aspecto da adaptação financeira e cultural do trabalhador em país estrangeiro exige sejam revistos não apenas seu patamar remuneratório, mas também todo o leque de benefícios assistenciais concedidos pelo empregador. E essa conta de chegada nunca é fácil, tornando-se, por vezes, impossível, dada a exigência de manutenção da aplicação da lei brasileira.

Países como os Estados Unidos da América, por exemplo, detêm em sua cultura a prática de oferecer remuneração variável composta por bonificações que ultrapassam o próprio salário anual dos empregados. Todavia, essa bonificação visa o engajamento e retenção de talentos, sendo desvinculada do salário, retirando a obrigação de o empregador proceder ao cálculo e pagamento de todos os reflexos sobre as demais parcelas trabalhistas (tais como férias e 13º salário), recolhimentos fundiários (FGTS) e previdenciários (INSS).

Já no Brasil, com exceção das hipóteses nas quais a lei expressamente prevê que a parcela paga pelo empregador não possui natureza salarial, a exemplo de prêmios, abonos e da participação nos lucros e resultados, todas as demais quantias pagas pelo empregador com o objetivo de recompensar o empregado são tidas como salário e, assim, impactam sobremaneira no valor final a ser desembolsado pela empresa.

Trazendo essa distinção cultural e de sistemas jurídicos para o contexto da expatriação, torna-se fácil perceber que muitas empresas, acreditando na aplicação do princípio da territorialidade, concedem ao trabalhador expatriado, em território estrangeiro, o mesmo tratamento concedido aos demais trabalhadores daquele local, mas, depois, acabam sendo obrigadas a pagar todas as diferenças dos reflexos previstos na lei brasileira. Some-se a isso a questão das diferenças de câmbio da moeda que, em algumas hipóteses, multiplicam exponencialmente os custos para o empregador.

Outras questões como forma de aquisição e gozo de férias anuais, limites de jornada de trabalho e aviso prévio também costumam gerar muita discussão nos cenários de expatriação, já que os países que recebem trabalhadores brasileiros quase nunca apresentam as mesmas regras e, assim, as unidades empresariais que recebem o expatriado não conseguem promover a adequada adaptação em suas rotinas.

Essa insegurança jurídica, por via de consequência, acaba desestimulando o envio de trabalhadores brasileiros ao exterior e propiciando que o mercado internacional permaneça fechado ou pouco explorado pelas empresas brasileiras.

O PL nº 3.801/2019 propõe alterar o atual artigo 3º, da Lei do Expatriado, para restabelecer o princípio da lex loci executionis, estabelecendo expressamente que “às relações decorrentes do contrato de trabalho será aplicada a legislação do local de execução dos serviços”. A única exigência feita pelo PL é a de que os recolhimentos e contribuições para o FGTS, INSS e PIS/PASEP continuem a ser feitos no Brasil, o que já existe na Lei vigente.

Diante de todo o cenário exposto acima, a iniciativa vem em boa hora para trazer maior segurança jurídica às empresas brasileiras ou mesmo estrangeiras que desejem ter em seus quadros, no exterior, trabalhadores brasileiros, dispondo que nenhuma parcela trabalhista prevista na legislação brasileira, com exceção dos recolhimentos já mencionados (FGTS, INSS e PIS/PASEP), deverá ser paga ao expatriado, enquanto perdurar a expatriação.

Essa garantia permitirá que as empresas possam efetivamente adaptar o expatriado à cultura e gestão locais, inclusive em respeito ao tratamento isonômico que deve ser conferido aos trabalhadores.

 

 

Sobre o status do contrato de trabalho brasileiro e a base de cálculo dos recolhimentos

Em linha com o tópico anterior, é importante destacar que, atualmente, muito também se discute se as hipóteses de expatriação por transferência acarretam ou não a suspensão do contrato de trabalho até então executado no Brasil.

A grande relevância dessa discussão consiste em definir o status do contrato de trabalho que remanesce no Brasil, bem como sobre qual deve ser a base de cálculo a ser considerada para a manutenção dos recolhimentos de FGTS e INSS, os quais, repita-se, são requisitos legais[7] e assim pretendem ser mantidos pelo PL nº 3.801/2019.

Especificamente sobre a suspensão do contrato de trabalho brasileiro, a Lei do Expatriado atualmente vigente é omissa, já que não dispõe sobre as consequências e medidas a serem adotadas no tocante ao contrato até então executado no Brasil, quando se define a expatriação do empregado.

Esse cenário propicia fértil discussão no judiciário, haja vista que muitas empresas, por entenderem ter havido suspensão do contrato de trabalho brasileiro e, assim, suspensão de todas as obrigações decorrentes deste, deixam de proceder ao recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS, bem como deixam de pagar as parcelas previstas na lei brasileira que não são replicáveis no local onde o expatriado encontra-se trabalhando, tais como 13º salário e férias acrescidas do terço constitucional.

Outras, por sua vez, mantêm apenas o recolhimento de FGTS e INSS sobre um valor “virtual” ou fictício de salário, em “folha espelho”, muitas vezes fixado sem qualquer critério no momento da transferência do expatriado, apenas para dar cumprimento ao previsto no artigo 4º e seus parágrafos[8], da Lei do Expatriado, o qual exige unicamente seja observado o salário mínimo aplicável à categoria profissional a que pertence o expatriado, bem como os reajustes compulsórios previstos na legislação ou normas coletivas.

O Judiciário, ao analisar essas hipóteses, tende a decidir pela ausência da suspensão do contrato de trabalho brasileiro, sobretudo quando as empresas mantêm recolhimentos e pagamento de benefícios ao empregado no Brasil, tais como planos de previdência privada.

Como consequência, julgados analisados a título exemplificativo dão conta de que a integralidade do valor recebido pelo empregado, no Brasil ou fora dele, deve servir de base de cálculo para todas as parcelas trabalhistas previstas na lei brasileira, dos recolhimentos fundiários e previdenciários[9].

O PL nº 3.801/2019 propõe o encerramento dessa discussão ao dispor que, nas hipóteses de transferência, haverá a suspensão do contrato de trabalho no Brasil e, com exceção da manutenção de recolhimentos e contribuições para o INSS, FGTS e PIS/PASEP, dispõe expressamente que nenhum outro encargo trabalhista ou previdenciário será devido em razão da transferência, fixando, por fim, que a base de cálculo dos encargos obrigatórios “será exclusivamente o salário-base pago no Brasil à época da transferência”, o qual deve ser atualizado pelos reajustes aplicáveis à categoria durante o período de expatriação.

Dessa forma, pretende-se alcançar a completude da norma, sem deixar margem para interpretações que visem apenas a resolução casuística, mas, sim, com o objetivo de transparecer que o Brasil tem procurado se alinhar às dinâmicas globalizadas de contratação e gestão do trabalho, sem abrir mão da proteção mínima necessária.

Além disso, o PL n° 3.801/2019 também inova ao prever a possibilidade de rescisão independente do contrato de trabalho brasileiro, caso haja transferência em caráter definitivo do expatriado ao exterior, hipótese até então inexistente na Lei do Expatriado.

Segundo a previsão proposta, a transferência que contar com mais de três anos poderá ser reconhecida como transferência definitiva, se assim acordarem o empregador e o empregado, sendo certo que essa hipótese levará à extinção do contrato de trabalho brasileiro, “com o pagamento de todos os direitos inerentes à rescisão contratual e consequente conversão da transferência em contratação definitiva pela empresa no exterior ou pela sucursal da empresa brasileira constituída no país da prestação de serviços”.

Para essa hipótese, o PL também prevê que o empregado, uma vez contratado definitivamente no exterior, como empregado local, deixará de ser segurado obrigatório no Brasil, encerrando-se, assim, as contribuições para o INSS e, consequentemente, a contagem do tempo de serviço, o qual poderá ser eventualmente reconhecido pelo Brasil se o país estrangeiro em questão tiver firmado o respectivo acordo previdenciário[10].

Essa previsão vem em boa hora, já que, na prática cotidiana, é bastante observável a situação de empregados que são transferidos ao exterior, inicialmente por um curto período, mas que, com a sucessão do trabalho e a adaptação cultural, acabam por desenvolver o interesse em permanecer definitivamente no país para o qual se mudaram. A Lei do Expatriado hoje vigente não apresenta solução para essa situação, obrigando que o empregador brasileiro permaneça vinculado ao trabalhador, mesmo que em nada seja beneficiado por seu trabalho.

 

 

Sobre a questão do adicional para os casos de transferência

Outra exigência feita pela Lei do Expatriado e que pretende ser mantida, embora bastante aclarada pelo PL nº 3.801/2019, consiste na fixação de adicional de transferência sobre a remuneração básica paga ao empregado que é expatriado.

Atualmente, a previsão constante do artigo 4º, da Lei do Expatriado, é de todo genérica e apenas dispõe que, por ajuste escrito, o empregador e o empregado devem fixar o salário base e o adicional de transferência para o período de expatriação. Ou seja, não apresenta o valor mínimo para o referido adicional e nem diz o que ocorrerá caso esse adicional não seja previsto em ajuste escrito.

Como consequência, as decisões judiciais sobre o tema são as mais diversas. Por vezes, entende-se que, se não houve a previsão expressa do adicional de transferência em contrato escrito, não há obrigação por parte do empregador em pagá-lo.

Em outras situações, que representam a maioria de entendimento, a Justiça acaba por aplicar a previsão do artigo 469, §3º[11], da CLT, que trata genericamente das transferências de local de trabalho, arbitrando adicional mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o salário-básico.

Mas o fato é que os casos de expatriação por transferência costumam vir acompanhados de substancial aumento nos vencimentos e pacote de benefícios do expatriado, seja pela própria natureza promocional do ato, que visa conferir uma oportunidade ao empregado de adquirir novas experiências e cultura internacional a qual, em contrapartida, faz com que o empregado assuma maiores desafios e responsabilidades; seja pelas questões cambiais que muitas vezes multiplicam consideravelmente o valor recebido, se comparado com a moeda brasileira.

Além disso, é muito comum que o empregador arque com a totalidade ou, pelo menos, com parte das despesas básicas do empregado expatriado no exterior, tais como moradia, gastos relacionados à saúde, custos com educação (do próprio empregado e/ou familiares), dentre outras vantagens indiretas que acabam propiciando condição mais benéfica ao empregado e que compensam, de certa forma, o próprio adicional de transferência, que tem justamente essa finalidade, qual seja a de permitir uma melhor adaptação do empregado a uma nova vida, mediante subsídio de alguns custos extraordinários, não existentes em sua realidade no Brasil.

O PL nº 3.801/2019 pretende encerrar essa discussão, trazendo alteração ao artigo 4º, da Lei do Expatriado, para fixar que o ajuste entre empregador e empregado, no momento da expatriação, necessariamente deverá incluir “o salário-base acrescido do adicional de transferência ao exterior, no valor mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o salário-base”.

No mais, também há previsão de inclusão do parágrafo 6º ao referido artigo, para dispor expressamente que o adicional de transferência, bem como as despesas resultantes da transferência do empregado terão natureza indenizatória, encerrando outra discussão relacionada ao tema.

Por fim, o PL nº 3.801/2019 propõe incluir também ao artigo 4º, da Lei do Expatriado, um parágrafo (5º) para dispor expressamente que, se houver fornecimento de vantagens diretas ou indiretas por parte da empresa e o expatriado concorde em recebê-las, essas vantagens poderão ser compensadas no cálculo do adicional de transferência.

Assim, em uma hipótese exemplificativa na qual o empregador, ciente das necessidades para adaptação do expatriado, ofereça custear suas despesas com locação de imóvel e planos de saúde, essas despesas poderão ser abatidas do percentual nominal de 25% que pretende ser fixado pelo PL nº 3.801/2019.

O que se percebe, portanto, é que o projeto visa alinhar as situações de expatriação a uma realidade dinâmica, ao considerar que legislações de outros países não darão o mesmo tratamento a determinadas parcelas e tampouco discutirão sua natureza salarial, de modo que a própria Lei do Expatriado já deve prever certas condições e trazer conceitos claros a fim de facilitar a compreensão sobre o tema, sem que isso signifique fragilizar a condição do expatriado ou desprotegê-lo.

 

Sobre a contratação direta por empresa estrangeira

O PL nº 3.801/2019 inova positivamente ao trazer previsão até então inexplorada pela Lei do Expatriado, consistente na hipótese em que o trabalhador, ao manifestar seu interesse, é enviado para ocupar vaga de trabalho no exterior, seja de empresa brasileira ou de empresa estrangeira do mesmo grupo econômico, e o faz em caráter definitivo, ou seja, sem previsão de retorno ao Brasil.

Embora atualmente já exista na Lei do Expatriado o Capítulo III, que trata da “Contratação por Empresa Estrangeira”, os artigos constantes deste capítulo parecem partir de uma premissa menos comum na realidade cotidiana: uma situação em que trabalhadores brasileiros, sem qualquer vínculo anterior com a empresa contratante ou com empresa do mesmo grupo econômico, são recrutados e contratados no Brasil para trabalhar diretamente no exterior, em caráter originário.

Portanto, não se trata da hipótese de transferência, como abordado nos tópicos anteriores, de modo que não seriam aplicáveis a essa situação as regras anteriormente tratadas (tais como fixação de salário-base, adicional de transferência e manutenção de recolhimentos no Brasil).

Neste cenário, de contratação originária de trabalhador brasileiro por empresa estrangeira, a Lei do Expatriado atualmente exige tão-somente que haja autorização prévia pelo órgão trabalhista competente (Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia) e que a empresa estrangeira ostente em seu quadro societário pessoa jurídica domiciliada no Brasil, com capital social de pelo menos 5% (cinco por cento). Tudo isso visa impedir que haja aliciamento ilegal de trabalhador brasileiro, o que é considerado crime, de acordo com a redação do artigo 206[12], do Código Penal Brasileiro. 

No entanto, não existe, até então, hipótese normativa clara e objetiva para abrigar as situações em que um determinado empregado, com contrato ativo no Brasil, aceita proposta feita por filial de seu empregador brasileiro ou por empresa estrangeira do mesmo grupo econômico para se mudar, em caráter definitivo, para o exterior. A propósito, essa é uma situação bastante corriqueira e que, a despeito de ausência de previsão legal, vem sendo tratada equivocadamente como “transferência” pela jurisprudência, atraindo todo o ônus previsto na lei para tal hipótese.

Veja-se que, em muitos casos, o ânimo definitivo da mudança de país já é perceptível antes mesmo do início do trabalho em território estrangeiro. Nessas hipóteses, o trabalhador programa-se para passar a viver em outro país de forma constante, projetando um período longo de vivência e sem previsão de retorno ao Brasil. Nada mais certo, portanto, de que seu contrato de trabalho no Brasil seja encerrado e que sua contratação passe a se dar, desde logo, com a filial estrangeira ou empresa estrangeira do mesmo grupo econômico.

Focando nessa discussão, o PL nº 3.801/2019, acertadamente, pretende incluir à Lei do Expatriado o artigo 20-B, com a seguinte redação:

“Art. 20-B. Caso haja necessidade de preenchimento no exterior, de vaga de trabalho da empresa brasileira ou de empresa estrangeira do seu mesmo grupo econômico, os empregados da empresa brasileira que tiverem intenção de se fixar permanentemente no exterior poderão, mediante comum acordo, ser contratados em caráter definitivo, hipótese em que serão regidos exclusivamente pela lei do local da prestação de serviços, inclusive no que tange a direitos trabalhistas e previdenciários”

Com essa previsão, aperfeiçoa-se a Lei do Expatriado para trazer segurança jurídica a uma hipótese que, embora comum na prática cotidiana, carecia de regulamentação e propiciava muitas discussões no âmbito dos tribunais.

 

Tramitação e expectativa

Como já mencionado, o PL nº 3.801/2019 teve início como PLS nº 138/2017 e, assim, já passou por votação nas comissões do Senado, tendo sido aprovado por deliberação terminativa e, por isso, nem sequer houve necessidade de submissão à votação em plenário. Na sequência, foi remetido à Câmara dos Deputados para análise, onde aguarda por prosseguimento desde julho do corrente ano, ressalvando-se que ainda poderá ser objeto de ementas e alterações.

De toda forma, a nossa percepção sobre o texto final aprovado pelo Senado é positiva, na medida em que propiciará maior clareza aos procedimentos de expatriação, sejam eles por transferência (provisória ou definitiva) ou por alocação direta e permanente de trabalhadores brasileiros em território estrangeiro, resguardando-se, também, os interesses das empresas brasileiras e estimulando o intercâmbio profissional e cultural que muito pode enriquecer as relações de trabalho.

 

 

Notas e Referências

[1] Prós e contras do PL que altera regras para empregados transferidos para o exterior. In Revista Consultor Jurídico – CONJUR. 20 de abril de 2019. Disponível para consulta em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-20/roberto-baronian-pl-muda-regras-trabalhador-enviado-exterior

[2] Com 56% Brasil se consolida como maior exportador mundial de soja. In Portal Brasil Agro. 31 de julho de 2019. Disponível para consulta em: https://www.brasilagro.com.br/conteudo/com-56-brasil-se-consolida-como-maior-exportador-mundial-de-soja-.html

[3] Brasil já é o segundo maior exportador mundial de milho. In Portal Agência Brasil. 10 de maio de 2019. Disponível para consulta em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-05/brasil-ja-e-segundo-maior-exportador-mundial-de-milho

[4] Leis trabalhistas do Brasil protegem mais do que dos EUA. In Revista Consultor Jurídico – CONJUR. 05 de março de 2017. Disponível para consulta em: https://www.conjur.com.br/2007-mar-05/leis_trabalhistas_brasil_protegem_eua

[5] Decreto nº 18.871/29 – Convenção de direito internacional privado, de Havana. Art. 198. Também é territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador.

[6] Súmula nº 207, TST. CONFLITOS DE LEIS TRABALHISTAS NO ESPAÇO. PRINCÍPIO DA "LEX LOCI EXECUTIONIS" (cancelada). A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação.

[7] Lei 7.064/82. Art. 3º - Parágrafo único. Respeitadas as disposições especiais desta Lei, aplicar-se-á a legislação brasileira sobre Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS e Programa de Integração Social - PIS/PASEP.

[8] Lei 7.064/82. Art. 4º - Mediante ajuste escrito, empregador e empregado fixarão os valores do salário-base e do adicional de transferência.

§1º - O salário-base ajustado na forma deste artigo fica sujeito aos reajustes e aumentos compulsórios previstos na legislação brasileira.

§2º - O valor do salário-base não poderá ser inferior ao mínimo estabelecido para a categoria profissional do empregado.

§3º - Os reajustes e aumentos compulsórios previstos no §1º incidirão exclusivamente sobre os valores ajustados em moeda nacional.

[9] Vide, neste aspecto, as decisões proferidas nos processos 0011182-29.2015.5.03.0137 (TRT da 3ª Região); 0000037-70.2012.5.02.0084 (TRT da 2ª Região); 1002101-52.2015.5.02.0465 (TRT da 2ª Região); 0001482-39.2011.5.01.0003 (TRT da 1ª Região) e 0001482-39.2011.5.01.0003 (TST).

[10] Saiba em que países o tempo de trabalho conta para aposentadoria no brasil. In O Globo – Portal G1. 27 de junho de 2018. Disponível para consulta em: https://oglobo.globo.com/economia/saiba-em-que-paises-tempo-de-trabalho-conta-para-aposentadoria-no-brasil-22826093

[11] CLT, Art. 469 - Ao empregador é vedado transferir o empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio.

(omissis)

§3º - Em caso de necessidade de serviço o empregador poderá transferir o empregado para localidade diversa da que resultar do contrato, não obstante as restrições do artigo anterior, mas, nesse caso, ficará obrigado a um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% (vinte e cinco por cento) dos salários que o empregado percebia naquela localidade, enquanto durar essa situação.

[12] Código Penal Brasileiro. Art. 206. Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro.

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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