A existência de condomínio em sociedades em comum – Por Eduardo Silva Bitti

15/08/2017

Tratando-se de sociedade em comum, observa-se que o nome dado a tal “espécie” é decorrente do disposto no artigo 988 do Código Civil, que informa que os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial titularizado, comumente, pelos sócios. Tal denominação, contudo, provoca interessante dúvida acerca da responsabilização dos referidos titulares.

Historicamente, já no conteúdo do revogado artigo 350 do Código Comercial de 1850, havia a determinação para que os bens particulares dos sócios não pudessem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados todos os bens sociais. Conforme Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa[1] ressalta, o favor legal do benefício de ordem para a época do dispositivo acima mencionado “[...] “não poderia ser aplicado a comunheiros, mas apenas a sócios de sociedades regulares”. Logo, como também afirmou Fran Martins[2], os sócios responderiam não só de maneira ilimitada, como também solidária. Terceiros que mantivessem créditos particulares junto a sócio da sociedade sem registro tinham a possibilidade de conseguir a penhora dos bens individuais daquele sem que os demais investidores pudessem obstar tal medida.

Na leitura do artigo 990 do Código Civil atual, para o qual “todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem previsto no art. 1.024 aquele que contratou pela sociedade”, vê-se que o tratamento dispensado à sociedade em comum atual, que reconhece a existência de patrimônio especial societário, configura verdadeira aberração jurídica, dentro de uma tentativa de aproximação para com as regras das sociedades simples. Hoje, tanto numa espécie societária, como em outra, a responsabilidade dos sócios é considerada ilimitada, o que pode ser compreendido como um erro.

Por si só, o fato de ter-se só aquele que contratou pela sociedade como alguém que poderia vir a ser atingido pelas dívidas sociais não é correto. Se tal sócio utiliza-se da sociedade sem registro para a prática de atos, fica evidente que somente ele, de forma direta e isolada, e não a sociedade, que na prática ainda não existe e não tem patrimônio, deveria responder pela dívida criada antes da criação da pessoa jurídica.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa[3] disserta que se a situação é apresentada como de uma sociedade, e não como de uma comunhão, com o sócio administrador agindo segundo o objeto social e conforme os poderes que lhe foram outorgados, a referida regra da responsabilidade direta do que contrata em nome dela é, no mínimo, sem razão. E se não há um condomínio, como também afirma Sergio Campinho[4], “todos os sócios, e não só aquele que contratou pela sociedade, deveriam ter responsabilidade pessoal direta, que pode ser exigida independentemente da exaustão do patrimônio social”.

Concorda-se com eles. Ora, ou há patrimônio especial pertencente à sociedade, o que justifica a subsidiariedade contida no benefício de ordem dos artigos 990 e 1.024, ou os sócios são titulares dessa mesma universalidade e deveriam responder direta e solidariamente pelos contratos junto a terceiros. Claramente, há antinomia legal no caso.

Certo é que, após a respetiva constituição, torna-se esperado que os sócios venham a regulalizar a sociedade, a integralizar a subscrição realizada e a transferir o patrimônio individual na esteira do que determina o artigo 1.004 do Código Civil, o que logo afasta a possibilidade de, ao mesmo tempo, existir o benefício de ordem e condomínio - domínio conjunto -, entre sócios sobre os bens sociais. No caso das sociedades em comum, se não há patrimônio especial a ser esgotado antes de se efetuar o levantamento do acervo individual de cada sócio, pois não há personalidade jurídica a titularizar o direito de propriedade sobre os bens, torna-se impossível a subsidiariedade.

Ainda assim, o problema da situação dos bens da sociedade não se restringe à questão da responsabilidade dos sócios, sendo extensíveis à própria à divisão do patrimônio em caso de término da relação societária.

Sobre isso, aliás, observa-se que a discussão já começa a receber tratamentos pelos tribunais do país.

Em simplória pesquisa jurisprudencial, encontram-se casos como o da Apelação Cível 10572110019856001, julgada em 11 de agosto de 2017 pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. No voto, o Relator, Desembargador Pedro Bernardes, da 9ª Câmara Cível daquela Corte entendeu pela “existência de condomínio entre os litigantes do imóvel litigioso, único bem que supostamente integraria a sociedade de fato”, sem qualquer especificação do quinhão pertencente a cada um”, integrando “o patrimônio especial da sociedade em comum, nos termos do art. 988 do Código Civil”. Segundo ele, seguindo o posicionamento de Arnoldo Wald[5], “cada sócio titulariza uma quota ideal deste patrimônio, formalmente em nome, assim como sói acontecer em um condomínio, sendo, contudo, a proporção de cada um determinada segundo sua participação societária”.

Por certo, seguindo-se o entendimento de que, como ressaltou Cláudio Manoel Alves[6], as sociedades enquadram-se sob as disposições dos direitos obrigacionais, à comunhão são aplicáveis as que vêm do direito das coisas.

O próprio voto do Desembargador Pedro Bernardes, acima mencionado, concluiu sobre isso:

Assim, a circunstância de uma parte ter arcado com montante maior na formação do patrimônio especial não significa, por si só, que a participação social de tal sócio será maior do que a dos outros, tendo estes realizado o capital social por formas diversas, como a prestação de serviços.

Portanto, o caminho do reconhecimento da situação condominial em patrimônios constituídos para o desenvolvimento de atividades de sociedades em comum, apesar de atrativo, é equivocado, devendo, de plano, receber afastamento.


Notas e Referências:

[1] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial: teoria geral das sociedades, as sociedades em espécie no Código Civil. v. 2. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 297.

[2] MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 28 ed. ver. E atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 176.

[3] Idem.

[4] CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 77/76.

[5] WALD, Arnold. Comentários ao novo Código Civil. v. 14. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 93.

[6] ALVES, Cláudio Manoel. Sociedades irregulares: pré-vida das sociedades. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 556, p. 19-27, fev. 1982.


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