Em direito empresarial um dos valores basilares e mais caros revela-se na intimidade do princípio da preservação da empresa. Indaga-se: Seria possível, aos sócios minoritários, excluir, por justa causa, o majoritário, com base naquela premissa? Para administrar conflitos entre os sócios, seria recomendável a utilização de estratégias especiais na gestão do contrato/estatuto social para dirimir questões de relevância afetas à intimidade da relação societária?
Antes de qualquer observação sobre o intrincado tema, cabe ressalvar que a dissonância entre os sócios não atrai bons cenários para o negócio diante do desvio do foco e da energia propositiva, de parte a parte.
Assim, os acordos parassociais podem alocar mecanismos de prevenção e de solução de litígios societários enquanto prevalecer a harmonia e o bom relacionamento, típicos do início da atividade empresarial, apoiando-se em conteúdos emergentes da conhecida cláusula dispute board, ainda pouco explorada, mas que, bem estruturada e feita sob medida, poderá evitar discussões que afetem a atividade empresarial, ressalvadas as críticas quanto à ineficiência da cooperação e a ineficácia do princípio da autonomia privada no sistema jurídico brasileiro.
Segundo Assis Gonçalves, a exclusão é uma causa de rompimento do vínculo societário, assemelhando-se à retirada, com o consequente desligamento e o pagamento dos haveres sociais. O mesmo autor sustenta que o interesse e a legitimidade para titularizar a pretensão é da sociedade e não dos sócios, apesar de o artigo 1.030 do CC carregar a expressão: “demais sócios”. Isto porque “como o sócio não reclama dividendos dos demais sócios, mas da sociedade, assim como é a sociedade quem age contra o sócio que não paga a sua contribuição, também é a sociedade quem atua no expulsar o sócio do seu quadro social”[i].
A exclusão do sócio poderá se dar por inadimplemento da obrigação de prestar as contribuições estabelecidas no contrato social, cabendo, nesta hipótese, a deliberação dos demais sócios quanto à indenização, redução da quota ao montante realizado ou exclusão do sócio remisso, nos termos do artigo 1.024, parágrafo único, do CC. De igual modo, a exclusão do sócio falido e ou liquidação de sua quota em razão de dívidas particulares se dará por deliberação dos demais sócios, havendo, por consequência, repercussão no procedimento e no direito de apurar e receber haveres, seguindo-se a esteira do artigo 1.026, 1.031 e 1.032 do CC.
No entanto, a exclusão do sócio pelo que a lei define como justa causa ou por falta grave no cumprimento de suas obrigações poderá se dar, exclusivamente, por meio de ação judicial ou procedimento arbitral. É esta questão, que igualmente afeta a sociedade e, por conseguinte, a atividade empresarial, que se pretende focar, bem assim, em soluções ex ante por meio do dispute board, questionado quanto à eficácia em um cenário onde a prevalência da autonomia privada encontra tantos obstáculos, como o é, no Brasil.
A justificativa legal sobre o tema está ancorada no artigo 1.030 do Código Civil[ii], com ressalvas para casos/hipóteses do artigo 1.004[iii], com a observação do conteúdo do artigo 1.031, parágrafo 1º[iv], que estabelece as premissas para a apuração de haveres, não se pretendendo, aqui, ingressar neste particular, pois sobre isto já dedicamos espaço nesta coluna[v].
Pela redação dada ao artigo 1.030 do CC, pode parecer inviável a exclusão do sócio majoritário pelos minoritários, considerando-se a exigência da maioria do capital social. Todavia, a intenção do legislador corre em outra direção, no sentido de que a exigência se satisfaz, na maioria do capital social, expurgando do cálculo as quotas do sócio que se pretende excluir.
Esta foi a interpretação dada no julgamento do REsp n. 1.653.421-MG, como se observa do Informativo de Jurisprudência do STJ n. 616, p. 7, que aqui se transcreve em parte:
Sociedade limitada. Ação de dissolução parcial. Sócio majoritário. Prática de falta grave. Exclusão. Iniciativa dos sócios minoritários. Dispensa da maioria de capital social. Possibilidade. DESTAQUE: o quorum deliberativo para exclusão judicial do sócio majoritário por falta grave no cumprimento de suas obrigações deve levar em conta a maioria do capital social de sociedade limitada, excluindo-se do cálculo o sócio que se pretende jubilar. INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR: Trata-se, na origem, de ação de dissolução parcial de sociedade limitada proposta pelo espólio do sócio falecido, em que se alega a quebra da affectio societatis e a prática de concorrência desleal pelo sócio administrador. Na hipótese analisada, não há discussão a respeito da efetiva quebra da affectio societatis, girando a controvérsia apenas quanto à necessidade de interpretação do art. 1.030 do CC/02 de forma conjunta ao art. 1.085 do mesmo diploma legal, exigindo-se, portanto, a iniciativa dos sócios detentores da maioria do capital social para a exclusão por falta grave. Sobre o tema cumpre salientar que, nos termos do Enunciado n. 216/CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, ‘o quorum de deliberação previsto no art. 1.004, parágrafo único, e no art. 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no art. 999 para as deliberações na sociedade simples’. Segundo a doutrina, ‘a maioria será computada excluindo-se do cálculo o sócio que se pretende jubilar. Se o sócio a ser excluído detém a maioria do capital social da sociedade, a sua exclusão poderá, em tese, se dar por decisão dos sócios restantes, ou seja, por decisão dos sócios minoritários’. Frise-se que interpretação diversa redundaria na impossibilidade de exclusão judicial do quotista majoritário, por mais nocivos que fossem os seus atos em relação aos interesses e objetivos da sociedade, o que, em determinados aspectos, não se coaduna com o princípio da preservação da empresa. Assim, o caput do art. 1.030 do Código Civil, ao dispor que a exclusão judicial de sócio majoritário por falta grave é de ‘iniciativa da maioria dos demais sócios’, determina que apenas as quotas dos sócios minoritários sejam consideradas, excluídas aquelas pertencentes ao sócio que se pretende excluir. Desse modo, na exclusão judicial de sócio em virtude da prática de falta grave não incide a condicionante prevista no art. 1.085 do CC/02, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social[vi].
Como visto, é possível a exclusão do sócio majoritário transgressor dos deveres sociais por meio de grave conduta, a exemplo do caso supra, onde tal fato (a exclusão) ocorreu em razão da concorrência desleal praticada pelo sócio administrador. Quer-se destacar o resultado do julgado ao sobrepor os interesses e objetivos da sociedade em prol da preservação da empresa, sendo, portanto, viável a exclusão do sócio majoritário como acima restou assente.
Constatada a viabilidade do tipo de discussão judicial pelos minoritários quanto à pretensão de exclusão, cabe questionar-se a eficiência da medida extrema no ambiente do Judiciário, em meio à crise corrente e desarrazoada, que contribui sobremaneira para o insucesso da atividade empresarial, em razão da demanda, da especialização, do tempo do processo e dos custos de transação envolvidos na disputa.
Neste contexto, cabe voltar à importância dos pactos parassociais, em cujos documentos pode-se regular sobre questões operacionais, comportamentais, diretrizes, regência, relacionamento e cooperação, formas de solução de conflitos entre sócios e entre agentes, estratégias, entre outras múltiplas relações não presentes no estatuto ou no contrato social.
Para Teixeira, o pacto em separado é o acordo feito fora do contrato ou da alteração social, sendo válido entre os sócios, mas limitado em relação a terceiros diante da regra do artigo 997, parágrafo único, do CC[vii].
O pacto parassocial, ao regular a respeito de questões comportamentais dos sócios e as causas de exclusão por justa causa, não se encerra em si mesmo, pois, no caso em que a intenção da exclusão permanecer firme pelos minoritários, a consequência não é autoexecutável, diante da necessidade de decisão judicial definidora. No entanto, vê-se facilitada pelo contrato em uma perspectiva de prevalência do princípio da autonomia privada.
Deste modo, nada impede que o acordo ex ante, em sede de uma construção jurídica caracterizada pelo dispute board, traga uma alternativa ao Poder Judiciário, estabelecendo-se técnicas, regras e especialistas para o acompanhamento, não apenas na gestão dos contratos, mas para resolver crises entre os sujeitos do contrato, no caso — os sócios — pois se entende que as partes terão suas questões resolvidas com maior eficiência se elas, por elas, encontrarem uma solução, afastando-se da dependência de decisões adjudicadas e impostas por uma determinada autoridade, situação em que não é possível exercer-se um controle do tempo e do custo do processo[viii].
Conclui-se, assim, com a proposta de viabilidade de exclusão dos sócios majoritários pelos minoritários, nos termos e sob as condições acima delineadas, com a perspectiva de que as sociedades cada vez mais estarão focadas na busca de alternativas mais viáveis para solucionar questões relacionais que impactem na atividade empresária, a exemplo do dispute board, mas não se limitando a ele.
Notas e Referências
[i] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, pp. 315, 318.
[ii] CC, art. 1.030. “Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente”. Parágrafo único. “Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031”.
[iii] CC, art. 1.004. “Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora”. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031.
[iv] CC, art. 1.031. “Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado”. § 1º. “O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota”.
[v]ZOLANDECK, João Carlos Adalberto e KAJIWARA, Mario Henrique Yoshi da Luz. “Apuração de Haveres” — Os desafios continuam. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/apuracao-de-haveres-os-desafios-continuam>. Acesso em: 13 out. 2018.
[vi]REsp 1.653.421-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 10/10/2017, DJe 13/11/2017.Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/PDF/Inf0616.pdf>. Acesso em: 13 out. 2018.
[vii]TEIXEIRA, Tarcisio. Direito Empresarial Sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 316.
[viii]RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e ALMEIDA, Caroline Sampaio. Análise Crítica das Cláusulas Dispute Board: Eficiência e Casos Práticos. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/PDF/Inf0616.pdf>. Acesso em: 13 out. 2018.
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