A excepcional possibilidade de penhora de bem imóvel de elevado valor à luz da dignidade da pessoa humana (uma proposta de nova compreensão da matéria)

15/03/2015

Por Cristiano Chaves de Farias - 09/02/2015

A teoria do patrimônio mínimo concretizando a dignidade da pessoa humana no âmbito do bem de família

Historicamente, as relações privadas foram enxergadas com a ótica da orientação liberal predominante na Revolução Francesa, fulcrando a sua base sólida na proteção patrimonial. Exemplo nítido é a proteção à propriedade privada e à obrigatoriedade do cumprimento dos contratos, sedimentada no velho pacta sunt servanda. Como não lembrar da máxima “contratou, tem de cumprir, pois o contrato faz lei entre as partes”...

Com a definição de uma nova tábua axiomática pela Constituição da República de 1988, promovendo ideias sociais, no entanto, impõe-se uma releitura dos institutos clássicos (fundamentais) do estatuto patrimonial das relações privadas, funcionalizando-os para a promoção da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, além da impositiva igualdade substancial, afirmadas constitucionalmente (CF, arts. 1º, III, 3º e 5º). Em outras palavras, vem se empreendendo elevado esforço no sentido de recuperar a preponderância da pessoa em relação ao patrimônio, abandonando o caráter neutro e despreocupado do ordenamento jurídico, para o aproximar da realidade social brasileira.

Em outras palavras, a partir dos novos valores que permeiam a ordem jurídica brasileira, a partir da legalidade constitucional, é imperioso despatrimonializar as relações jurídicas, sendo mister afirmar o ser sobrepujando o ter. Em obra pioneira, dando suporte teórico a esta teoria, Luiz Edson Fachin, um dos mais importantes civilistas da atualidade, esclarece que “a proteção de um patrimônio mínimo vai ao encontro dessas tendências (de despatrimonialização das relações civis), posto que põe em primeiro plano a pessoa e suas necessidades fundamentais”.[1]

De fato, a proteção da pessoa humana é o fim almejado pela tutela jurídica e não o meio. Assim, as regras jurídicas criadas para as mais variadas relações intersubjetivas devem assegurar permanentemente a dignidade da pessoa humana. Para tanto, é necessário ultrapassar as fronteiras dos direitos da personalidade para buscar, também nos direitos patrimoniais, a afirmação da proteção funcionalizada da pessoa humana.

Enfim, relacionando a garantia de um mínimo patrimonial à dignidade da pessoa humana, percebe-se o objetivo almejado pela Constituição da República no sentido de garantir a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, funcionalizando o patrimônio como um verdadeiro instrumento de cidadania e justificando a separação de uma parcela essencial, básica, do patrimônio para atender às necessidades elementares da pessoa humana.[2]

É o chamado mínimo existencial, revelando um dos aspectos concretos, práticos, da afirmação da dignidade da pessoa humana.

Através do reconhecimento de um direito ao patrimônio mínimo, institutos antes vocacionados, exclusivamente, à garantia do crédito são renovados, rejuvenescidos, e utilizados na proteção da pessoa humana, como um aspecto essencial para o reconhecimento de sua dignidade.

Exemplos contundentes da proteção ao patrimônio mínimo da pessoa humana podem ser apresentados com a proteção ao bem de família (Lei n.8.009/90), com o óbice da prodigalidade, vedada a doação da totalidade do patrimônio, sem que se resguarde um mínimo (CC, art. 548)[3] e com a previsão da impenhorabilidade de determinados bens (CPC, art. 649),[4] reconhecendo como necessária a preservação de um mínimo de patrimônio para o desenvolvimento das atividades humanas.

É preciso alertar para o fato de que o eventual rol de exemplos não é exauriente, dependendo do caso concreto para que seja delimitada a extensão do patrimônio mínimo da pessoa humana, a partir da colisão entre valores patrimoniais destinados à garantia do crédito e valores patrimoniais vocacionados à proteção das situações existenciais, exigindo importante atuação interpretativa e construtiva.[5] Anuindo a estes argumentos, Roberto Senise Lisboa reconhece “que a liberdade de adquirir bens é relativa e, por vezes, inexistindo para inúmeras pessoas na sociedade, deve-se buscar uma definição de quais bens são indispensáveis para as necessidades básicas das pessoas”. E conclui buscando inspiração em Caio Mário da Silva Pereira, asseverando que “não se pode admitir pessoa humana sem patrimônio”.[6]

Forçoso afirmar, ainda, que esse reconhecimento de um patrimônio mínimo à pessoa humana não pode estar limitado à situação econômica ou social do titular. Trata-se de conceito universal, devendo ser funcionalizado a cada caso, protegendo cada uma das pessoas humanas para que venha a desempenhar suas atividades dignamente. É possível sofrer variação, portanto, de acordo com as circunstâncias pessoais de cada titular. De fato, o conceito de dignidade humana não é estanque, imutável, devendo ser talhado na concretude, buscando dinâmica nos fatos reais que tocam a cada pessoa. Já se teve mesmo a oportunidade de afirmar, em sede jurisprudencial, que “... o conceito de vida digna é subjetivo, todavia deve ser apreciado no contexto em que ela é exercida, considerando-se o padrão social do devedor” (TJ/SC, Ac. 1ª Câm. Cív., Ag. Instr. 96.0026707-0 – comarca de Criciúma, rel. Des. Francisco Oliveira Filho, j. 5.11.96).

Volvendo a visão para o campo da atividade executória, infere-se a necessidade de harmonização da regra da responsabilidade patrimonial do devedor com a garantia de um patrimônio mínimo como materialização do direito à vida digna, em cada caso concreto.

Nessa ordem de ideias é que se propõe não poder o patrimônio ser um fim em si mesmo, exigida uma funcionalização do mínimo essencial para a proteção da pessoa humana que o estiver titularizando. Por isso, este mínimo não tem cifra mensurável,[7] dependendo do caso concreto para ser delimitado.

A Lei n.11.382/06 e a regra de penhora de bens móveis pelo valor médio

É certo e incontroverso que a regra geral de nosso sistema é impenhorabilidade do imóvel que serve de lar para a pessoa humana e a sua família e dos bens móveis que guarnecem este lar, como se depreende da simples – e ainda que perfunctória – leitura do Parágrafo Único do art. 1º da Lei n.8.009/90,[8] a conhecida Lei do bem de família.

Trilhando pelas pegadas do citado dispositivo, o inciso II do art. 649 do Código de Processo Civil, com a redação emprestada pela Lei n.11.382/06, confirma a impenhorabilidade dos bens móveis e utilidades domésticas, porém implanta uma significativa alteração na regra da sua impenhorabilidade. Giza in litteris:

Art. 649, Código de Processo Civil:

“São absolutamente impenhoráveis:

(...)

II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida.”

Pois bem, com o advento da referida norma legal, é inexorável a conclusão de que a impenhorabilidade do bem de família legal, no que tange aos bens móveis que guarnecem o lar (protegidos pela sistemática da Lei n.8.009/90), somente alcança o que for necessário para manter um padrão médio de vida digna, consoante orientação do art. 649 do Código de Processo Civil.

Trata-se, é certo, da concretização da teoria do patrimônio mínimo, consagrando que a efetiva proteção de lei deve se dirigir ao que é necessário para viver dignamente, não podendo, nessa medida, proteger bens supérfluos. Aliás, em se tratando de bem de elevado valor não se justificaria a proteção por já não mais encontrar fundamento na tutela da dignidade do titular.

Ou seja, o dispositivo processual indicado louva-se, a toda evidência, na teoria do patrimônio mínimo, conectando-se, diretamente, na dignidade da pessoa humana, resguardada constitucionalmente.

Em sendo assim, é possível promover a penhora dos utensílios e bens móveis de elevado valor ou que ultrapassem o que é necessário para manter um padrão médio de vida.

Por evidente, somente em cada caso concreto será possível inferir qual é o padrão médio de cada pessoa, de modo a reconhecer se os seus bens são, ou não, de padrão médio.

Nesse diapasão, sublinha Elpídio Donizetti que, não havendo parâmetros indicados no texto legal, “cabe ao juiz, em face do caso concreto, sobretudo levando-se em conta as condições das pessoas envolvidas na execução, definir o que deva ser excluído da impenhorabilidade”. E arremata: “um frigobar, instalado na suíte do casal, é penhorável; a geladeira de médio padrão, que guarnece a cozinha da residência, não o é”.[9]

Aliás, em sede doutrinária, advoga-se, outrossim, a possibilidade de penhora de aparelhos de ar condicionado que são verdadeiras peças de design, móveis antigos que se transformam em peças de decoração, faqueiro de prata e adega climatizada, dentre outros bens.[10]

A (im?)possibilidade de penhora de bens imóveis de elevado valor ou que ultrapassem o padrão médio de vida digna

Segundo disposição expressa do texto legal mencionado (CPC, art. 649), a possibilidade de penhora de bens de elevado valor se restringe aos móveis, não alcançando os imóveis, que restariam protegidos integralmente, mesmo que de elevado valor.

A conclusão decorre de veto presidencial apresentado nos seguintes termos:

“O projeto de lei quebra o dogma da impenhorabilidade absoluta de todas as verbas de natureza alimentar, ao mesmo tempo em que corrige discriminação contra os trabalhadores não empregados ao instituir impenhorabilidade dos ganhos de autônomos e de profissionais liberais. Na sistemática do projeto de lei, a impenhorabilidade é absoluta apenas até vinte salários mínimos líquidos. Acima deste valor, quarenta por cento poderá ser penhorado. A proposta parece razoável porque é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País seja considerado como integralmente de natureza alimentar. Contudo, pode ser contraposto que a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, da remuneração. Dentro desse quadro, entendeu-se pela conveniência de opor veto ao dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral. Na mesma linha o projeto de lei quebrou o dogma da impenhorabilidade absoluta do bem de família ao permitir que seja alienado o de valor superior a mil salários mínimos, ‘caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade’. Apesar de razoável, a proposta quebra a tradição surgida com a Lei n.8.009/90, que ‘dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família’, no sentido da impenhorabilidade do bem de família independentemente do valor. Novamente, avaliou-se que o vulto da controvérsia sobre a matéria torna conveniente a reabertura do debate a respeito, mediante o veto ao dispositivo”.

Dessa maneira, apesar de reconhecer a razoabilidade do projeto de lei, com esteio na tradição jurídica entendeu o Presidente da República que o imóvel que serve como bem de família deve ser considerado absolutamente impenhorável, independentemente de seu valor. Todavia, buscando uma interpretação principiológica, partindo da força normativa dos princípios (e, em especial, dos princípios constitucionais), é de se refletir quanto à garantia de acesso à ordem jurídica justa e efetiva, decorrente do art. 5º, XXXV, da Lex Mater, e, com isso, aventar a possibilidade de penhora de imóveis (ou mesmo salários) de elevado valor. É que, não havendo outros bens penhoráveis (móveis ou imóveis) pertencentes ao devedor, restará inviabilizada a tutela jurisdicional, caso não seja possível ao credor penhorar um imóvel de elevado valor do executado, o que, a toda evidência, excede o conceito de padrão médio de vida digna. Nesse caso, ao chancelar a proteção do vultoso patrimônio de um devedor abastado, o Estado estará abandonando o credor, deixando-o à míngua, com a frustração de seu crédito, apesar do devedor possuir um vasto patrimônio.[11]

Endossando a tese, Sérgio Cruz Arenhart assevera que “não havendo outros bens penhoráveis, o impedimento de penhora de tais bens (imóveis de alto valor) inviabilizaria a tutela do credor, em manifesta ofensa à garantia do amplo acesso à Justiça”.[12]

Acrescente-se a isso que não haverá, na hipótese de penhora de imóvel de elevado valor, afronta à garantia de proteção de patrimônio mínimo (e, consequentemente, da dignidade da pessoa do devedor) por conta de seu valor elevado e, igualmente, porque será resguardado para o executado um mínimo necessário à manutenção de um padrão médio de vida, dedicando-se a ele uma parcela do valor apurado.

Não é despiciendo encalamistrar, inclusive, que a penhora de bens imóveis de alto valor independe do veto presidencial e, por conseguinte, da ausência de norma legal. É que o fundamento, a ratio essendi, da possibilidade de penhora de imóveis (e de salários, via de consequência) de elevado valor reside na aplicação direta de princípios constitucionais, em especial a efetivação da dignidade da pessoa humana, da efetividade da atuação jurisdicional e da razoabilidade.

No que tange à proteção avançada da dignidade humana, não se olvide a necessidade de uma compreensão ampla, levando em conta não somente a dignidade do devedor, mas, por igual, a dignidade do credor. Ademais, em se tratando de imóvel de vultoso valor, não se pode afirmar que a sua intangibilidade decorreria da dignidade de seu titular.[13]

Por outro turno, é fácil perceber que obstar a penhora de bens de alto valor viola, frontalmente, a efetividade da prestação jurisdicional, na medida em que se confere proteção insuficiente ao direito fundamental (e constitucionalmente assegurado – CF, art. 5º, XXXV) de ação, impedindo a sua efetividade.[14]

Outrossim, a proibição de penhora de bem imóvel de elevado valor afronta a razoabilidade por não guardar proporcionalidade entre o bem jurídico salvaguardado (o direito a um patrimônio vasto, excedendo o limite do necessário a um padrão médio de vida digna) e o bem jurídico sacrificado (a pretensão do credor).[15] Não é razoável permitir que o devedor mantenha um alto padrão de vida, com conforto e comodidade excessivos, em detrimento de seus credores que, não raro, sofrem um comprometimento de sua dignidade.[16]

Em síntese apertada, porém completa, é lícito asseverar que a impenhorabilidade de determinados bens (CPC, art. 649) tem como limite a proteção da dignidade da pessoa do devedor, sem sacrifício da dignidade do credor, limitando-se, então, aos bens necessários à manutenção de um padrão médio de vida digna, inclusive no que tange aos bens imóveis.

Em se tratando, pois, de bem imóvel de elevado valor, é possível a sua penhora, de modo à satisfação do crédito, resguardando ao devedor um valor mínimo, básico, necessário à aquisição de um imóvel de valor médio para um padrão de vida digna.

Por isso, acertadamente, o Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais já reconheceu a penhorabilidade de imóvel residencial de alto valor econômico, com espeque na proteção do mínimo existencial:

“BEM DE FAMÍLIA - IMPENHORABILIDADE - LEI 8.009/90 - IMÓVEL EM BAIRRO NOBRE - INCIDÊNCIA DA CONSTRIÇÃO - RESGUARDAR AO DEVEDOR NA ARREMATAÇÃO O VALOR DE UM IMÓVEL MÉDIO - POSSIBILIDADE.

A Lei 8.009/90 de cunho eminentemente social, tem por escopo resguardar a residência do devedor e de sua família, assegurando-lhes condições dignas de moradia; mas não pode o devedor servir-se do instituto do bem de família como meio para frustrar legítima pretensão de seus credores, subtraindo da execução imóvel de elevado valor, situado em bairro nobre, e como tal pode e deve ser ele objeto do arresto; devendo, no entanto, extrair, quando da venda ou arrematação, um valor que proporcione ao executado a aquisição de um imóvel de porte médio, no mesmo município de sua localização, capaz de assegurar ao devedor e à sua entidade familiar condições de sobrevivência digna, mas sem suntuosidade.”

(TJ/MG, Ac.11ªCâm.Cív., AgInstr. 1.0024.06.986805-7/005(1) – comarca de Belo Horizonte, rel. Des. Duarte de Paula, j.5.3.08, DJMG 19.3.08)

É claro que o conceito de elevado valor somente pode ser alcançado no caso concreto, ponderando-se os mais diversos fatores intrínsecos a cada pessoa.[17]

A outro giro, também é conveniente registrar que a possibilidade de penhora do bem imóvel único de alto valor depende da comprovação de absoluta ausência de outros bens penhoráveis, apresentando-se, pois, com evidente feição residual.

E, bem por isso, a partir dessa aplicação direta de princípios constitucionais, importa defender a efetiva possibilidade de, em casos concretos (e nunca abstratamente!), penhorar o imóvel único de elevado valor, pertencente ao devedor.

Em posição ainda refratária, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça vem negando a possibilidade de penhora do bem de família de elevado valor, promovendo uma compreensão restritiva e literal da legislação pertinente à matéria.

Vale a pena conferir a posição dos seus órgãos fracionários que deliberam sobre matérias de direito privado:

“(...) V - Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família,  e acordo com o artigo 1º, da Lei n° 8.009/90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo  irrelevante o valor do bem. VI - O art. 3º da Lei nº 8.009/90, que trata das exceções à regra da impenhorabilidade, não faz traz nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Precedente da eg. Quarta Turma...” (STJ, Ac.unân. 3ª T., REsp 1.178.469/SP, rel. Min. Massami Uyeda, j. 18.10.10, DJe 10.12.10). “(...) 3. O bem de família, tal como estabelecido em nosso sistema pela Lei 8.009/90, surgiu em razão da necessidade de aumento da proteção legal aos devedores, em momento de grande atribulação econômica decorrente do malogro de sucessivos planos governamentais. A norma é de ordem pública, de cunho eminentemente social, e tem por escopo resguardar o direito à residência ao devedor e a sua família, assegurando-lhes condições dignas de moradia, indispensáveis à manutenção e à sobrevivência da célula familiar.4. Ainda que valioso o imóvel, esse fato não retira sua condição de serviente a habitação da família, pois o sistema legal repele ainserção de limites à impenhorabilidade de imóvel residencial. 5. Recurso conhecido em parte e, na extensão, provido.” (STJ, Ac.unân. 4ª T., REsp. 715.259/SP, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 5.8.10, DJe 9.9.10)

A respeito do tema, prospecta-se, para um futuro (que, Oxalá!, espera-se ser breve), uma alteração do entendimento da Corte Superior de Justiça – a quem compete a derradeira interpretação em matéria de direito infraconstitucional –, utilizando-se a técnica de superação do precedente judicial (overruling), ao perceber um superveniente argumento cuja pertinência e argumentação se apresentam mais densas ao caso sub occulis. Enfim, espera-se que se utilize a técnica por meio da qual um precedente judicial perde a sua força persuasiva, sendo substituído (overruled) por um outro precedente (fixando um novo entendimento sobre o tema).[18]

Em busca de um critério para a penhora de bem imóvel único de elevado valor: o uso da técnica de ponderação

Admitida, ainda que excepcionalmente, a penhora de imóvel único de elevado valor, com base em aplicação direta de valores constitucionais, resta uma dúvida: qual o critério a ser utilizada, em cada caso concreto, para que se permita esta penhora?

Pois bem, a resposta a esta indagação perpassa, a nosso viso, pela técnica de ponderação de interesses, equilibrando os diferentes valores presentes (a proteção do patrimônio mínimo do devedor e o direito à realização de seu direito material e o acesso à ordem jurídica justa e efetiva do credor).

É que a técnica clássica de aplicação da norma jurídica através de subsunção – desenvolvida por um raciocínio lógico e padrão, através do qual a premissa maior, que é a norma, incide sobre a premissa menor, que é o fato cotidiano, produzindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto – não é suficiente para lidar com as situações que envolvem colisão (concreta ou potencial) de direitos fundamentais, constitucionalmente contemplados. Assim, como consequência da natural exigência de uma interpretação conforme a Constituição, é necessária a utilização de técnicas capazes de produzir soluções que, operando multidirecionalmente, respeitem os mais diversos valores fundamentais presentes em cada conflito de interesses. A ponderação de interesses, assim, é uma técnica utilizada para dirimir tensões estabelecidas em razão do entrechoque de diferentes valores em casos concretos.

Certamente, a resolução de certos conflitos valorativos, como o que se apresenta no caso sub occulis, não mais se sustenta pelos critérios clássicos estabelecidos, como os pouco eficientes e insuficientes “norma posterior revoga a anterior” e “norma especial revoga a geral”, dentre outros.[19] Especialmente na nova estrutura jurídica descortinada pela Constituição da República, que afirma a cidadania como valor superior e intangível. Nesse desenho, surge a ponderação de interesses como critério seguro para tais tensões, sempre partindo da premissa de que não existem valores absolutos em um sistema democrático.

A técnica de ponderação de interesses é verdadeira técnica de decisão, utilizada quando há colisão de princípios, importando, em nível prático, na superação à tradicional técnica de subsunção. Nesse ponto, bem explica Manoel Jorge e Silva Netto, partindo da premissa de que os valores impressos em um sistema são heterodoxos e muitas vezes conflitantes, que “a clássica operação de subsunção (premissa maior = enunciado normativo; premissa menor = fatos; consequência = aplicação da norma ao caso concreto) não é satisfatória para desvendar a solução mais adequada para a hipótese, simplesmente porque o sistema constitucional torna possível a escolha por duas ou mais normas que são conflitantes entre si”.[20]

Entenda-se: a ponderação dos interesses é técnica disponibilizada para a solução dos conflitos normativos, devendo ser sopesados para que se descubra qual dos valores colidentes em cada caso merece respeito e salvaguarda. Com Fernando Gama de Miranda Netto, “a ‘lei da ponderação’ contém o seguinte enunciado: ‘o cumprimento de um princípio depende da importância do outro; o peso de um princípio não pode ser determinado de modo absoluto, pois o discurso apenas pode versar sobre os pesos relativos”.[21]

Cuidando especificamente da possibilidade de penhora de bem imóvel de elevado valor, infere-se, com tranquilidade e segurança, que, afastadas as soluções apriorísticas (que, certamente, permitiriam desequilíbrio de valores constitucionais em determinadas hipóteses), o magistrado deverá, em cada caso concreto, ponderar qual dos valores vigentes merece proteção.

Deve, assim, o juiz considerar se, à luz da casuística, merece proteção a intangibilidade do imóvel do devedor ou o direito perseguido pelo credor, harmonizando as garantias constitucionais. Por isso, permitir a penhora em uma determinada ação não implicará no necessário deferimento da constrição em outra demanda, cujos valores em disputa não sejam os mesmos e cujas partes também não sejam as mesmas.

Ou seja, impõe-se ao magistrado analisar a conveniência, razoabilidade e cabimento de cada penhora, ponderando os interesses em jogo, de modo a garantir a responsabilização patrimonial do devedor, sem sacrificar, no entanto, a sua dignidade.

Já há, inclusive, sobre o tema, um relevante precedente, na jurisprudência de piso, apoiado em argumentos semelhantes e chegando à mesma conclusão:

“EMBARGOS À EXECUÇÃO. PENHORA QUE RECAI SOBRE UM APARELHO DE TELEVISÃO 20 POLEGADAS E UMA MAQUINA DE LAVAR ROUPAS. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. 1. A possibilidade de constrição deve ser analisada caso a caso, cotejando-se o princípio da responsabilidade patrimonial e a necessidade de se preservar o mínimo existencial, que abrange inclusive o conforto mínimo e o acesso ao lazer da família do devedor. 2. Hipótese em que a venda de tais bens, a despeito de elevado prejuízo ao executado, não cobriria de forma substancial o débito, não alcançando 30% do valor exequendo.”

(Primeira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do TJ/RS, Recurso Cível Nº 71001892470 – comarca de Novo Hamburgo, rel. Juíza Vivian Cristina Angonese Spengler, j. 30.4.09)

Sem dúvida, é o que se pode denominar de precedente judicial criativo, porque o magistrado estabeleceu, no caso concreto, uma compreensão baseada em cláusulas gerais (dignidade da pessoa humana e proteção do patrimônio mínimo), apresentando a solução adequada ao caso concreto. Espera-se que sirva de baliza para casos símiles, afinal de contas “o poder inovativo do tempo bem pode operar com tal rispidez, que não aguarde a passagem dos séculos para se manifestar”.[22]

Notas conclusivas (à guisa de arremate)

Nessa linha de intelecção, já se permite apresentar, como inexorável conclusão dessas linhas que, malgrado o veto presidencial, o respeito à efetivação da norma constitucional reclama uma compreensão das diretrizes do art. 649 do Código Instrumental à luz da dignidade da pessoa humana, da efetividade da prestação jurisdicional e da razoabilidade.

Bem por isso, sobreleva harmonizar os interesses do credor-exequente (de efetivação do seu direito e de obtenção de uma tutela jurisdicional justa, adequada, célere e efetiva) com as garantias mínimas do devedor-executado (a proteção à sua dignidade e o seu direito a um patrimônio mínimo, como expressão dessa dignidade). Por isso, “a percepção do significado humano e político das impenhorabilidades impõe uma interpretação teleológica das disposições contidas nos arts. 649 e 650 do Código de Processo Civil, de modo a evitar, de um lado, sacrifícios exagerados e, de outro, exageros de liberalização; a legitimidade dessas normas e de sua aplicação está intimamente ligada à sua interseção em um plano de indispensável equilíbrio entre os valores da cidadania, inerentes a todo o ser humano, e os da tutela jurisdicional prometida constitucionalmente, ambos dignos de maior realce na convivência social, mas nenhum deles capaz de conduzir à irracional aniquilação do outro”, conforme a bela reflexão de Cândido Rangel Dinamarco.[23]

Bem por isso, apesar da posição ainda contrária da Corte Superior de Justiça,[24] é chegado o momento de uma reflexão mais profunda e vertical, à luz da aplicação direta de princípios constitucionais, admitindo-se a possibilidade (excepcional) de penhora de bens imóveis de elevado valor, não havendo outros bens idôneos à satisfação do crédito, resguardando-se um valor mínimo para que o devedor possa manter um padrão médio de vida digna, através da utilização da técnica de ponderação de interesses em cada caso.  Esta é, seguramente, a única solução a respeitar, com efetividade, as latitudes e longitudes da teoria do patrimônio mínimo (também apelidada de teoria do mínimo existencial), corolário da dignidade da pessoa humana.

Até porque, lembrando de propícia passagem musical, eu queria ter na vida, simplesmente, um lugar de mato verde para plantar e para colher, ter uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela para ver o sol nascer...

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Cristiano Chaves de Farias é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador – UCSal. Professor de Direito Civil do Complexo de Estudos Renato Saraiva – CERS. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

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Imagem ilustrativa do post: Another Paradise Valley Farm Home

Foto de: Dru Bloomfield

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/athomeinscottsdale/6049130379

Sem alterações

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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[1] FACHIN, Luiz Edson, cf. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, cit., p. 11-12.

[2] As ideias aqui apresentadas são desenvolvidas, com maior amplitude, em nossa obra dedicada ao estudo da Teoria Geral do Direito Civil, FARIAS, Cristiano Chaves de;  ROSENVALD, Nelson, cf. Curso de Direito Civil: Parte Geral, cit., p.358, para onde se remete o leitor.

[3] Conforme dicção do art. 548 do Código Civil, é nula a doação universal, isto é, a disposição de todos os bens, sem reserva de parte ou renda suficiente para a manutenção do próprio benfeitor. Aqui, convém explicitar que o fundamento da nulidade não diz respeito à proteção do núcleo familiar, mas sim do próprio titular, garantindo o seu direito ao patrimônio mínimo, como exteriorização de sua intangível dignidade. O exercício da autonomia privada e do direito de livre disposição da propriedade, por conseguinte, não é ilimitado, encontrando limites na preservação da dignidade do titular. Dessa forma, o reco­nhe­ci­men­to da fun­da­men­ta­li­da­de da dig­ni­da­de da pes­soa huma­na pro­duz como con­sec­tá­rio lógi­co a rea­pre­cia­ção (em ­outras pala­vras, uma revi­si­ta) dos ­velhos ins­ti­tu­tos (e dog­mas) civi­lís­ti­cos, den­tre os quais, a auto­no­mia da von­ta­de, o patri­mô­nio, o con­tra­to e a pro­prie­da­de. Impõe-se um novo com­por­ta­men­to aos juris­tas (nor­mal­men­te refra­tá­rios a mudan­ças), garan­tin­do a uti­li­da­de ­social da ciên­cia jurí­di­ca. Importante fri­sar que a dig­ni­da­de huma­na não é cria­ção da ordem cons­ti­tu­cio­nal, muito embo­ra seja por ela tute­la­da. A dig­ni­da­de da pes­soa huma­na, pois, serve como mola de pro­pul­são da intan­gi­bi­li­da­de da vida huma­na, sendo o valor máxi­mo da ordem jurí­di­ca bra­si­lei­ra. É um cen­tro de gra­vi­da­de ao der­re­dor do qual se posi­cio­na­ram todas as nor­mas jurí­di­cas. Uma espé­cie de Aleph, ima­gi­na­do pela pena sen­sí­vel de Jorge Luís Borges: um lugar onde tudo (o gran­de uni­ver­so e suas mui­tas coi­sas) con­ver­ge ao mesmo tempo e em um só ponto, fluin­do e con­fluin­do. Surge, pois, em razão dessa nova pers­pec­ti­va jurí­di­ca pro­por­cio­na­da pela Lex Mater, um con­cei­to con­tem­po­râ­neo de per­so­na­li­da­de jurí­di­ca, dese­nha­da a par­tir de um “míni­mo ético” e de um “míni­mo exis­ten­cial”, que não podem ser vio­la­dos nem pelo Poder Público, nem pelos ­demais mem­bros da socie­da­de pri­va­da, nem pelo próprio titular, FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, cf. Curso de Direito Civil: Contratos, cit., p.721.

[4] Na mesma levada, vem se afirmando, não sem razão, que “as impenhorabilidades (mencionadas no art. 649 do Código Instrumental) são erigidas como um densificação constitucional da dignidade da pessoa humana”, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel, cf. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo, cit., p.639-640.

[5]      A ideia é provocada de forma instigante por Gustavo Tepedino no prefácio da obra de Luiz Edson Fachin, cf. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, cit., s/p.

[6]      LISBOA, Roberto Senise, cf. Manual Elementar de Direito Civil, cit., p. 116.

[7]      É, inclusive, o que propõe Luiz Edson Fachin, em obra dedicada à verticalização da compreensão de direito ao mínimo existencial, cf. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, cit., p. 300.

[8] O Parágrafo Único do art. 1º da Lei n.8.009/90 estende a proibição de penhora a “todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”. Em sequência bastante lógica e coerente, o art. 2º do mesmo Diploma Legal excluí da impenhorabilidade, no entanto, os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.

[9] DONIZETTI, Elpídio, cf. O novo processo de execução, cit., p. 262.

[10] DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael, cf. Curso de Direito Processual Civil, cit., p.552.

[11] Com o mesmo pensar, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart ponderam que “ao chancelar a intangibilidade do patrimônio do devedor rico, o Estado abandona o cidadão sem fundamentação constitucional bastante”, cf. Execução, cit., p.256.

[12] ARENHART, Sérgio Cruz, cf. “A penhorabilidade de imóvel de família de elevado valor e de altos salários”, cit., p.529.

[13]   Até  porque  “a  dignidade  é  um  valor  espiritual  e  moral  inerente  à  pessoa,  que  se   manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais”, como consignou o Tribunal Constitucional da Espanha, apud SARLET, Ingo Wolfgang, cf. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, cit., p.42.

[14]     “O impedimento de penhora de tais bens obstaculiza a tutela prometida pelo direito material e, por conseqüência, o exercício efetivo do direito fundamental de ação ou à tutela jurisdicional efetiva”, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz, cf. Execução, cit., p.256.

[15] Não se ignore, inclusive, que o próprio veto presidencial chegou a afirmar ser “difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País seja considerado como integralmente de natureza alimentar”, o que é perfeitamente aplicável aos bens imóveis de alto valor e que, por conseguinte, não podem ser enquadrados na proteção do patrimônio mínimo.

[16] Na doutrina lusitana, José Alberto dos Reis detectou a existência de um “desequilíbrio manifesto entre o interesse do credor e do devedor”, ao se permitir a este “manter o seu teor de vida”, apesar de “não pagar aos credores as dívidas que contraiu”, apud NEVES, Daniel Amorim Assumpção, cf. Reforma do CPC 2, cit., p.202.

[17] É o que já defendemos em outra sede, FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, cf. Curso de Direito Civil: Parte Geral, cit., p.362.

[18] Sobre a conceituação do overruling, explica, com precisão inglesa, Thomas da Rosa de Bustamante: “o overruling é uma espécie do gênero das denominadas judicial departures, ou seja, dos casos de afastamento de uma regra jurisprudencial. Uma hipótese de afastamento se dá quando o tribunal resolve um problema jurídico solucionável por um precedente judicial (já estabelecido), mas de forma diferente. O juiz apela, nesses casos, para uma nova regra que conduz a um resultado diverso do previsto pelo precedente... O que diferencia o overruling e o torna especialmente relevante é que ele não se refere a um simples problema de aplicação do precedente judicial – não se contenta com a não ocorrência de suas consequências no caso concreto –, mas vai bem além disso, já que representa uma ab-rogação da própria norma adscrita como precedente. O overruling  apresenta-se como o resultado de um discurso de justificação em que resulta infirmada a própria validade da regra antes visualizada como correta”, cf. Teoria do precedente judicial, cit., p. 387-388.

[19] A ponderação é uma técnica de decisão que se presta, portanto, para solucionar conflitos estabelecidos no caso concreto “que não puderam ser resolvidos pelos elementos clássicos da hermenêutica jurídica (semântico, lógico, histórico, sistemático ou teleológico) nem pela moderna hermenêutica constitucional”, nas palavras de Ana Paula de Barcellos, cf. “Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional”, cit., p. 117.

[20] SILVA NETTO, Manoel Jorge e, cf. Curso de Direito Constitucional, cit., p.97-8.

[21] MIRANDA NETTO, Fernando Gama de, cf. A ponderação de interesses na tutela de urgência irreversível, cit., p. 113. E conclui o autor: “cuida-se, a bem ver, de revelar as razões da preferência de um princípio (rectius: interesse) em detrimento de outro. Em outras palavras: trata-se de saber o porquê de um interesse ter sido considerado mais valioso em determinado caso”.

[22] CAPPELLETTI, Mauro, cf. Juízes legisladores?, cit., p.20-21.

[23] DINAMARCO, Cândido Rangel, cf. Instituições de Direito Processual Civil, cit., p.342.

[24] “(...) V - Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família,  e acordo com o artigo 1º, da Lei n° 8.009/90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo  irrelevante o valor do bem. VI - O art. 3º da Lei nº 8.009/90, que trata das exceções à regra da impenhorabilidade, não faz traz nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Precedente da eg. Quarta Turma...” (STJ, Ac.unân. 3ª T., REsp 1.178.469/SP, rel. Min. Massami Uyeda, j. 18.10.10, DJe 10.12.10).

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