A ética dos órgãos públicos que atuam no processo penal. A legitimidade do processo penal - Por Afrânio Silva Jardim

09/05/2017

BREVE EXPLICAÇÃO:

A realidade é muito instigante e nos faz refletir. Ela desperta a nossa consciência e também, em uma perspectiva mais crítica, nos faz ver melhor a verdade que se oculta por trás dos fatos e atos do nosso cotidiano.

Recentemente, foram amplamente divulgadas, pela grande imprensa, algumas notícias que, se bem compreendidas, demonstram que o nosso “sistema de justiça penal” está ideologicamente assumindo “partido”. Vale dizer: “escola sem partido” e “justiça penal com partido” ...

Como tenho constantemente salientado, a estratégia punitivista de se socorrer da grande mídia para lograr punições, previamente desejadas, está dando bastante certo.

Aliás, esta estratégia perversa, encontra agora um “terreno fértil”, pois os nossos órgãos de persecução penal e do Poder Judiciário, com as costumeiras exceções, são compostos por pessoas de formação conservadora, acríticas e, por vezes, profundamente elitistas.

A falta de cultura geral torna polícias, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário em “presas fáceis” do autoritarismo, de posturas simplistas e mais voltadas para o “senso comum”.

Na verdade, são raros os profissionais do Direito que, aprovados nos respectivos concursos públicos, continuam estudando e lendo sistematicamente. Os motivos desta “letargia” são vários e não cabe aqui elencá-los e comentá-los.

De qualquer forma, entendo que há um certo despreparo para o desempenho mais consequente destas relevantes funções, mormente quando se deflagra um ativismo judicial desmedido, quando se busca ampliar a discricionariedade no processo penal e quando somos dominados pelo poder econômico, que se utiliza da grande imprensa para padronizar comportamentos e pensamentos conservadores.

Dentro desta perspectiva, reproduzo três breves reflexões sobre acontecimentos muito recentes, como forma de “gritar socorro”, pois estamos perdendo as garantias prometidas – e nunca efetivamente concretizadas – pelo chamado Estado Democrático de Direito.

O pior é que as pessoas não se dão conta disso. Os próprios protagonistas desta grave situação não se dão conta disso. Muito agem ou se omitem sem perceberem a quem estão servindo ...

Esclareço, finalmente, que, de há muito, passei a ver a importância de se atingir o chamado “grande público”. Por este motivo é que veiculo meus singelos textos pela internet.

Desta forma, afasto-me do academicismo, de enfoques herméticos e formas de escrita rebuscadas. Não me move qualquer pretensão de demonstrar erudição, aprofundando temas para exibir uma cultura que efetivamente não possuo.

Na verdade, o momento de crise social que estamos vivenciando exige que estejamos presentes “na luta” e não dela distantes com “elucubrações abstratas”, que não têm qualquer conexão com a vida das pessoas.

Nós, do Direito, também precisamos nos tornar ativistas e militantes em prol de uma sociedade verdadeiramente justa. Aposentado no Ministério Público, assumo o pretensioso cargo de promotor de justiça social ...

1 - CASO DO EX-MINISTRO JOSÉ DIRCEU. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTÁ DEIXANDO DE SER MINISTÉRIO PÚBLICO.

Dentre outros, um dos aspectos mais negativos da atuação dos Procuradores da República de Curitiba, que fazem parte da “Força Tarefa da Lava Jato”, é que eles pensam que o Ministério Público deve assumir uma “obrigação de resultado” no processo penal.

Desta forma, atuam como se fossem “advogados de acusação” !!!

Em meus 31 anos do Ministério Público no E.R.J., sempre tive compreensão distinta: a nossa “obrigação é de meio e não de resultado”. Vale dizer, devemos atuar com absoluta diligência, empenho, seriedade, ética e competência no processo penal. O resultado desta atuação fica por conta do Poder Judiciário.

Nunca persegui réus e nunca tive interesse em atuar neste ou naquele processo específico, mesmo em se tratando do Tribunal do Júri. A atuação dos membros do Ministério Público deve ser impessoal e desinteressada.

Acho que este é o grande equívoco do atual Ministério Público, que achou por bem “combater” isto ou aquilo. Fazendo o papel de polícia judiciária, passa a ver tudo com “olhos” de polícia.

Ademais, o Ministério Público, ao se envolver com a mídia e se preocupar com opinião pública, julga ter de alcançar resultados persecutórios determinados, para não se desmoralizar. Desta forma, perde o necessário equilíbrio.

Enfim, o Ministério Público está deixando de ser o verdadeiro Ministério Público, que deve se limitar a promover efetiva justiça, e não ser um “heroico e messiânico combatente” de crimes.

Em tempo: está sendo doloroso eu ter de concordar com um pronunciamento do Ministro Gilmar Mendes.

2 - NEM TUDO QUE É LEGAL (OU REGIMENTAL) É LEGÍTIMO OU ÉTICO.

A decisão do ministro Fachin do S.T.F. não chega a ferir o princípio do "juiz natural" e pode até encontrar respaldo na lei ou no regimento interno do referido tribunal.

Entretanto, no mínimo, pode ter a sua legitimidade questionada, questionamento este inclusive sob o aspecto ético.

Sabendo que, provavelmente, a sua segunda turma do S.T.F. concederia Habeas Corpus ao ex-ministro Palocci, tendo em vista os julgamentos anteriores, o ministro Fachin optou por submeter o mérito deste processo constitucional ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, onde, provavelmente, será julgado improcedente o pedido de liberdade do aludido impetrante.

Tenho escrito que a ética do Poder Judiciário e do Ministério Público, no processo penal, deve ser distinta da ética dos representantes das partes, vinculados a interesses pessoais ou individuais.

Coloco aqui um exemplo de cunho pessoal, do qual muito me orgulho: por mais de uma vez, em plenário do Tribunal do Júri, exortei que o advogado do réu preso desistisse do seu requerimento de adiamento do julgamento, porque eu iria opinar pela absolvição do acusado, como efetivamente opinei, não lhe prolongando a prisão.

Não me parece adequado a utilização de estratégias, ainda que legais, para obter determinado resultado deste ou daquele julgamento. Se isto não fica bem para o Ministério Público, que é parte (embora também fiscal da lei), com mais razão não fica bem para os magistrados.

Enfim, não me parece correto um magistrado provocar a alteração da competência de um órgão jurisdicional, ainda que tenha apoio em seu regimento, para evitar um resultado provável de um determinado julgamento, diverso do seu entendimento.

3 - O SIGNIFICA ESTA AFIRMAÇÃO DA MINISTRA CARMEN LÚCIA, PRESIDENTE DO S.T.F.???

“A Lava-Jato não está ameaçada e não estará”. 

Será que o Supremo Tribunal Federal está assumindo que deve "combater a corrupção"?

Será que agora o S.T.F. vai virar um "combatente"?

Será que o nosso Poder Judiciário tem lado, está do lado da persecução penal?

Será que o tribunal não mais se colocará "entre as partes"?

Será que não mais teremos a imparcialidade do Poder Judiciário como um instrumento de garantia? E o Estado de Direito?

Tudo isto remete à minha mensagem acima.

Esta insólita afirmação da ministra Carmem Lúcia foi proferida em um sofrível programa veiculado pela TV Globo, oportunidade em que concedeu uma longa entrevista. Na minha opinião, o teor do que foi perguntado e as respostas foram, sob certo aspecto, inadequados ao relevante cargo desempenhado pela magistrada.

Na nossa sociedade de hoje, todos querem estar em evidência, todos querem aparecer ou, como dizem os teóricos, “todos querem visibilidade”. Entretanto, poucos conseguem aparecer bem, poucos têm experiência, cultura e maturidade para aparecer satisfatoriamente. A toda evidência, aqui não estamos nos reportando à entrevista acima referida.

Já que cheguei a este ponto, já que estou radicalizando com a finalidade de alertar para este indesejável “estrelismo”, termino com uma “frase de efeito”: abaixo as entrevistas coletivas para a imprensa!!! .


Imagem Ilustrativa do Post: Temple // Foto de: ivan marianelli // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/ivanmarianelli/3815124701

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