Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos
Yasmin chegou à praia, caminhou entre os barcos encalhados na areia. Com a ponta do pé sentiu a temperatura cálida, o mar transparente. Não via ninguém por ali. Desfez se da canga, colocou os óculos de natação, respirou fundo, alongou-se. O mar aplacaria o turbilhão de sentimentos que lhe atravessava o peito.
O pequeno forte do lado esquerdo da praia, seu ponto de localização. Ao nadar observava no fundo pequeninos peixes azuis a brincar sob a areia ondulada. Desenho feito pelo balançar das águas. A cada braçada, Yasmin inspirava, expirava, o corpo resvalava comodamente como se o mar fosse o seu elemento. O sol se dissolvia no horizonte formando tons de rosa e dourado.
Após longo tempo, Yasmin resolveu flutuar suavemente. Se esticasse o braço poderia alcançar o céu. Fechou os olhos. Nada a acalmava mais que a canção vinda do mar.
Uma onda a sacolejou, outra maior lhe fez engasgar. Voltou à posição de alerta. O mar tornara-se agitado, turvo, o céu cor de chumbo. Yasmin estava sendo arrastada para longe da costa. Começou a nadar ferozmente, mas não saía do lugar.
— Ei! Pode parar, pode parar...
— Ela não está falando comigo. Tô ficando maluco...
—Eu vim nadar no mar tranquilo para relaxar. Quase consegui. Pirou? Tá tentando me afogar?
— Não. Queria provocar uma ruptura, dar suspense à narrativa.
— Tá! Dá pra me colocar na areia e continuamos a conversa?
Yasmin consegue sair do mar, deita-se na areia, enquanto a brisa fresca seca o seu corpo exausto.
— Você acredita mesmo que alguém vai querer ler isto?
— Pra mim, chega.
— Escuta aqui...
Vicente fecha o notebook no qual escrevia esta estória. Estaria alucinando ou seria o efeito por não ter se alimenta do? Isso é o que acontece quando se mergulha demais nos personagens.
...
O estúdio minúsculo onde mora não é limpo há dias. Liga o som para desanuviar as ideias e esquenta o resto do almoço do dia anterior.
Descansado, reabre o computador na página onde interrompeu.
— Alimentou-se bem? Relaxou bastante? Me deixou aqui nesta praia deserta. Já é noite, estou passando fome e frio!
— Eu não escrevi isso.
— Esperava o que no desenrolar do episódio? — Vou deletar...
— Então começa deletando o nome que escolheu pra mim: Yasmin. Isso é nome de mulher poderosa que enfrenta o mar?
— Posso trocar por...
— Atena, Ísis... podemos escolher.
— Deusas de civilizações antigas? Falta veracidade.
— Para de perder tempo com esse negócio de veracidade! Aqui, vale tudo.
— Como assim?
— Por falar em vale tudo, me tira logo desta praia deserta, vai que aparece um psicopata nesta escuridão.
Yasmin, quero dizer, Ísis, apressa o passo em direção ao estacionamento, àquela hora deserto. Ao colocar a chave na porta do veículo, sente um vulto se aproximar.
—Quando você escreveu vulto, se referiu a um cara baixinho de óculos, meio raquítico, né?
— Nada disso. Gosto da ideia de um serial killer, pensei num cara forte, mal-encarado.
— Essa estória tá manjada! Tá faltando criatividade.
— Quer que eu crie um serial killer raquítico?!
— E eu lá pensei em serial killer? O rapaz raquítico é o cobrador do estacionamento que, por sinal, ainda não paguei. Eu pago por mês, ele me conhece. Faz tempo que frequento esta praia.
— Dona Ísis, tá falando com quem?
— Dona? Tenho vinte e cinco anos, rapaz.
— Bem, Isinha, você vai pagar a mensalidade atrasa da? O chefe disse que se não pagar vai descontar do meu salário.
— Não te dei intimidade pra me chamar de Isinha. Toma, cem reais, guarda o troco, desconta do mês que vem.
— Mas tá faltando cinquenta.
— Ah! Vai pro inferno!
Ela entra, bate a porta do carro, arranca furiosa. Chega ao edifício onde mora. Mal cumprimenta o porteiro, apressada.
— Apressada ou apertada?
—Como assim? Se estiver apertada pra ir ao banheiro, chegaria apressada, não?
— Que seja. Não vou me apegar aos detalhes.
Ao entrar no apartamento, Ísis se dá conta: esquecera-se de comprar comida. O apartamento, um pardieiro, tamanha desorganização. Ela, uma jovem confusa, um tanto perturbada. Reflexo de uma família tóxica
— Tá de sacanagem! O leitor já percebeu aqui sua projeção. Não põe em mim o que é seu! Você, sim, um cara aéreo, vive num muquifo bagunçado. Quer dizer que EU sou assim? Vai fazer análise!
— Tudo bem, altero isso.
Ísis entra em casa. O marido alcoólatra, abatido, a es pera. O pobre gagueja apreensivo. Ouve-se os berros de um bebê. Ele tentou localizá-la, gaguejando diz que foi demitido da empresa. A empregada pediu as contas e foi embora. O filho está com febre alta e vomit...
—Sério? Você está fazendo isso comigo? Eu tenho cara de quem casou com um bêbado e teve filho? Sou uma mulher de vida livre!
— O que?
— Garota de programa, bem-sucedida.
— Esquece. Essa estória não tá dando certo.
— Quem não dá certo é você como escritor.
-Pode deixar, eu assumo daqui em diante.
— Puta que pariu...
Vicente desliga o notebook.
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