A ESTABILIZAÇÃO DAS TUTELAS PROVISÓRIAS DE URGÊNCIA NO CASO DE NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO

14/06/2020

O presente artigo científico aborda sobre as matérias tratadas no artigo 304 do novo Código de Processo Civil, relativas à estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Trata-se de tema extremamente relevante no novo Código de Processo Civil, tendo em vista as diversas alterações. Inicialmente, apresenta as disposições gerais da tutela provisória, que modificou todo o sistema do instituto da tutela judicial e unificou as tutelas cautelar e antecipada satisfativa do Código de Processo Civil de 1973, formando assim, um capítulo único intitulado “Tutela Provisória no novo Código de Processo Civil”. Consequentemente, o sistema de estabilização adotado pelo novo Código de Processo Civil, permite que a tutela antecipada requerida em caráter antecedente ao pedido principal se estabilize e subsista. Em um segundo momento, expõe o que se deve atribuir ao vocábulo “recurso” do artigo 304 caput do novo Código de Processo Civil, pois quando se fala em estabilização da tutela da antecipada, precisa ser examinado cuidadosamente seu significado, evidenciando assim a inércia da parte contrária em não se insurgir por recurso cabível contra decisão que concede a tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Por fim, o presente trabalho, se dedica ao estudo da conduta das partes diante da estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, isto é, se a parte contrária não oferecer recurso e nem o autor aditar a inicial e também se a parte contrária agravar e o autor não emendar a inicial.

O presente artigo versa sobre as matérias tratadas no artigo 304 do novo Código de Processo Civil, a partir de ampla pesquisa bibliográfica relativa à estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Trata-se de tema extremamente relevante, inserido recentemente no novo Código de Processo Civil, tendo em vista suas diversas alterações.

No tocante a estrutura, o presente trabalho se divide em cinco capítulos. O primeiro capítulo aborda as disposições gerais da tutela provisória, onde foi reunida a tutela antecipada satisfativa, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973 e a tutela cautelar, prevista no artigo 796 e seguintes do Código revogado e deu tratamento conjunto, cujo resultado foi à tutela provisória.

O segundo capítulo apresenta o sistema de estabilização adotado pelo novo código de processo civil, permitindo que a tutela antecipada requerida em caráter antecedente ao pedido principal se estabilize e subsista.

O terceiro capítulo discorre sobre o que se deve atribuir ao vocábulo “recurso” do artigo 304 caput do novo Código de Processo Civil, pois quando se fala em estabilização da tutela antecipada, precisa ser examinado cuidadosamente seu significado.

O quarto capítulo, por sua vez, trata especificamente da inércia da parte contrária contra decisão que concede a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, dúvida que paira nesse contexto, se pode haver algum motivo que induza a parte contrária a ficar inerte, ou seja, admitir passivamente que a tutela antecipada se estabilize, sabendo que bastaria recorrer.

Por fim, o quinto capítulo se dedica ao estudo da conduta das partes diante da estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, isto é, quando a parte contrária não oferece recurso e nem o autor adita a inicial e também quando a parte contrária agrava e o autor não emenda a inicial.

 

DISPOSIÇÕES GERAIS DA TUTELA PROVISÓRIA

Antes de ingressar no tema principal do presente trabalho, importante explorar as disposições gerais da Tutela Provisória, de modo a melhor entendermos esse importante instituto do Processo Civil.

As tutelas provisórias de modos gerais têm o objetivo de combater os riscos de injustiça ou de dano, resultante da espera, sempre longa, do conflito submetido à solução judicial. Acerca do tema, Humberto Theodoro Júnior verifica que:

Representam provimentos imediatos que, de alguma forma, possam obviar ou minimizar os inconvenientes suportados pela parte que se acha numa situação de vantagem aparentemente tutelada pela ordem jurídica material (fumus boni iuris). Sem embargo de dispor de meios de convencimento para evidenciar, de plano, a superioridade de seu posicionamento em torno do objeto litigioso, o demandante, segundo o procedimento comum, teria de se privar de sua usufruição, ou teria de correr o risco de vê-lo perecer, durante o aguardo da finalização do curso normal do processo (periculum in mora)[1].

O novo Código de Processo Civil modificou todo o sistema de tutela judicial fundada em cognição sumária, isto é, unificando em um regime geral a denominada tutela provisória[2]. Logo, a tutela cautelar e a tutela antecipada passaram a respeitar o mesmo regime legal, diferentemente do código de processo civil de 1973.

Conforme supracitado, as tutelas provisórias se subdividem dessa forma:

O legislador reuniu a tutela antecipada satisfativa, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973, e a tutela cautelar, prevista no artigo 796 e seguintes do Código revogado e deu tratamento conjunto, cujo resultado foi à tutela provisória, contemplada nos artigos 294 a 311 do novo Código de Processo Civil. Desta forma, a Tutela provisória é gênero que contempla duas espécies: a tutela satisfativa (denominada antecipada) e a tutela cautelar[3].

A tutela provisória pode fundar-se em urgência ou evidência, isto é, a tutela de urgência será cedida no momento em que forem apresentados fundamentos que indiquem a possibilidade do direito, assim como o perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional. Já a tutela de evidência dispensa a demonstração do perigo da demora nos casos em que ficar evidenciado o excesso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório. Alexandre Freitas Câmara explica que:

Tutelas provisórias são tutelas jurisdicionais não definitivas, fundadas em cognição sumária (isto é, fundadas em um exame menos profundo da causa, capaz de levar à prolação de decisões baseadas em juízo de probabilidade e não de certeza). Pode fundar-se em urgência ou em evidência (daí por que se falar em tutela de urgência e em tutela da evidência)[4].

Resumindo, a tutela provisória é gênero do qual são espécies a tutela de urgência e a tutela de evidência. A primeira pode ser de duas naturezas: cautelar ou antecipada. A tutela de urgência, em qualquer de suas naturezas (cautelar ou antecipada), poderá ser pleiteada em caráter antecedente ou em caráter incidental.

As tutelas provisórias são tutelas jurisdicionais não definitivas, fundadas em cognição sumária, isto é, fundadas em um exame menos profundo da causa, capaz de levar à prolação de decisões baseadas em juízo de probabilidade e não de certeza. Pode fundar-se em urgência ou em evidência, daí por que se falar em tutela de urgência e em tutela de evidência.

A tutela de urgência é subdividida em antecipada e cautelar, sendo esta e aquela, capazes de serem concedidas em caráter antecedente ou incidental; no caso da tutela de evidência somente ocorrerá em caráter incidental.

O novo Código de Processo Civil fala de tutela provisória e esse conceito provisório é empregado pela doutrina processual para expressar algo que antecede ao definitivo. É correto entender a tutela provisória, tal qual disciplinada no novo Código de Processo Civil, como um somatório de técnicas que permite ao magistrado, na presença de determinados pressupostos, que gravitam em torno da presença da urgência ou da evidência, prestar tutela jurisdicional, antecedente ou incidentalmente, com base em decisão instável apta a assegurar e satisfazer, desde logo, a pretensão do autor[5].

 

O SISTEMA DE ESTABILIZAÇÃO ADOTADO PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O novo Código de Processo Civil, seguindo a mesma linha encontrada no direito italiano e francês, permitiu a estabilização da tutela de urgência requerida em caráter antecedente. Conforme ensina Humberto Theodoro Júnior que:

O novo Código trilhou a enriquecedora linha da evolução da tutela sumária, encontrada nos direitos italiano e francês: admitiu a desvinculação entre a tutela de cognição sumária e a tutela de cognição plena ou o processo de mérito, ou seja, permitiu a chamada estabilização da tutela sumária[6]. ­­

Desta forma, o novo código de processo civil permite que a tutela de urgência requerida em caráter antecedente ao pedido principal se estabilize e subsista. Contudo, para que isso acorra, a lei impõe que a medida urgente se processe pelo sistema do artigo 304[7]. Assim, a medida depende de três requisitos para sua estabilização. São eles: 1) concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, sendo que tenha havido pedido expresso do autor; 2) decisão proferida liminarmente e 3) não interposição de agravo de instrumento.

O artigo 304 dispõe ainda que a tutela antecipada satisfativa se torna estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso, e o artigo 304, § 1º completa que, nesse caso, o processo será extinto e a tutela de urgência continuará a produzir seus efeitos concretos.

Desta decisão antecipatória, porém, não faz coisa julgada material, tornando-a imutável e indiscutível[8]. As partes poderão no prazo de dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, demandar a outra com intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.

A não ocorrência da coisa julgada faz sentido, pois o provimento é fundado em cognição sumária, ou seja, o juiz decide com base em juízo de probabilidade da existência do direito (fumus boni iuris e do periculum in mora). A opção pela não ocorrência da coisa julgada é lógica e faz sentido, pois não se poderia conferir a mesma dignidade processual a um provimento baseado em cognição sumária e a um provimento lastreado na cognição plena[9].

Nota-se que a decisão em cognição sumária, que contém a tutela antecipada, passa a ter força para resolver a crise do direito material, independentemente da ação principal que depende de uma cognição exauriente, ou melhor, baseia-se em aprofundado exame das alegações e provas, criando um juízo de certeza.

Com isso, a decisão antecipatória proferida em cognição sumária pode produzir seus resultados sem depender de abertura do processo de conhecimento de cognição exauriente. Deste modo, as partes ficarem satisfeitas com a decisão que antecipa a tutela pretendida, baseada em cognição sumária e sem força de coisa julgada, mas com potencial de resolver a crise do direito material, e não se mostra pertinente submetê-las ao seguimento do processo para obtenção de uma decisão em cognição exauriente.

O novo Código de Processo Civil, em contrapartida, deixa a possibilidade do ajuizamento de ação principal posterior de cognição exauriente para rediscutir o direito material da decisão que concedeu a tutela antecipatória, invalidando, revendo ou reformando-o. Contudo, enquanto a decisão não for reformada, invalidada ou revista, a tutela antecipada concedida conservará seus efeitos, conforme artigo 304, § 2º e 3º. Nesse sentido, Cássio Scarpinnella Bueno entende:

Enquanto nenhuma das partes tomar a iniciativa, os efeitos da tutela antecipada ficam preservados, e só cederão espaço se ela for “revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º” (art. 304, § 3º). Esta manutenção dos efeitos da tutela antecipada, aliás, é o que parece querer significar a estabilização criada pelo § 1º e pelo caput do art. 304. Nada além disso. Tanto que o § 6º do art. 304 afasta, expressamente, a viabilidade de haver formação de coisa julgada daquela decisão, repetindo que os efeitos se estabilizam até que haja “decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes”, em alusão à previsão do § 2º do mesmo dispositivo[10].                                                          

Por outro lado, se a parte contrária interpuser recurso contra decisão que concedeu tutela antecipatória, extingue-se a possibilidade de estabilização. Desta maneira, será obrigatório o seguimento do processo até a solução definitiva, ou seja, o autor deverá aditar a inicial, caso contrário, ocorrerá à extinção da medida antecipatória ou do processo.

 

O QUE SE DEVE ATRIBUIR AO VOCÁBULO RECURSO DO ARTIGO 304 CAPUT DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Quando se fala em estabilização da tutela da antecipada, faz-se necessário examinar cuidadosamente o significado que se deve atribuir à expressão “recurso” no caput do artigo 304.

Mas a que recurso se refere o dispositivo? A menção à palavra “recurso” no caput do artigo 304 pode ser compreendida de duas formas distintas, a saber, de forma restrita ou de forma mais ampla. Esta significa que a tutela antecipada não se estabilizará se for impugnada por qualquer meio recursal; aquela, diz respeito apenas ao agravo de instrumento, como medida a evitar a estabilização da tutela antecipada[11].

Conforme do artigo 304, caput, do Novo Código de Processo Civil, concedida tutela antecipada previamente, a decisão se tornará estabilizada se a parte contrária não interpuser o respectivo recurso – agravo de instrumento do qual dispõe o artigo 1.015, I, Novo Código Processo Civil[12] – ainda que não expresso tal dispositivo no texto legal. O artigo 304, § 1º, completa que, nesse caso, o processo será extinto e a tutela de urgência continuará a produzir seus efeitos concretos[13].

A previsão do dispositivo em questão não é a mais satisfatória, pois poderia a parte contrária insurgir, por qualquer espécie de oposição, da decisão que transcorre a estabilização. Obrigar o réu a recorrer, ocasião em que ele objetiva apenas opor-se no próprio juízo onde se proferiu a decisão, não tem muita coerência[14]. Nesse mesmo sentido explica Misael Montenegro Filho:

Em decorrência da norma, o réu deve interpor o recurso para evitar que a tutela antecipada se torne estável. Com a devida vênia, pensamos que o dispositivo deve ser interpretado de forma sistemática, não meramente literal.  A parte (não apenas o réu) não está obrigada a interpor qualquer recurso, já que a prática desse ato é facultativa[15].

Entretanto, recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) optou em entender a expressão “recurso” do artigo 304, caput do novo Código de Processo Civil de forma restritiva, ou seja, se utilizando de interpretação literal do dispositivo como medida a evitar a estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória. Conforme seguinte julgado:

 

APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. AUSÊNCIA DE RECURSO. INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ART. 304 DO NCPC. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPATÓRIA. APLICABILIDADE À FAZENDA PÚBLICA. - O art. 304 apresenta uma redação clara em relação ao requisito para se tornar estável a tutela de urgência na modalidade antecipada, isto é, a não interposição de recurso contra a decisão que a conceder. - O legislador optou por utilizar o termo "recurso" contra a decisão que conceder a tutela de urgência, na modalidade antecipada, não cabendo ao intérprete sua ampliação, no sentido de admitir qualquer impugnação para obstaculizar a estabilização da tutela concedida, com a consequente extinção do processo. - Lecionam os Professores Érico Andrade (UFMG) e Dierle Nunes (PUC Minas) que, se obtida a tutela de urgência, no procedimento preparatório da tutela antecipatória (satisfativa), e o réu não impugnar a tutela concedida, mediante recurso de agravo de instrumento (art. 1015, I, novo CPC), o juiz vai extinguir o processo e a medida liminar antecipatória da tutela vai continuar produzindo seus efeitos concretos mesmo na ausência de apresentação do pedido principal (art. 304, §§ 1º e 3º, novo CPC). - A Fazenda Pública se submete ao regime de estabilização da tutela antecipada, por não se tratar de cognição exauriente sujeita a remessa necessária. (Enunciado 21 sobre o NCPC do TJMG). -Recurso improvido. (TJ-MG - AC: 10348160004894001 MG, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 03/11/2016, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/11/2016).

Em contrapartida, se o propósito do instituto da estabilização da tutela antecipada se refere à minoração do número de recursos, a interpretação expressa no caput do artigo 304 do novo Código de Processo Civil, revela-se inverso ao desejo do legislador em reduzir o número de recursos nos tribunais. O novo código de Processo civil, que tanto esforço empregou para reduzir a recorribilidade das decisões interlocutórias, passa a impor, à parte contrária, recorrer para evitar a estabilização[16].

Sobre essa novidade há severas críticas na doutrina, pois ao possibilitar a estabilização da tutela antecipada na hipótese de o réu não interpor recurso contra o seu deferimento, o novo Código de Processo Civil estaria a incentivar a interposição de agravo de instrumento[17].

Na mesma dialética, o dispositivo reproduzido vem recebendo críticas ferozes de parte da doutrina, por ter previsto que a tutela antecipada se torna estável se o réu não interpuser o recurso de agravo de instrumento no prazo geral de 15 dias, técnica que vem na contramão do desejo de reduzir a quantidade de recursos em todos os tribunais da federação[18].

Desse modo, ao contrário de dispor que a tutela antecipada se torne estável da decisão que a conceder, não sendo interposto o respectivo recurso, o legislador poderia ter posto uma ordenação mais extensiva, ou seja, recurso deve ser entendido como qualquer meio de impugnação, desde que demonstrado o inconformismo da parte contrária em não querer que a tutela se estabilize.

Nesse sentido, a estabilização poderá ser afastada por qualquer meio de impugnação, podendo ser recursal ou não. Nessa lógica, pensa-se, ao menos por ora, a de aceitar a interpretação ampliativa do texto. Qualquer manifestação expressa do réu em sentido contrário à tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida no sentido de inviabilizar a incidência do artigo 304[19].

Portanto, para afastar a estabilização deve-se entender em sentido amplo, isto é, qualquer forma de inconformismo da parte contrária será hábil em afastar a tutela antecipada estabilizada prevista no artigo 304 do novo Código de Processo Civil. Consequentemente, o réu poderia até peticionar diante do próprio juízo que concedeu a tutela antecipada, mesmo que não se oponha a sua antecipação, ou seja, quer uma decisão de mérito em cognição exauriente, tornando-a imutável e indiscutível, característica da coisa julgada.  Nessa lógica, explica Misael Montenegro Filho:

Em decorrência da norma, o réu deve interpor o recurso para evitar que a tutela antecipada se torne estável. Com a devida vênia, pensamos que o dispositivo deve ser interpretado de forma sistemática, não meramente literal.  A parte (não apenas o réu) não está obrigada a interpor qualquer recurso, já que a prática desse ato é facultativa. Assim, pensamos que o dispositivo deve ser interpretado da seguinte forma: a tutela antecipada se torna estável se o réu não interpuser o recurso de agravo de instrumento e se não contestar, pois este último ato também demonstra a sua oposição em relação à concessão da tutela antecipada, na verdade, numa intensidade muito maior, quando o comparamos com o recurso de agravo de instrumento[20].

A compreensão adotada, à vista disso, é mais vasta daquele que defende a não incidência da estabilização se a parte contrária, por alguma maneira, se valer de expediente processual para anular a decisão que concedeu tutela antecipada. Na realidade, entende-se que o mero inconformismo em primeiro grau, ainda que não acompanhada de pedido expresso de reforma ou anulação da decisão já será o suficiente para se afastar a aplicação do artigo 304 do novo Código de Processo Civil[21].

Tendo o réu interposto agravo de instrumento, a estabilização da tutela antecipada tornar-se-á afastada livremente do efeito do recurso[22].

Embora o artigo 304 do novo Código de Processo Civil fale apenas em não interposição de recurso, a inércia que exige para estabilização da tutela antecipada vai além, é necessário que o réu não se tenha valido de recurso nem de outro meio de impugnação da decisão[23].

 

INÉRCIA DA PARTE CONTRÁRIA CONTRA DECISÃO QUE CONCEDE A TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE 

Outra dúvida que paira nesse contexto é se poderia haver algum motivo a induzir que a parte contrária fique inerte, ou seja, admitindo passivamente que a tutela antecipada se estabilize, sabendo que bastaria recorrer, numa interpretação restrita ao artigo 304 do novo Código de Processo Civil.

Deveras, não é provável que sem algum incentivo o réu permita a estabilização da tutela antecipada. O ato de recorrer exige mais empenho do réu e pagamento de custas, presumindo o legislador que o réu só terá esse empenho se efetivamente tiver interesse e uma tese de defesa viável[24] – não pode ser esquecido que a estabilização é uma sanção processual que se aplica em virtude da inércia da parte contrária[25].

Na mesma lógica, em não havendo impugnação, os honorários advocatícios serão limitados a cinco por cento e haverá isenção das custas processuais, como forma de pressionar o réu a não interpor agravo e deixar que ocorra a estabilização[26].

 

CONDUTA DAS PARTES DIANTE DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE

No que diz respeito à exata clareza do que é indispensável para ocorrência da estabilização e a conduta das partes – tanto do autor quanto do réu – repercutirá sobre o prosseguimento do processo e sobre a estabilidade da medida. Desta forma surgem questões que devem ser esclarecidas.

 

 Se a Parte Contrária não Oferecer Recurso e nem o Autor Aditar a Inicial

É notório, todavia, no fato do autor emendar a inicial e o réu recorrer de decisão que outorga medida urgente, não ocorrerá à estabilização e o processo seguirá regularmente.

No caso em questão, pode acontecer de a parte aditar a inicial e o réu não insurgir de agravo de instrumento. Nesta situação, o autor manifesta seu desejo de proceder com o processo, no entanto não se deve descartar a expectativa de que o autor o tenha feito apenas pelo motivo de não saber se o réu iria ou não agravar, vivenciando o temor de ocorrer o término do processo sem a resolução de mérito.

Nesse cenário, se o réu não agravar o pedido de tutela, esta não se estabilizará em decorrência do aditamento do autor por temor a extinção do processo, no entanto ele poderia ter interesse à estabilização. A solução adequada para este caso, pois, será exigir do juiz que profira despacho advertindo o autor do fato de que, por não ter o réu recorrido, pode acontecer a estabilização da tutela antecipada[27].

Entende-se que essa conduta do juiz, resulta do princípio da cooperação expresso no artigo 6º do novo Código de Processo Civil[28], que consequentemente se procederá à extinção do processo sem resolução de mérito, permitindo a desistência da ação pelo autor e de forma automática a estabilização da tutela antecipada de urgência. Todavia, se o autor não desistir da ação o processo seguirá normalmente e terá uma decisão formada em cognição plena.

Portanto, o autor quando adita a petição inicial, já assegura que só deseja o prosseguimento do processo se o réu insurgir, se satisfazendo com a estabilização em caso adverso. Desta forma, o processo será extinto sem resolução de mérito, onde será estabilizada a tutela antecipada.

 

Se a Parte Contrária Agravar e o Autor não Emendar a Inicial

Se o prazo para o autor aditar a inicial terminar antes do prazo para interposição do respectivo recurso, o processo poderá ser extinto antes da insurgência do réu. Esse fato não pode acontecer, pois caso o autor não aditar a inicial, não poderá ser extinto o processo, visto que é preciso aguardar o prazo recursal por consequência da atitude do réu, que poderá recorrer ou não.

O juízo, ao aferir que a parte não emendou a inicial, aguarda o prazo recursal para verificar a conduta do réu, uma vez que, interposto agravo, deve o juiz extinguir o processo em razão da insurgência deste, revogando a tutela antecipada, que não se estabilizou.

Pode acontecer também de nem o autor aditar a inicial e nem o réu impugnar. A indagação que fica é: o processo será extinto por força do § 2º do artigo 303 ou a extinção ocorrerá pelo artigo 304? Essa extinção será com ou sem estabilização da tutela satisfativa antecedente? Deve prevalecer a estabilização da tutela antecipada – e isso em razão da abertura conferida às partes para rever, invalidar ou reformar por meio da ação prevista no § 2º do art. 304 do CPC[29].

Na mesma linha de raciocínio, pode acontecer de o autor não emendar a inicial e o réu não interpor recurso. Deve-se considerar, neste caso, que para o autor se revelou suficiente a tutela de urgência já deferida, não tendo ele interesse em prosseguir com o processo em direção a um julgamento final fundado em cognição exauriente, e que ao réu não interessou praticar o ato necessário para impedir a estabilização da tutela antecipada. Nesta hipótese, então, a tutela de urgência satisfativa antecedente se estabilizará[30].

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se no presente artigo científico, posicionar-se sobre temas que vem sofrendo diversas críticas pela doutrina acerca do entendimento das disposições processuais que regem o procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente e principalmente quanto à técnica de estabilização desta tutela.

No que se refere aos aspectos gerais da tutela provisória, o novo Código de Processo Civil inovou todo o sistema de tutela judicial fundada em cognição sumária, isto é, unificando em um regime geral a denominada tutela provisória. Logo, o legislador reuniu a tutela cautelar prevista no artigo 796 e seguintes e a tutela antecipada prevista no artigo 273, onde se passa a respeitar o mesmo regime legal, diferentemente do código de processo civil de 1973. Desta forma, a Tutela provisória é gênero que contempla duas espécies: a tutela satisfativa (denominada antecipada) e a tutela cautelar.

No que diz respeito à inércia da parte contrária, pode haver algum motivo que induza a parte contrária a ficar inerte, ou seja, admitir passivamente que a tutela antecipada se estabilize, sem impugnar a tutela estabilizada, assim, disso deduz-se que não é provável que, sem algum incentivo, o réu permita a estabilização da tutela antecipada, pois o ato de recorrer exige mais empenho do réu e pagamento de custas.

No que se refere ao significado da expressão “recurso”, entende-se que, em decorrência da norma, o réu deve interpor o recurso para evitar que a tutela antecipada se torne estável; examina-se que o dispositivo deve ser interpretado de forma ampla, não meramente literal. Por consequência, ao contrário de dispor que a tutela antecipada se torne estável da decisão que a conceder, não sendo interposto respectivo recurso, o legislador poderia ter posto uma ordenação mais extensiva, ou seja, o recurso deve ser entendido como qualquer meio de impugnação, desde que demonstrado o inconformismo da parte contrária em não querer que a tutela se estabilize.

 

Notas e Referências

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CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2 ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil - Teoria da Prova, Direito Probatorio, Decisão, Precedente, Coisa Julgada, Tutela Provisoria. 11 ª ed. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2016. 

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19 ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.

FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil. 12 ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Processo Comum. 56 ª ed. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

MACHADO JUNIOR, Dario Ribeiro et al. Novo código de processo civil: anotado e comparado: lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Dario Ribeiro Machado Junior e outros; coordenação Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Humberto Dalla Bernardina de Pinho. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpcão. Manual de Direito Processual Civil. 8 ª ed. Volume Único. Salvador: Juspodivm, 2016. 

NUNES, Dierle. ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o mistério da ausência de formação de coisa julgada. In: DIDIER JR. Fredie e outros. Coleção novo CPC, doutrina selecionada, v.4, procedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório. 2ª Ed: Rev. amp. e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2016.

REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principais controvérsias. In: Fredie Didier Jr. (coord). Grandes temas do novo CPC. Tutela provisória. v.6. Salvador: Editora Juspodivm, 2016. 

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e onze soluções quanto à chamada Estabilização da Tutela Antecipada. In: Fredie Didier Jr. (coord.). Grandes temas do novo CPC. Tutela provisória. v.6. Salvador: Editora JusPodivm, 2016.

TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e estabilização da tutela antecipada. In: MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Doutrina selecionada: Procedimentos especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. v.4. Salvador: Juspodivm, 2015.

 

 

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