Introdução
Vivemos em um tempo sombrio, repleto de colisões culturais. De modo geral, a humanidade busca compreender as novas culturas e os novos padrões de comportamento. Na faixa etária de transição, gerações se enfrentam para conciliar interesses, promover o diálogo e garantir um espaço adequado para o desenvolvimento da sociedade, compreendido como a manutenção do emprego; a garantia da previdência e assistência social; a conciliação dos múltiplos interesses socioeconômicos; a fixação de padrões éticos, morais e jurídicos necessários à convivência e a promoção das inter-relações; o desenvolvimento sustentável, dentre outras perspectivas.
A dinâmica das relações modernas, caracterizada pela volatilidade, aproxima-se do processo dialético, não fosse a fluidez dos conceitos e a completa submissão do Ser Humano à ideologia de mercado. Perdido e perplexo, o Ser Humano queda-se envolvido pelas inovações cotidianas do mercado, alterando involuntariamente a compreensão do conceito de liberdade, passando a ser autossugestionado nas ações e nas escolhas. O Ser Humano pensa ser livre, quando na verdade é prisioneiro do sistema, cujo comportamento é determinado por padrões exteriores e segundo a imprescindibilidade do sistema capitalista.
A questão, entretanto, é que na vida moderna, o Ser Humano é obrigado a fazer e a refazer escolhas; a decidir pelas escolhas e a rever as decisões todos os dias, sem, contudo, compreender adequadamente o significado e a profundidade do impacto das preferencias para a vida pessoal e da própria comunidade em que se encontra inserido.
Neste mundo de mudanças, repleto de incógnitas, incompreensões e medos, o Ser Humano é demandado a tomar decisões abruptas, gerando sequelas para além da vida pessoal e de uma geração familiar, alcançando a vida no planeta. Alberto Melucci[1] aduz que as escolhas que realizamos tornam-se um destino. Zygmunt Bauman explica que os Seres Humanos são obrigados a fazer escolhas desde que se tornam humanos e, ainda, que em nenhuma outra época foi necessário fazer escolhas que afetassem o homem de modo tão profundo e tão doloroso. Dentro desse contexto, esclarece, também, que a fluidez das relações, dos comportamentos e dos padrões de convivência, não permite ao Ser Humano curar as feridas provocadas pelas escolhas.
A moda e as escolhas
Pergunte-se: o que você escolhe consumir e o que você escolhe comprar, é fruto da sua vontade ou da vontade do mercado? Em regra, as escolhas e as preferências, não estão ligadas às primordialidades da vida, representando muito mais o determinismo da cultura de consumo.
No propósito de manter-se atualizado e competitivo para sobreviver no mundo, o Ser Humano é obrigado a fazer as escolhas impostas pelo sistema cultural vigente e a aderir à moda do consumo de bens, serviços e produtos desconectados da imprescindibilidade, pois, do contrário, será visto como antiquado, e consequentemente será descartado por obsolescência. A questão, entretanto, possui contornos mais profundos e assombrosos, pois, segundo Zygmunt Bauman[2], citando Geroge Steiner, na cultura liquida-moderna, todo produto cultural é calculado para produzir o máximo impacto possível, dissolvendo os produtos culturais do passado e, ao mesmo tempo, com a redução imediata da vida útil, permitindo o nascimento de outros produtos culturais.
O que parece ser um paradoxo, na verdade é uma engenharia meticulosamente elaborada que relativiza a cultura e os valores humanos, tornando as relações humanas superficiais. Dessa forma, tudo que se conhece ou tudo que se fixou como razoável e necessário para a vida do Ser Humano é rapidamente descartado e substituído, não importando se a nova moda venha acompanhada da transgressão dos valores éticos e morais. Zygmunt Bauman explica, dentro do contexto de relativização, que vivemos uma cultura do desengajamento, da descontinuidade e do esquecimento.
As transformações ocorrem com virulência e todo aquele que não se adapta é considerando velho e ultrapassado, sendo descartado como resíduo não aproveitado pela cultura moderna.
O Destino da Humanidade
O Ser Humano, envolto de forma imanente pela cultura moderna, não reflete objetivamente sobre as ações realizadas no mundo e muito menos sobre as condições de sustentabilidade da humanidade no planeta. A cegueira não permite que o Ser Humano promova uma avaliação criteriosa da decadência das relações humanas e, tampouco, a fixação de projetos de crescimento de longo prazo e de forma sustentável.
Pela cultura moderna, tudo se resume no aqui e no agora. O que importa é aproveitar o momento, sem pensar nas eventuais consequências para o futuro. Decorre da ótica hedonista a falta de compromisso com o outro e com a sociedade. O momentoso é a satisfação das vontades pessoais (o que inclui as ações de grupos empresariais), não importando o quanto as decisões possam impactar na qualidade de vida de uma família, de uma comunidade, de um pais ou do planeta.
Exemplos simples podem comprovar que o que é bom hoje pode ser prejudicial amanhã. Vejamos a questão da água. Em regra, usa-se a água de forma insustentável (lava-se ruas, calçadas e carros) e, com isso, acaba-se ficando sem água para consumo humano. Na mesma perspectiva, pode-se destacar o problema dos mananciais de abastecimento de água potável. Geralmente os rios são poluídos por esgoto humano e, depois, a água com esgoto é tratada e fornecida para consumo – grosso modo, o Ser Humano consome a água que foi descartada no vaso sanitário.
Outro exemplo de decisões de curto prazo e com sequelas a longo prazo, são os projetos entabulados pelos grandes conglomerados empresariais. A busca pela maximização do lucro não respeita os recursos naturais e muito menos promove a cultura da preservação, do consumo consciente e da inclusão social.
A partir das circunstâncias, o destino da humanidade prescinde de um modelo ético de inclusão socioambiental que seja capaz de romper a parreira invisível e doentia da moda que resulta no consumo insustentável e na exclusão social.
Nessa esteira, Leonardo Boff[3] indica que a crise social se prende à forma como as sociedades modernas se organizam no acesso, na produção e na distribuição dos bens da natureza e da cultura. Esclarece que a forma de organização social é desigual, por que privilegia as minorias que detêm o ter, o poder e o saber sobre as grandes maiorias.
O teólogo Leonardo Boff, em relação à sustentabilidade, desvenda que as relações estão contaminadas pelo individualismo e pela competitividade, com absoluta ausência dos laços de solidariedade e de cooperação. No que toca a relação com a natureza, expõe que os humanos nos últimos séculos, entretiveram com a Terra e seus recursos uma relação de domínio, de não reconhecimento de sua alteridade.
Diante das constatações, o destino da humanidade depende de um pacto ético, com capacidade de unir os Seres Humanos por meio de valores essenciais à vida, dentre os quais a caridade, a coadjuvação mutuo, o respeito a natureza, o desenvolvimento sustentável; a distribuição da riqueza e a erradicação da fome.
Conclusão
O escorço apresentado, embora incompleto e tacanho, aponta para importantes reflexões de ordem pessoal e institucional. Perguntar-se sobre o que estamos fazendo com as nossas vidas e com o planeta pode ser um bom início.
E, antes da primeira pedra, a pretensão não foi a de condenar a abertura ao novo e as novas perspectivas culturais. Alais, o poeta, compositor e cantor Belchior, no ano de 1976, lançou a música Velha Roupa Colorida[4], cuja estrofe antevia a necessidade de compreender a dinâmica de alternância da vida e a necessidade de rejuvenescer:
Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos rejuvenescer.
A questão, contudo, é não fazer das mudanças um lugar inseguro para viver.
[1] Citado por BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 2004, pg. 142.
[2] BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 2004, pg. 145
[3] BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Letraviva: Rio de Janeiro, 2000, pg. 16
[4] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Belchior. Acesso dia 14 de mar. 2018.
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