O século XXI, mesmo aos olhos alheados, representa um tempo de contradições que desafiam cientistas e pesquisadores; as mudanças culturais, morais e tecnológicas impõem a constante revisão dos valores éticos e legais de convivência social. Embora o velho dilema social e econômico persista, em especial nas nações subdesenvolvidas, o mudo moderno mostrou-se fértil, tanto no desenvolvimento de novas mazelas quanto no fortalecimento da cidadania. O Ser Humano de 2017, ao mesmo tempo em que dispõe de amplo acesso à educação e da melhor tecnologia de comunicação e de transporte; contuberna com a fome, com o terrorismo, com a guerra e com a degradação do meio ambiente pelo capitalismo predatório que desmata, lança o esgoto nos cursos hídricos e que extrai da fauna e da flora os recursos naturais para manter o crescimento econômico, mesmo em detrimento da própria existência da vida humana.
Não fossem as questões estruturais, o Ser Humano do século XXI enfrenta, também, uma crise subjetiva de difícil solução que Zygmunt Bauman[1] explica a partir da teoria do mundo líquido. Segundo Bauman, no mundo liquido as pessoas procuram não manter vínculos sólidos com os outros seres humanos e a liberdade é colocada acima de todos os valores de convivência. Explica, ainda, que no mundo líquido se procura o que é descartável, pois as pessoas estão acostumadas a se desfazer de tudo com facilidade, inclusive dos laços e vínculos, tudo de forma rápida e prática, sempre que as pessoas e os objetos deixarem de ser uma novidade. Resulta que tudo que possui vida útil e prolongada não interessa e deve ser descartado.
Outro aspecto ressaltado é a transformação do conceito de felicidade em produto. O Ser Humano se realiza e é reconhecido socialmente pela sua capacidade de adquirir bens, produtos e serviços de seu tempo e segundo as regras mercadológicas. Aliais, o mercado influência a vida dos Seres Humanos, inserindo-os numa complexa dinâmica, pois, ao mesmo tempo que envolve, estimula e direciona para o consumo, acaba por implantar subliminarmente a eterna sensação de insatisfação.
A partir deste contexto discutem-se as questões relacionadas à assunção de direitos no mundo moderno e em que medida o meio ambiente é inserido como objeto de normatização e aplicação pelo Estado e pela sociedade.
Sob o ponto de vista histórico, a assunção de direitos ocorreu de forma inversa ao que delineou Zygmunt Bauman. Norberto Bobbio[2], ao estudar a evolução dos direitos do homem, classificou o direito por gerações (as doutrinas modernas questionam a ideia de geração e discutem a existência de dimensões do direito). A primeira geração é conhecida por geração dos direitos individuais, caracterizada pela proteção do Estado para direitos ligados à vida, à liberdade e à propriedade. A segunda geração representou a preocupação do Estado com os direitos sociais, com atenção para direitos ligados à saúde, à educação, à alimentação, à moradia e à segurança. Por fim, a terceira geração fixou sua atenção para os direitos metaindividuais, voltados à defesa de direitos globais, pertencentes a uma coletividade de pessoas, como é o caso do direito ao meio ambiente.
Compreendendo que as gerações não ocorreram de forma estanque e muito menos de forma linear e sequencial, o fato é que Norberto Bobbio incluiu a liberdade no primeiro estágio da evolução dos direitos humanos e a garantia do meio ambiente, topograficamente posicionada após o direito à liberdade, como um bem transversal e metaindividual.
Paulo de Bessa Antunes[3] observa que a sociedade moderna vive uma era dos direitos, onde as diferentes parcelas da população postulam direitos de forma cada vez maior e que resultam na contrafação de normas atributivas de garantias processuais e direitos substantivos. O autor destaca que modernamente já se fala em uma nova geração de direitos humanos, direitos esses que não se limitam àqueles fruíveis individualmente ou por grupos determinados, como foi o caso dos direitos individuais e dos direitos sociais.
A nova geração de direitos é, na verdade, a “velha” concepção de Norberto Bobbio sobre os direitos de terceira geração, quando incluiu a garantia ao direito de viver num ambiente não poluído como um direito humano supraindividual.
Embora o diagnóstico de Paulo de Bessa Antunes esteja correto quanto a existência da era dos direitos, e Norberto Bobbio sempre estivesse além de seu tempo quando previu a garantia do meio ambiente como um direito metaindividual; o desafio do Estado e da sociedade moderna, entretanto, não parece ser a formulação das normas jurídicas. Primeiro, pelo fato de que a garantia do direito ao meio ambiental ultrapassa as fronteiras físicas dos Estados; segundo que a preservação e conservação dos ecossistemas esbarra na ordem econômica do capitalismo predatório e terceiro que a assunção dos direitos exige o rompimento com o paradigma da modernidade liquida – uma complexa revisão do modelo de sociedade e de fruição do direito à liberdade.
Neste sentido, a sociedade prescinde de uma revolução socioambiental que ataque as contradições da lógica corsária do modelo econômico de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, confronte os Seres Humanos quanto aos conceitos de educação, de convivência humana e de consumo.
A revolução ambiental, portanto, exige uma crítica racional ao modelo real de Ser Humano e de sociedade em relação a visão e convivência com o meio ambiente, ultrapassando as manifestações de vontade e as políticas públicas pontuais para alcançar o processo dialético de revisão constante da vida humana no mundo.
Assim, conclui-se que na sociedade moderna, as questões relacionadas a assunção de direitos não se interromperá e que o problema dos direitos de terceira geração não será a produção de leis, mas os valores envolvidos no processo legislativo, com destaque para as pressões de ordem econômica, pois, como ensina Norberto Bobbio[4] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são dir1eitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
Quanto ao meio ambiente, a revolução exige o reconhecimento da doença incurável do consumo vaidoso e a crítica às práticas, comportamentos e modelos de relacionamento do Ser Humano com o meio ambiente. Dizendo de outra forma, reclama-se por um compromisso individual e pessoal que vai além da militância e do ativismo, requerendo a transformação da essência do Ser Humano.
Notas e Referências:
[1] BAUMAN, Zygmund. Capitalismo predatório. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
[2] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1995.
[3] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2012
[4] op. cit.
Imagem Ilustrativa do Post: 031/365: 60 second walk // Foto de: Ben Smith // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/dotbenjamin/2660459737
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode