A era da burrice  

11/11/2018

 

O título do presente artigo é o mesmo da matéria de capa da Revista Superinteressante do mês de outubro de 2018, edição 394, tema ao qual cheguei a partir do artigo “A era da cizânia e a aparente proliferação da burrice” do sítio jurídico Conjur. O artigo do sítio Conjur parte do pressuposto de que o artigo da Superinteressante “talvez explique, ao menos em parte, a ascensão de um fascista na política brasileira”.

Contudo, os mesmos dados podem se interpretados em sentido contrário àquele indicado pelo articulista do Conjur.

Inicialmente, a ideia de que há “a ascensão de um fascista na política brasileira” é equivocada. No ponto, a própria Superinteressante nos ajuda a explicar essa manipulação ideológica das palavras, deturpando o conceito de fascismo, pelo artigo “Você sabe o que é fascismo? Entenda o termo”, porque tal termo era “usado para designar as políticas adotadas por Mussolini e seus seguidores”, ligado a “um sistema político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático”, ressaltando o “fato de o fascismo não possuir um arcabouço teórico forte, e ter sido determinado, na prática, pelas atitudes de Mussolini”, e concluindo que “a própria definição de fascismo é relativa. E as pessoas vão continuar usando essa palavra cada uma à sua maneira”.

Portanto, ainda que as pessoas estejam ficando mais burras, isso não significa que houve ascensão de um fascista na política brasileira, porque o pleito foi vencido democraticamente pelo representante de um ideal de liberalismo econômico sem qualquer veio imperialista, com pretensão explícita de redução do Estado.

Voltando à era da burrice, segundo a Superinteressante, edição 394, testes de inteligência (QI) feitos na Dinamarca, na Holanda, na Inglaterra e na França indicaram que houve queda do quociente de inteligência geral a partir do final do século XX, conforme estudo feito pelo antropólogo inglês Edward Dutton, sustentando que existe um declínio reiterado nos resultados do teste de QI nos últimos tempos, com possibilidade de, em uma geração, o QI médio regredir para 80 pontos, nível compatível com pessoas com inteligência baixa. Anteriormente, o estudo feito por James Flynn havia constatado relevante aumento de QI durante o século XX, fenômeno que ficou conhecido como Efeito Flynn.

O artigo da Superinteressante indica as possíveis causas para o Efeito Flynn Negativo, referente à redução dos níveis de inteligência medidos, iniciando por uma possível involução natural, porque as pessoas mais inteligentes teriam menos filhos, o que levaria à diminuição da média das pessoas inteligentes ao longo do tempo. Outra hipótese seria a redução natural da capacidade cognitiva, que já teria atingido o seu patamar máximo no passado. Levanta, ainda, a possibilidade de a evolução tecnológica dos últimos vinte anos ter mudado nossas condições de vida influindo negativamente na inteligência das pessoas, pois passamos a prestar menos atenção às coisas complexas, e por estarmos imersos em um mundo de frases curtas e simplistas das redes sociais. A última explicação parece plausível, mas pode ser acrescida de argumentos.

A palavra inteligência significa a capacidade de entendimento de uma pessoa, sendo que o termo inteligência tem origem latina, “inter”, ou “entre”, e “legere”, que tem tanto o sentido de “escolher” como o de “ler”, pelo que inteligência é a capacidade entendimento, de escolha da mais acerta hipótese dentre duas ou mais, referente ao discernimento do certo ou do errado, ou, ainda, a aptidão para ler entre linhas, nas entrelinhas, captando o significado mais sutil, mais amplo, da coisa ou do fenômeno.

David Bohm tinha o costume de buscar a origem das palavras para aprimorar seu conhecimento de mundo, como na conversa com Krishnamurti em que cita o termo “inteligência”, e sua abordagem científica explica muito melhor a causa da era da burrice que vivenciamos, que decorre da fragmentação do conhecimento humano contemporâneo.

Nos tempos primitivos, o entrelaçamento da ciência com as artes e a religião, formando uma unidade inseparável, parecia ser o principal meio pelo qual esse processo de assimilação (de toda experiência humana) acontecia” (David Bohm. Sobre a criatividade. Trad. Rita de Cássia Gomes. São Paulo: Ed. Unesp, 2011, p. 31).

Bohm destacava que a ciência também tinha uma preocupação com o entendimento psicológico do universo, enquanto a religião tinha a preocupação de abranger “toda a vida, todos os relacionamentos, como uma totalidade ininterrupta, não fragmentada, inteira e completa” (Idem, p. 32), destacando o primeiro mandamento hebraico: “ame a Deus com todo o seu coração, todo o seu espírito e toda a sua força”, para que fosse atingido o objetivo da religião, “auxiliar o homem a ser inteiro e ter harmonia em todas as fases da vida” (Ibidem).

Essa totalidade de entendimento do mundo está se perdendo a passos largos, principalmente a partir da segunda metade do século XX, pelo que se pode dizer que a era da burrice decorre da atual fragmentação do conhecimento, em que ciência, arte e religião não mais formam unidade, não têm conexão, impedindo a correta compreensão do mundo.

No período dos gregos e dos romanos a religião estava na base da sociedade, e influía em todos os aspectos da vida, inclusive na criação de direitos e deveres das pessoas em comunidade, pois havia comunidade, a comum unidade de significado da vida. Isso não mais ocorre, porque a religião romana foi substituída pelo Cristianismo das duas cidades de Agostinho de Hipona, separando o comando do Espírito do comando do Corpo social, o que não teve maiores problemas inicialmente, pelo predomínio inconteste da moral Cristã no Ocidente, com reflexos também no mundo político-jurídico.

Contudo, após os questionamentos à visão Cristã de mundo, especialmente por Darwin, Marx e Freud, que surtiram efeitos ao longo do século XX, notadamente na revolução sexual dos anos 60, com aumento progressivo das indagações sobre a visão religiosa de mundo, comportamentos até então tidos como inaceitáveis moralmente passaram a ser defendidos abertamente, até o ponto de atualmente o relativismo moral não aceitar qualquer padrão de comportamento que não seja a vontade arbitrária das pessoas, especialmente nos campos moral e sexual, por não existir um modelo que seja considerado natural e usado como critério de julgamento da verdade ética e científica do mundo.

A burrice atual tem como causa a religião materialista e individualista que predomina na vida científica e social das pessoas, em que cada um se atribui o direito de ser uma ilha, com suas próprias vontades, porque o homem é um acidente cósmico (Darwin em sua versão atual); a história não tem um sentido próprio, devemos forçá-la segundo nossa vontade (Marx); sendo o sexo um comportamento sem qualquer outra repercussão na vida das pessoas senão o prazer imediato que proporciona, e por isso a vontade de todo filho é de se relacionar sexualmente com a mãe (Freud).

Como os dados não suportam as hipóteses darwinista, marxista e freudiana, que predominam no universo acadêmico, refletindo nas políticas LGBT, abortista, de defesa irresponsável dos criminosos e dos financistas do capitalismo selvagem e global, as experiências globais de mundo das pessoas que ainda possuem uma ideia de sentido da vida as levaram a reagir, ainda que em parte inconscientemente, a esse estado de burrice materialista que domina a vida contemporânea.

Por isso, para enfrentar essa irracionalidade generalizada, o movimento das comunidades ocidentais é no sentido de buscar uma ideia de bem ligada ao conhecimento que sustentou a civilização nos últimos dois milênios, relativa a ideias religiosas, de conexão espiritual dos fenômenos, ainda que o desenvolvimento dessas ideias seja parcialmente equivocado, para superar a fragmentação materialista do conhecimento que culminou na redução da inteligência média das pessoas.

Fica claro, então, que o raciocínio deve ser considerado uma arte. E, portanto, em um sentido mais profundo, o artista, o cientista e o matemático estão preocupados com a arte e seu significado mais geral, ou seja, a conexão” (Idem, p. 97).

É a pessoa religiosa que busca a conexão entre os fenômenos, uma ligação espiritual em tudo o que ocorre, ao contrário dos materialistas, porque para estes o mundo é regido pelo acaso, pela aleatoriedade, e, por isso, não havendo significado sutil a ser descoberto ou entendido, por ausência de atividade e esforço mental nesse sentido, a inteligência involuiu em um mundo sem substrato religioso.

“Esse conceito de conexão estende-se a todos os aspectos da vida, incluindo aqueles chamados de morais ou éticos e que têm a ver com o bem. (...)

A dificuldade é, naturalmente, que os homens têm conceitos confusos e fragmentários em relação ao que é bom. Tais conceitos separam os homens, tanto de si mesmos quanto dos outros, levando a conflitos. Desse modo, a origem do mal seria o fato de o homem seguir seu próprio conceito fragmentado do que é bom” (Idem, p. 99).

O tempo em que vivemos, da era da burrice, é, portanto, também o do anticristo, porque Deus, o Criador, o Pai, não está presente na vida científica e social, inclusive jurídica, e o Direito tem sido entendido como um instrumento de libertação da opressão humana, para que cada um faça o que quiser, quando, em realidade, como disse Celso, Direito é a arte do bom e do justo, porque existe um bom objetivo, e um justo objetivo, que é associado na tradição judaico-cristã-muçulmana a Deus, o Bom, o Justo, o Clemente, o Misericordioso.

Quem é o mentiroso, a não ser quem nega que Jesus seja o Cristo? Esse é o anticristo, aquele que nega o Pai e o filho. Todo aquele que nega o filho não tem o Pai; quem reconhece o filho tem também o Pai” (1Jo 2, 22-23).

Portanto, para que a inteligência volte a evoluir, é necessária a aceitação do Cristo, o Enviado do Pai para mostrar Sua Vontade, Política, Jurídica e Religiosa. Porque Cristo é a encarnação do Logos, da verdadeira Sabedoria, da própria Inteligência cósmica, é o único método, ou Caminho, para a Verdade, para que cheguemos à Sapiência, à Consciência, à Lucidez que dispersa toda escuridão e toda ignorância. Contra a burrice, só Cristo, pois “Todo aquele que permanece n’Ele não erra; todo aquele que erra não O viu nem O conheceu” (1Jo 3, 6).

 

 

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