A EQUIVOCADA LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS NO BRASIL  

14/02/2019

 

Causou-me muita estranheza o teor do Anteprojeto de Lei encaminhado ao Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, no último dia 07 de fevereiro de 2019, de autoria da “Comissão de Juristas responsável pela atualização da Lei de Entorpecentes”.

No âmbito geral, o Anteprojeto descriminaliza a aquisição, posse, armazenamento, guarda, transporte, compartilhamento ou uso de drogas ilícitas, para consumo pessoal, em quantidade de até 10 (dez) doses.

O Anteprojeto, ainda, retalha os dispositivos atinentes ao tráfico de drogas, diminuindo a pena de várias condutas criminosas e abolindo o crime de associação para o tráfico.

Especificamente no que se refere ao consumo pessoal de drogas ilícitas, o art. 28 do Anteprojeto apresenta a seguinte redação:

“Art. 28. A aquisição, posse, armazenamento, guarda, transporte, compartilhamento ou uso de drogas ilícitas, para consumo pessoal, em quantidade de até 10 (dez) doses não constitui crime. § 1º Semear, cultivar ou colher até 6 (seis) plantas das quais se possa extrair substância ou produtos conceituados como drogas ilícitas não constitui crime. § 2º O limite excedente a 10 (dez) doses previsto neste artigo será considerado para consumo pessoal, se em decorrência das condições em que se desenvolveu a ação, ficar caracterizado que a droga ilícita se destinava exclusivamente para uso próprio.”

Além de equivocadamente fixar um limite quantitativo de porções de drogas para diferenciar posse para consumo de tráfico, o próprio Anteprojeto diz que esse limite de 10 (dez) porções pode ser ultrapassado, a depender “das condições em que se desenvolveu a ação”.

Nesse aspecto, é bem de ver que o Brasil, mais uma vez, vem na contramão da história, na contracorrente da tendência mundial de real enfrentamento do problema das drogas, que não se resume a descriminalizar a posse e o consumo pessoal, que, a bem da verdade, apenas agrava a situação daqueles que se lançam ao consumo dessas nocivas substâncias, além de constituir a mola propulsora da escalada do tráfico de drogas, que aumentou assustadoramente em todos os países em que a posse e o consumo foram liberados.

A conferir o recente exemplo da Holanda, que, após a descriminalização do consumo de apenas uma droga, a maconha, tem enfrentado onda crescente de criminalidade violenta, de tráfico de drogas e outros delitos praticados pelo crime organizado, em que são diários os enfrentamentos entre facções de diversas origens étnicas, tornando o país em um verdadeiro “narcoestado”, nas palavras do presidente do Sindicato da Polícia Holandesa, Jan Struijs.

A propósito, confira-se a interessante matéria publicada no periódico “Em País”, edição internacional do dia 1º de abril de 2018, intitulada “Holanda, de paraíso da maconha legal a narcoestado com tiroteios à luz do dia.”

Expansão do crime organizado, aumento do tráfico de drogas, explosão da violência e do crime organizado, famílias desintegradas, tiroteios à luz do dia. Esse é o quadro atual de Amsterdã – uma capital dominada pelo crime, segundo especialistas das Universidade de Groningen e Tilburg.

Aliás, um relatório de 2016 da Europol - a polícia da União Europeia - e do Observatório Europeu das Drogas e Dependência Química considerou que a Holanda era o principal núcleo do tráfico de entorpecentes do continente.

No mesmo sentido, em 2016, o levantamento “Política de Drogas e Encarceramento”, que foi realizado pelo ITTC (Instituto Trabalho, Terra e Cidadania), que concluiu que, de 36 países (21 europeus e 15 americanos) avaliados (Argentina, Bélgica, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Holanda, Honduras, Hungria, Irlanda, Itália, Luxemburgo, México, Paraguai, Peru, Portugal, Reino Unido, Venezuela, Alemanha, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Romênia, Ucrânia, Costa Rica, Croácia, EUA, Jamaica e Uruguai), grande parte deles teve aumento no número de encarceramentos e no número de presos.

Dos 15 países americanos, 11 tiveram aumento do encarceramento após adotarem política tolerante com o usuário de drogas: Argentina, Bolívia, Brasil (que na atual lei de drogas previu apenas advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa ao usuário), Chile, Colômbia, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru e Venezuela. Já dos 21 países europeus, 11 tiveram aumento no número de presos: Bélgica, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal e Reino Unido.

Continuando a análise do malfadado Anteprojeto brasileiro, o art. 29, II, considera uma mera “infração administrativa” a conduta de “consumir drogas ilícitas, até o limite estabelecido no art. 28 desta Lei, no mesmo ambiente, ou em local próximo visível, em que se encontre criança, adolescente menor de 18 (dezoito) anos...” (grifo nosso).

Ou seja, há um confronto evidente com a Doutrina da Proteção Integral, voltada a crianças e adolescentes, criteriosamente instituída pelo art. 227 da Constituição Federal e pelo art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outro ponto digno de nota se refere ao disposto no art. 2º do Anteprojeto, que expressamente dispõe que “ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas ilícitas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas...”.

Referido artigo deixa clarividente que a produção de drogas é vedada no Brasil, criando um paradoxo inexplicável que apenas contribuirá para o incremento do tráfico de drogas.

Evidentemente, se o Estado não fornecer as drogas ao usuário, onde haverá ele de comprar as suas 10 (dez) porções ou mais? Onde conseguirá obter o usuário as suas porções de “crack”, de “ecxtasy”, de LSD, de metanfetaminas (cristal), de cocaína e de maconha (todas drogas liberadas para uso pelo Anteprojeto – vide art. 66-A)?

A resposta é uma só: adquirirá as drogas do traficante. A liberação de drogas estimula o consumo e aquece a demanda. Se o Estado não fornece a droga (e não há nenhuma previsão nesse sentido no Anteprojeto), evidentemente o usuário terá que adquiri-la do traficante, gerando, em curto tempo, os mesmos problemas já experimentados por outros países, que estão revendo suas políticas equivocadas de permissividade com as drogas, arrependendo-se da errada decisão tomada há anos.

Em suma, o problema das drogas, e seus efeitos nocivos, não se combate com a liberação pura e simplesmente, estando o Brasil, mais uma vez, copiando políticas públicas e opções legais já experimentadas e abandonadas em vários países do mundo, posto que não surtiram o efeito desejado e apenas trouxeram mais sofrimento e morte à população, principalmente às camadas menos favorecidas da sociedade.

Por fim, a meu ver, o Anteprojeto de Lei que visa a “atualização” da nossa Lei de Drogas carece de legitimidade, já que não discutido com todos os setores da sociedade envolvidos no problema, não discutido com a comunidade jurídica e não discutido com a população brasileira (que deve dar a última palavra por meio de seus legítimos representantes nas casas legislativas). De nenhuma audiência pública se teve notícia e de nenhum sítio na internet ou outro meio idôneo de manifestação popular se soube, onde qualquer do povo pudesse deixar as suas legítimas manifestações sobre as tão relevantes propostas.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Fórum Verde // Foto de: Rodrigo de Oliveira // Sem alterações

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