A empresa, o ato constitutivo e os cuidados na origem para superação de momentos difíceis – Por João Carlos Adalberto Zolandeck

24/08/2017

Algumas premissas sobre a importância da empresa para o desenvolvimento econômico e social foram identificadas no artigo publicado na semana anterior, bem como o risco Brasil, as dificuldades para empreender e a importância da análise econômica do direito em todas as relações que envolvem escolhas pelos agentes econômicos, entre eles a empresa, enfim, todos nós na essência e por natureza.

Um dos principais desafios do empresário é conhecer o seu negócio e suas ramificações. Obviamente o foco estará no planejamento, na gestão e desenvolvimento de estratégias para tornar sua atividade lucrativa. Seus olhos, porém, costumam desviar da estrutura jurídica da empresa e, por inúmeras razões, conhecidas ou não, o ato constitutivo não é levado a sério.

Assim, nesse pequeno espaço, a reflexão se dará em torno da sociedade empresária, do ato constitutivo e da repercussão do seu conteúdo para a tutela adequada dos direitos, deveres e obrigações dos sócios.

É empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro, enquanto que empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (CC, artigos 966 e 982). Exclui-se desse conceito a profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística (CC, art. 966, parágrafo único).

Chegar ao ato constitutivo e à repercussão do seu conteúdo é o ponto fulcral, mas a análise ficará restrita às sociedades de pessoas que se organizam, funcionam e se desenvolvem levando-se em consideração o interesse fechado, pessoal, de um grupo de sócios, que estabelecem entre si o affectio societatis, ou seja, a firme intenção de constituir e operar uma pessoa jurídica segundo interesses e fins que lhes são próprios[1]. As sociedades institucionais, como a sociedade anônima (de capital) e a cooperativa, ficam fora da presente e restrita análise, mas o contexto lhes aproveita.

Parte-se do pressuposto de que a natureza jurídica do ato constitutivo deriva de um contrato, adotando-se, assim, a teoria contratualista e deixando de lado as teorias anticontratualistas.

Cabe, porém, um aperfeiçoamento já identificado pela doutrina, no sentido de que o contrato de sociedade[2] é um contrato plurilateral, “na medida em que na sociedade é possível haver mais do que duas partes, as quais não podem simplesmente ser agrupadas em dois polos, como ocorre com os contratos bilaterais”[3].

Desse modo, a atenção dos sócios empresários deverá estar voltada para além do negócio e do mercado, não tanto para a forma, mas para o conteúdo do contrato ou estatuto social.

Esse instrumento vinculativo — contrato social — é aqui entendido como o documento fundamental de origem da sociedade aqui contextualizada. Aplica-se a ele o princípio da incompletude contratual, diante da impossibilidade de prever todas as variáveis e do elevado custo de transação dessa perseguição. Basta, portanto, o equilíbrio entre o que há de previsão legal, o uso racional da linguagem e o estabelecimento de critérios.

A expressão do título superação de momentos difíceis revelará a necessidade do abandono do ato de sacar o contrato social da prateleira, da banca de jornal ou qualquer outro modelo pronto, obtido ou não da internet. O pacto está relacionado a elementos volitivos e personalíssimos decorrentes da expressão de vontade dos sócios, da visão de mercado e de todas as relações complexas no entorno da atividade, portanto, toda a redação deve privilegiar o princípio fundamental da preservação da empresa.

Os requisitos legais formadores do ato constitutivo, no caso em apreço, do contrato social, são normalmente observados até mesmo pelos contratos de prateleira. Tal como nos contratos em geral, exige-se: agente capaz; objeto lícito, possível e determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei e, como requisitos específicos à constituição de qualquer sociedade, a pluralidade de sócios; a constituição de capital social; affectio societatis e coparticipação nos lucros e perdas[4].

A experiência tem mostrado, cotidiana e diariamente, que apenas o atendimento dos requisitos formais para a constituição de uma sociedade não é suficiente para dar sustentação à atividade empresarial. Tal rotina apressada decorre da ausência de atribuição de prioridade e da falta de especialidade no trato do tema, pois apenas enumerar cláusulas obrigatórias e facultativas definidas pelo código civil não atende às premissas acima.

O planejamento inicial da futura atividade empresarial marca o melhor momento de afinidade entre os futuros sócios, portanto, melhor momento para dialogar sobre todos os contornos do contrato social, que os unirá em um negócio duradouro.

A expressão critérios decorre da própria substância dessa reflexão. Apenas contemplar o que diz a lei quanto à administração, resolução ou dissolução não é difícil, todavia, contextualizar e definir critérios para solução de problemas que possam obstaculizar a continuidade da empresa é a principal e mais trabalhosa tarefa.

Para compreensão dessa proposta, identificaremos apenas um momento difícil – a morte de um dos sócios. No fim de semana que passou, em uma situação totalmente inesperada perdemos um amigo de infância aqui homenageado no anonimato. A morte é uma consequência natural da vida e nos rodeia a todo instante. O que importa, portanto, é estar prevenido e seguir fazendo o bem, como ele.

Por analogia, a empresa, prevenida quanto a esse fato, desde a sua formação, no documento de sua origem.

No caso de morte do sócio a regra geral é pela liquidação das quotas, salvo se o contrato dispuser diferentemente ou se os sócios remanescentes optarem pela dissolução (CC, art. 1.028, I e II).

Observe-se que o Código Civil, em plena sintonia com o que é constitucionalmente aceito, valoriza o acordo de vontades, ou seja, o que foi estabelecido pelos sócios prevalecerá.

Todavia, o CPC/15, como diz Sandro Mansur Gibran, ao outorgar legitimidade ativa do espólio ou dos sucessores de um sócio falecido para a formulação de pedido de dissolução parcial para a resolução da sociedade empresarial ou simples, ousou menosprezar o affectio societatis e a liberdade de contratar dos sócios, havendo clara incompatibilidade entre os artigos 599 e 600 do CPC/15 com o artigo 1.028, I do CC[5].

O problema é relevante, especialmente quando a empresa é familiar e o sócio que vem a faltar é o administrador e detentor da maioria das quotas.  As discussões são rotineiras no Poder Judiciário e nas Câmaras Arbitrais Privadas, em boa parte pela necessidade de interpretação, mas, na imensa maioria, pela falha de conteúdo do ato constitutivo da sociedade.

Por conta disso, o estabelecimento de critérios, respeitando a legislação societária e as regras de sucessão, é fundamental para a superação do momento difícil aqui evidenciado. É o contrato social o melhor instrumento para regular a forma de ingresso ou não dos sucessores na sociedade, a liquidação das quotas, com a apuração de haveres ou a dissolução da sociedade quando houver comprometimento das suas atividades, enquanto que o acordo de quotistas, entre outros aspectos de relevância, definirá o modelo gerencial do negócio.

Um dos maiores entraves para a continuidade da atividade empresarial evidenciados no dia-a-dia da prática societária decorre da avaliação do patrimônio social, para efeito da liquidação e apuração de haveres.

Portando, a definição sobre os bens que incorporarão a avaliação, corpóreos e incorpóreos, bem como a regra a ser utilizada para a avaliação da empresa, destacando-se a regra do fluxo de caixa descontado, a avaliação pelo balanço de determinação entre outras, a depender das características dos ativos, poderá minimizar os impactos e os custos de transação, evitando, inclusive, a quebra ou a descontinuidade.

Nesse contexto, considerando que a empresa nasce de um contrato e suas relações são diariamente pautadas em contratos, o empresário deve cuidar dessa parte com muito zelo, apreço e propriedade, pois a gestão administrativa, econômica e jurídica dos contratos, sob o ponto de vista do investimento, definirá o sucesso ou o insucesso do empreendimento, não deixando a atividade vulnerável às interpretações externas.

É, pois, a partir da construção de cláusulas e do estabelecimento de critérios para a solução de problemas previsíveis, que a empresa superará momentos difíceis e suas atividades se desenvolverão de forma mais agregadora, econômica e socialmente considerada.


Notas e Referências:

[1] MANSUR, Sandro Gibran. Da ação de dissolução parcial para a resolução de sociedade empresarial ou simples por espólio ou sucessores de sócio falecido. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; CARAMÊS, Guilherme Bonato Campos (Coords). Direito empresarial e o novo CPC. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 73.

[2] Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilhar, entre si, dos resultados (CC, art. 981).

[3] BERTOLDI, Marcelo; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 9ª. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 163.

[4] NEGRÃO, Ricardo. Direito empresarial: estudo unificado. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 9-10.

[5] MANSUR, Sandro Gibran. Da ação de dissolução parcial para a resolução de sociedade empresarial ou simples por espólio ou sucessores de sócio falecido. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; CARAMÊS, Guilherme Bonato Campos (Coords). Direito empresarial e o novo CPC. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 80-81.


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