A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada — EIRELI — o posicionamento do DREI e a repercussão no mercado

08/11/2018

A Eireli — Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, capitulada como pessoa jurídica (CC, art. 44, VI), foi introduzida pela Lei n. 12.441/2011 que alterou o Código Civil, estando disciplinada no artigo 980-A.

A intenção legislativa é a de evitar que o empreendedor coparticipe do risco do negócio do seu empreendimento, a partir da limitação da responsabilidade, restando evidente o objetivo de separar o patrimônio da pessoa física do patrimônio da pessoa jurídica.

Rebuscando a motivação do legislador, não parece que a intenção originária fosse a de permitir que pessoa jurídica pudesse titularizar uma Eireli, cabendo aqui, nem tanto opinar, mas refletir sobre o assunto, pois o caminho aberto pelo DREI —  Departamento de Registro Empresarial e Integração — ao interpretar o artigo 980-A do Código Civil, carece de uma sustentação legal mais aperfeiçoada, ao mesmo tempo, a orientação trilha por lacuna não proibitiva.

Considerando-se a criação de mais esta espécie de pessoa jurídica, para não chamar de espécie societária, pois, importante e articulada parte da doutrina prefere não adotar este posicionamento, cabe lembrar que a lei exige, como pressuposto fundamental, o capital mínimo de 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, totalmente integralizado no ato de constituição.

A Eireli desafia a doutrina e a jurisprudência diante de inúmeras divergências quanto a pontos fulcrais de repercussão e consequências, tais como: capacidade para ser titular, elementos essenciais formativos do ato constitutivo, nomeação de administrador e, até mesmo, o rótulo de “empresário”.

 

Adota-se para evitar maiores discussões, pois elas não se apresentam no momento como foco, a posição de Alfredo de Assis Gonçalves Neto[i] ao entender a Eireli como “um agente econômico alternativo às pessoas do empresário e da sociedade empresária”. Ao conceituar o novo agente, destaca o referido autor, que a Eireli é constituída “por ato unilateral de uma pessoa natural, mediante aporte de um patrimônio mínimo, ou mediante a conversão de uma sociedade unipessoal com patrimônio liquido mínimo para o fim de exercer atividade própria de empresário”. 

O conteúdo deste texto buscará entender alguns aspectos práticos do posicionamento do DREI e o que isso impacta no mercado e no comportamento do empresário.

Em 2011, o então DNRC — Departamento Nacional de Registro do Comércio — ao regulamentar o tema da Eireli pela Instrução Normativa 117, adotou o entendimento de que ela somente poderia ser constituída e titularizada por pessoas físicas, vedando a constituição por pessoas jurídicas. O referido entendimento, foi corroborado pelo Enunciado 468 do CJF – Conselho da Justiça Federal, que dispõe que A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural.”[ii]

Este posicionamento trouxe diversas polarizações, inclusive judicializadas, mantendo-se a polêmica até então corrente, porém, com a mudança do DNRC para o DREI – Departamento de Registro Empresarial e Integração — e com a nova regulamentação trazida pela Instrução Normativa nº 38, no ano de 2017, anexo V, houve alteração no entendimento acerca do tema, pois a redação do item 1.2.5 ("Capacidade para ser titular de Eireli") do Manual de Registro prevê expressamente que a pessoa jurídica, seja ela nacional ou estrangeira, poderá ser detentora de Eireli, como se vê do seu descritivo:

 

1.2.5 CAPACIDADE PARA SER TITULAR DE EIRELI — Pode ser titular de EIRELI, desde que não haja impedimento legal: a) O maior de 18 (dezoito) anos, brasileiro(a) ou estrangeiro(a), que estiver em pleno gozo da capacidade civil; b) O menor emancipado; · A prova da emancipação do menor deverá ser comprovada exclusivamente mediante a apresentação da certidão do registro civil, a qual deverá instruir o processo ou ser arquivada em separado. c) A pessoa jurídica nacional ou estrangeira; d) O incapaz, desde que exclusivamente para continuar a empresa, nos termos do artigo 974 do Código Civil e respeitado o disposto no item 1.2.6-A deste manual.

 

O resultado de ordem prática foi imediato, pois o permissivo acima, em tese, facilitou o planejamento societário de grupos empresariais brasileiros e estrangeiros, fomentando, à primeira vista, o aumento do investimento externo no Brasil, vez que empresas estrangeiras podem ser únicas titulares de pessoas jurídicas, sem necessidade de buscar sócios “figurativos” para compor o capital social do negócio em questão. Todavia, cabe ressalvar, que tal construção jurídica poderá impactar nas relações empresárias bilaterais, cabendo antever uma diminuição de joint ventures contratuais e ou societárias, que além de importantes para a economia do País, fortalecem a empresa brasileira, questão a ser avaliada a partir da seguinte premissa: a pessoa jurídica que virá ao Brasil por meio da constituição de uma Eireli, deixaria de vir por meio de outra estrutura jurídica nos moldes de uma joint venture?  

              Neste contexto, considerando-se que pessoas jurídicas, brasileiras ou estrangeiras, podem ser titulares de Eireli, surge, então, uma dúvida razoável: o Art. 980-A do Código Civil traz a limitação de apenas 01 (uma) empresa individual de responsabilidade limitada por “pessoa natural”. Esta regra se aplicaria para pessoas jurídicas? Haveria alguma limitação?

            Para esclarecimento desta dúvida, o DREI, por meio da IN nº 47, de 3 de agosto de 2018, alterou o item 1.2 — Orientações e Procedimentos — do Manual de Registro e determinou que o Ato Constitutivo contenha, como cláusula obrigatória, a declaração de que o titular — pessoa física — não possui outra pessoa jurídica desta mesma modalidade (Eireli).  Entretanto, a mesma ressalva não houve para as pessoas jurídicas, não tendo havido qualquer limitação, pelo contrário, ato autorizativo para que possam figurar em mais de uma Eireli, o que traz uma preocupação importante.

Entende-se que houve a necessidade de alterações das disposições orientativas atribuídas ao DNRC, pelo DREI, seu substituto, diante de fundadas dúvidas e questionamentos judiciais idealizados por usuários dos serviços das Juntas Comerciais, quando da negativa de registros em todos os Estados da Federação.

Ao que parece, a primeira manifestação oficial quanto a este assunto ocorreu no ano de 2012, consubstanciada em uma decisão liminar concedida pelo Juízo da 9ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, ao entender que o art. 980-A do Código Civil não trouxe qualquer vedação expressa para que pessoas jurídicas pudessem figurar como titulares de Eireli. Na época, o MM. Juiz, assinalou:

 

Tendo havido supressão do termo ‘natural’ do texto final da lei, pode-se concluir que o legislador pretendeu com tal ato, permitir/não proibir a constituição da EIRELI por qualquer pessoa, seja ela da espécie natural, seja ela da espécie jurídica. Diante do acima exposto, DEFIRO a liminar pretendida, determinando que a Autoridade Impetrada, mantenha a singularidade acionária da 2ª Impetrante até decisão final do presente processo, sem qualquer risco de dissolução e/ou efeito jurídico semelhante/similar, ou mesmo situação de irregularidade, com a perda da responsabilidade limitada até o limite das quotas subscritas e integralizadas, sob pena de multa única de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Intime-se para cumprimento e requisitem-se as informações. Publique-se. (Mandado de Segurança nº 0054566-71.2012.8.19.0001, Juízo da 9ª Vara da Fazenda da Comarca do Rio de Janeiro).”[iii]

 

            Desta forma, por força da subordinação do DREI à Constituição da República e pelo fato de aquele não ter prerrogativa para alterar qualquer norma legal, coube ao respectivo Órgão alterar o seu posicionamento a fim de padronizar os procedimentos adotados pelas juntas comerciais e corrigir suposta ilegalidade constante da Instrução Normativa nº 117/11[iv], que impedia a constituição de Eireli por pessoa jurídica, mesmo sem ter havido proibição legal expressa pelo disposto no artigo 980-A do Código Civil.

Diante do contexto, a adoção de um posicionamento de ordem prática pelo DREI, como acima restou assentada, dá azo a duas consequências a serem avaliadas pelo mercado: caso, de fato, a regra do DREI repercuta em maiores investimentos, represente maior emprego de recursos externos no País e diminua a burocracia, a solução se apresenta pelo lado positivo, apesar de questionável quanto à técnica; por outro lado, caso o posicionamento repercuta no mercado de joint ventures contratuais e ou societárias firmadas entre empresas estrangeiras e brasileiras, desestimulando o investimento e afastando o recurso externo, e desmobilizando a empresa brasileira, que se utiliza de tais estruturas para a troca de tecnologias, a solução se apresenta pelo lado negativo, cabendo ressalvar, como ponto de atenção aos usuários, que o Código Civil, apesar de não  proibir, não endossa o posicionamento adotado pelo Órgão de Controle.

                                             

 

Notas e Referências

[i] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. A empresa individual de reponsabilidade limitada. Revista dos Tribunais. Ano 101. Vol. 915. Janeiro/2012.

[ii] CJF – Conselho da Justiça Federal. Enunciado 468. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/451>. Acesso em: 06/11/2018.

[iii] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TJ-RJ). Mandado de Segurança 0054566-71.2012.8.19.0001. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaMov.do?v=2&numProcesso=2012.001.043358-9&acessoIP=internet&tipoUsuario. Acesso em 24.06.2018.

[iv] DREI – Departamento de Registro Empresarial e Integração. Instrução Normativa nº 117/11. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Manual-Registro-EIRELI.pdf>. Acesso em 06.11.2018. p. 11.

 

 

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