A EMPRESA E O DIREITO DO TRABALHO ADEQUADO: POR UM REGIME TRABALHISTA DIFERENCIADO

21/01/2020

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

A empresa, informalmente vista como sinônimo de pessoa jurídica, com ela não se confunde. Empresa é atividade econômica, tão somente, que pode ser exercida por uma pessoa física ou jurídica. Não à toa, desde 1943, a CLT, em seu art. 2º, utiliza o termo empresa de forma tecnicamente irretocável ao estabelecer que “Considera-se empregadora a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

Em sendo o empregador a empresa significa dizer, em resumo, que o empregado não se vincula a pessoa física ou jurídica que a exerce, pois o contrato de trabalho não é personalíssimo, em regra, para o empregador, mas apenas para o empregado. Portanto, para o Direito do Trabalho pouco importa quem está no exercício da atividade econômica[2], pois qualquer “alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados[3].

Com efeito, é a empresa a atividade econômica[4], exercida por uma pessoa física ou jurídica, denominada de empregador, que, necessariamente, compõe um dos polos do contrato de trabalho, pois no outro há o empregado.

Vale dizer, sem a empresa não há o emprego.

Apesar da afirmativa acima ser óbvia, o Direito do Trabalho fundamentado na proteção do trabalhador, com o objetivo de corrigir uma assimetria natural e inerente a um contrato onde uma das partes é, obrigatoriamente, subordinada juridicamente à outra, com todas as implicações daí decorrentes, se volta exclusivamente ao estudo de apenas um dos polos dessa relação que, a rigor, é bilateral. Ou seja, confunde-se centralidade e razão de ser da ciência laboral (que, de fato, é a tutela do trabalhador), com a exclusividade do pensamento.

O efeito prático dessa “marginalização” de ideias, onde apenas um dos polos é tido como o “mais importante” é o crescimento de movimentos radicais que, visando responder a problemas concretos, reais, como custo do trabalho formal e a competitividade, por exemplo, não pensam em saídas razoáveis e menos traumáticas, mas sim em total abolição de uma tutela jurídica que, sem dúvida, é fundamental à dignidade do ser humano.

No Brasil, segundo dados do SEBRAE, em setembro de 2019 empresas de micro e pequeno porte geraram 119 mil dos mais de 157 mil postos de trabalhos formais, o que equivale a 75% de todos os empregos criados[5].

Isso não é pouco e não pode ser tido como exceção, até porque ano a ano resta comprovado que os grandes empregadores brasileiros são uma massa de pequenos empreendedores dispersos.

A participação relevante na economia dessa força propulsora de empreendedores que, nem de longe, se confundem com os gigantes “campeões nacionais”, elevou ao status constitucional o tratamento diferenciado que eles deveriam merecer[6].  

Em sede infraconstitucional também não se desconhece que no âmbito tributário[7], cível[8] e mesmo trabalhista[9], determinadas empresas tenham tratamento jurídico diferenciado.

Mas é preciso ir além.

No que tange às relações trabalhistas, especificamente, é oportuno e urgente que o Brasil crie um ambiente de negócios a partir de um verdadeiro e profundo regime trabalhista diferenciado, baseado em critérios conjugados que levem em conta não apenas o capital social de pessoas jurídicas, mas também o volume de empregados, o salário de cada empregado, a quantidade, o setor empresarial (comércio, serviços, farmacêutico, indústria etc.) etc.

Os critérios para a formulação desse regime trabalhista diferenciado são múltiplos e poderão ter como ponto de partida, dentre outros: (i) setor econômico beneficiado; (iii) requisitos; (iii) obrigações trabalhistas principais e acessórias que serão afetadas, abolidas ou reduzidas.

Ora, não é juridicamente justo que uma entidade filantrópica, por exemplo, cumpra as mesmas obrigações trabalhistas que uma pessoa jurídica que explore atividade econômica/típica de empresa, pois o simples fato de não existir o interesse lucrativo, por si só, deveria autorizar um regime trabalhista diferenciado.

Uma microempresa com apenas um empregado, onde na grande maioria das vezes os sócios laboram como se empregados fossem, por exemplo, poderia ser isenta de pagar ao empregado vale-transporte ou de ter de pagar a indenização de 40% do FGTS em caso de dispensa, sem justa causa.

As possibilidades são múltiplas e os exemplos acima são ilustrativos.

O que se pretende nas breves linhas deste singelo artigo é apenas trazer ao debate um tema que maciçamente é sonegado: as relações trabalhistas, tal qual a relação tributária, precisam se adequar a capacidade/possibilidade econômica, financeira, administrativa e setorial dos empregadores.

A descompressão pecuniária dos custos da mão de obra formal, sozinha, não tem o condão de resolver o problema do desemprego ou da informalidade, mas pode ser sim um dos vários instrumentos de legitimação do discurso acerca da persistente e indiscutível importância do Direito do Trabalho no século XXI, bem como da correção de assimetrias evidentes.

Não é crível que a noção constitucional de igualdade seja parâmetro para a implementação de um regime tributário diferenciado, por exemplo, mas não o seja para a criação de um verdadeiro regime trabalhista diferenciado capaz de manter direitos indispensáveis à dignidade humana do trabalhador, e por outro lado, respeitar e diferenciar a diversidade dos empregadores brasileiros.

 

Notas e Referências

[1] O presente artigo reflete uma compilação embrionária de um trabalho científico mais denso que ainda está em confecção.

[2] É a denominada Teoria Institucionalista, que vincula o trabalhador à atividade econômica, e não àquele que a exerce. Trata-se de medida de proteção do trabalhador.

[3] Art. 10 da CLT.

[4] Para o Direito Trabalho atividade econômica significa atividade voltada à circulação de bens ou serviços, com ou sem o intuito lucrativo.

[5] Acessado em 17 de janeiro de 2020 às 06:16h - http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-10/pequenos-negocios-geraram-75-dos-empregos-formais-em-setembro

[6] Art. 175, inciso X, da CF:  tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.   

[7] Vide o regime tributário denominado de Simples Nacional previsto na LC 123 de 2006.

[8] Vide LC 123 de 2006

[9] Vide art. 51, da LC 123 de 2006.

 

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