A emergência da família transnacional como fruto dos processos migratórios no mundo globalizado

04/03/2016

Por Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes e Marcia Sarubbi Lippmann - 04/03/2016

O texto de hoje abordará a temática família transnacional[1], como um novo modelo familiar emerso em decorrência dos fluxos migratórios gerados pela globalização, apontando sua definição e suas características.

Vivemos em um mundo sem fronteiras, no qual o desenvolvimento, a velocidade em que a informação circula, mudanças econômicas, ambientais e guerras podem impactar imediatamente a vida das famílias.

Pode-se dizer que o maior desafio que encontramos hoje em dia é aquele de sustentar e manter saudável a instituição da família, pois a globalização e consequentemente a transnacionalização das relações, trazem uma série de vantagens mas cria riscos e conflitos também.

A complexidade da vida moderna, alterou drasticamente a concepção de casamento e família ao redor do mundo, cada vez mais encontram-se famílias que se veem forçadas a migrar, em busca de melhores condições de trabalho, em face de guerras e desastres ambientais, fazendo com que o a concepção tradicional de família seja drasticamente alterada. Assim tem-se que um dos aspectos mais evidentes do processo de globalização que está em curso é o dinamismo cada vez maior das migrações internacionais.

Las personas que se mueven por el mundo también son protagonistas del proceso de globalización. La transnacionalidad cultural y la diversidad no son una opción, sino un hecho. Sin embargo, aunque la movilidad del ser humano a lo largo y ancho del planeta está contemplada como derecho en el artículo 13 de la Declaración Universal de los Derechos Humanos, no es igual de libre que la circulación del capital financiero. No obstante, los migrantes internacionales son creadores de verdaderas comunidades transnacionales, es decir, construidas entre los estados de dónde proceden y los que los alojan[2].

O intenso fluxo migratório decorrente do processo de globalização deu origem a uma nova tipologia de família, a família transnacional, sobre a qual passa-se a discorrer.

A família transnacional pode ser definida como:

Unidades sociales que trascieden fronteras, tienen consciência de formar parte de la diáspora, hacen uma reproducción cultural híbrida y mantienen la pertinência afectiva y emocional com el origen. Este concepto está ubicado en el campo de los estúdios de las migraciones, desde onde se ha investigado que las famílias pueden tener uma serie de prácticas transnacionales” [3]

Uma outra definição de família transnacional é aquela de Landolt[4]:

(…) transnational families—conceived of as families with members living in different nation states—have been treated as a temporary phenomenon, with family reunification in the host society as the preferred outcome for all family members.

A família transnacional surge como uma resposta a um mundo globalizado, onde os papéis e as dinâmicas se reorganizam para suprir as demandas econômicas e afetivas dentro do núcleo familiar.

O conceito de família transnacional questiona as concepções de família que associam a co-residencia e a presença como elementos fundamentais para sua compreensão, já que as relações que se constroem entre seus membros transcendem a espacialidade e as fronteiras físicas, gerando novas modalidades de cuidado e diferentes formas de entender a maternidade e a paternidade.[5]

As famílias transnacionais estabelecem intercâmbios econômicos, sociais e culturais, fazendo com que possam manter vínculos que ultrapassam as fronteiras e manter vivos os laços daquele que migrou com seu país de origem, através de vários recursos oferecidos pela   tecnologia.

A família transnacional aponta algumas características que as dIferem das famílias “tradicionais”, que são elencadas por Carvajal[6], como:  a desterritorialização das relações familiares, o casamento mantido a distância, a paternidade semipresencial, a mantença econômica e social  da família com base no  envio de remessas de valores, inclusão de membros que não são parentes seio familiar e por derradeiro, uma maior vulnerabilidade social.

Como desterritorialização compreende-se as características da desvinculação da mesma como território, pois não mais se encontram vinculadas pela questão territorial, mas mesmo assim mantem vínculos e seguem realizando suas atividades com recursos oriundos de remessas sociais.

O casamento mantido a distância, toca a questão dos casais que vivem “fisicamente” distantes, mas mantem vivos o elo que os uniu, cabendo as mulheres a obrigação de cuidado da prole e gestão dos bens da família e ao home o provimento da mesma. Um caso muito presente em nossa comunidade é a questão das famílias haitiana, onde num primeiro momento houve um grande influxo migratório de homens, que tinham a função de prover a subsistência de suas famílias em território haitiano, todavia, passados alguns anos, algumas dessas famílias conseguiram obter recursos para sua reunião, com a vinda das mulheres e filhos.

A paternidade semipresencial diz respeito a figura do pai, que enquanto provedor econômico da família, mesmo à distância, mantem reconhecida sua figura de autoridade, sendo este consultado pela esposa, mesmo a distância para tomada de decisões, com auxílio dos recursos tecnológicos fornecidos pelo processo de globalização. Cabe ainda ressaltar, que nos casos dos expatriados, estes possuem uma maior mobilidade, podendo estar presente fisicamente, de forma cíclica em função de sua agenda ditada por compromissos laborais.

A mantença econômica e social da família com base no envio de remessas de valores, pois a família depende das remessas de valores provenientes do exterior, como seu meio de sustento, ou seja, a família é mantida com os recursos que via de regra o varão obtém em um país estrangeiro para onde emigrou e que é enviado rotineiramente para a família.

Inclusão de membros que não são parentes no seio familiar, seja decorrente do fato da ausência física do cônjuge varão, seja em decorrência da necessidade de algumas famílias vivem em conjunto com outras, como por exemplo os migrantes haitianos em Santa Catarina, que vivem residências, nas quais coexistem mais de uma família.

Maior vulnerabilidade social, pois dependem do local em que estão inseridas, se estão inseridas em um país favorável ao recebimento de migrantes, mesmo que ilegais, conseguem alguma inserção respeito na comunidade, mas são sempre dependes do status que lhes foi conferido, como o caso dos refugiados europeus, na crise humanitário de 2015, com o forte fluxo migratório proveniente da Sírias e alguns países limítrofes, onde no início, houve um certo “entusiasmo”, por parte de alguns países como a Alemanha em recebe-los mas posteriormente em decorrência do grande fluxo migratório, atentados terroristas e posicionamento do próprio governo, viu-se uma mudança de postura, no sentido de rechaçamento dos mesmos.

Desta feita, conclui-se que a emergência de famílias transnacionais é fruto os processos migratórios, calcados na globalização, gerando a criação de uma nova tipologia familiar, dotada de características especificas como a desterritorialização das relações familiares, o casamento mantido a distância, a paternidade semipresencial, a mantença econômica e social  da família com base no  envio de remessas de valores, inclusão de membros que não são parentes seio familiar e por derradeiro, uma maior vulnerabilidade social, cabendo ao direito transnacional a criação de mecanismos adequados a proteção e tutela dessa nova realidade familiar.


Notas e Referências:

[1] Em outro momento, nesta coluna, foi tratado a respeito da maternidade transnacional. Acessar: http://emporiododireito.com.br/maternidade-transnacional-mulheres-que-imigraram-sem-os-filhos/

[2] HERNÁNDEZ, Mariana Gema Sánchez.¿Qué fue primero? De las migraciones a la globalización y de la globalización a las migraciones. http://tehura.es/index.php?option=com_content&view=article&id=2&catid=1:articulos&Itemid=9. Acesso em 15 janeiro de 2015.

[3] CARVAJAL, Julia Cerda. Las familias  transnacionales. En Revista Espacios Transnacionales [En línea] No. 2. Enero-Junio 2014, Reletran. Disponible en:  http://www. espaciostransnacionales.org/segundo-numero/ reflexiones-2/familiastransnacionales/2008. Acesso em 15 janeiro de 2015.

[4] Landolt P, Da WW. The spatially ruptured practices of migrant families: A comparison of immigrants from El Salvador and the People's Republic of China. Current Sociology. 2005;53:625–653

[5] MARTINEZ, Adriana Zapata. Familia transnacional e remessas : padres e madres migrantes Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, ISSN 1692-715X, Vol. 7, Nº. 2, 2009, pags. 1749-1769 01/2009; 7.

[6] CARVAJAL, Julia Cerda. Las familias  transnacionales. En Revista Espacios Transnacionales [En línea] No. 2. Enero-Junio 2014, Reletran. Disponible en:  http://www. espaciostransnacionales.org/segundo-numero/ reflexiones-2/familiastransnacionales/2008. Acesso em 15 janeiro de 2015.

CARVAJAL, Julia Cerda. Las familias  transnacionales. En Revista Espacios Transnacionales [En línea] No. 2. Enero-Junio 2014, Reletran. Disponible en:  http://www. espaciostransnacionales.org/segundo-numero/ reflexiones-2/familiastransnacionales/2008. Acesso em 15 janeiro de 2015.

HERNÁNDEZ, Mariana Gema Sánchez.¿Qué fue primero? De las migraciones a la globalización y de la globalización a las migraciones. http://tehura.es/index.php?option=com_content&view=article&id=2&catid=1:articulos&Itemid=9. Acesso em 15 janeiro de 2015.

Landolt P, Da WW. The spatially ruptured practices of migrant families: A comparison of immigrants from El Salvador and the People's Republic of China. Current Sociology. 2005;53:625–653.

MARTINEZ, Adriana Zapata. Familia transnacional e remessas : padres e madres migrantes Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, ISSN 1692-715X, Vol. 7, Nº. 2, 2009, pags. 1749-1769 01/2009; 7.


Sem título-1

. Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes é graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2002) e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Doutoranda pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente é professora do Instituto Catarinense de Pós Graduação, advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e professora da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.


Marcia Sarubbi Lippmann. Marcia Sarubbi Lippmann possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2000) e mestrado em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2002). Atualmente é professora titular da Universidade do Vale do Itajaí. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Internacional , atuando principalmente nos seguintes temas: direito internacional, negociação, arbitragem, conciliação e mediação.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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