A edição de medidas provisórias e a garantia ao meio ambiente

25/02/2018

Introdução

O Supremo Tribunal Federal apreciou no dia 16 de fevereiro do corrente ano a Ação Direita de inconstitucionalidade – ADI n.º 4717, impetrada pela Procuradoria Geral da República em face da Medida Provisória – MP n.º 558/2012, convertida na Lei n.º 12.678/2012.

A MP n.º 558/2012 foi expedida casuisticamente para atender os interesses do Governo Federal quanto a execução de obras de infraestrutura elétrica a partir da região da Floresta Amazônica. Nesse sentido, leia-se a ementa da Lei n.º 12.678/2012:

Dispõe sobre alterações nos limites dos Parques Nacionais da Amazônia, dos Campos Amazônicos e Mapinguari, das Florestas Nacionais de Itaituba I, Itaituba II e do Crepori e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós; altera a Lei no 12.249, de 11 de junho de 2010; e dá outras providências.

Inobstante a votação da ADI n.º 4717/2012, analisada pela Ministra Carmem Lúcia, não tenha sido concluída em razão do pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes, o voto da relatora concluiu pela declaração de inconstitucionalidade da MP n. 558/2012, sob a batuta de dois argumentos[1], a saber:

1. A supressão ou alteração de espaços protegidos haverá de ser feita por lei formal, com possibilidade de abrir-se amplo debate parlamentar, com participação da sociedade civil e dos órgãos e instituições de proteção ao meio ambiente, em observância à finalidade do dispositivo constitucional, que assegura o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

2. A Medida Provisória que importe em diminuição da proteção ao meio ambiente, como se tem no presente caso, dispõe de evidente potencial de causar prejuízos irreversíveis ao meio ambiente, na eventualidade de não ser convertido em lei, e, mesmo sendo, de não se ter convertido pelo meio constitucionalmente estabelecido e próprio.

Descortina-se que o voto condutor da relatoria atacou a Medida Provisória sob o ângulo formal, pois, estabeleceu como ponto de corte a exigência de Lei Ordinária para regular a matéria, observando o devido processo legal legislativo. Depois, a Medida Provisória foi alvejada pelo aspecto material, já que afrontaria diretamente o art. 225 da Constituição Federal.

À luz do debate sobre a MP n.º 558/2012, o presente artigo analisara os elementos jurídicos envolvendo a expedição de medidas provisórias, em matéria ambiental, em face da garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A expedição de Medidas Provisórias em Matéria Ambiental e o principio democrático

O direito ambiental é responsável por introduzir, no Brasil, o conceito e a aplicação da democracia participativa na gestão de políticas públicas através da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente – Lei n.º 6.938/1981, quando da instituição do Conselho Nacional de Meio Ambiente, órgão deliberativo e consultivo para as políticas públicas relativas ao meio ambiente. Nesse sentido, segundo Paulo de Bessa Antunes[2] o direito ambiental, tem uma das suas principais origens nos movimentos reivindicatórios dos cidadãos. Logo, a democracia é uma de suas bases mais caras e consistentes.

A democracia, no âmbito da administração pública ocorre, objetivamente, pelo exercício da garantia constitucional à informação e à participação. Resulta que o principio da democracia, inclusive em matéria ambiental, assegura ao cidadão o direito legal de participar das discussões sobre a elaboração e implementação de políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos necessárias a defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A edição de Medida Provisória, em matéria ambiental, embora não esteja proibida explicitamente no rol taxativo do art. 62 da Constituição Federal, ofende o princípio da democracia na medida em que impede a realização do debate legislativo, realizado pelos parlamentares eleitos pelo povo, e não permite aos cidadãos o exercício do dever constitucional de proteção do meio ambiente estatuído pelo art. 225 da Constituição Federal.

A expedição de Medidas Provisórias em Matéria Ambiental e o princípio do in dubio pro natura

Segundo a doutrina, o in dubio pro natura constitui um princípio hermenêutico que tem por consequência a aplicação da norma mais favorável à proteção do meio ambiente, nas hipóteses em que não for possível alcançar uma interpretação unissonante do texto legal.  

O princípio in dubio pro natura é associado, geralmente, a matriz hermenêutica dos conflitos de competência legislativa dos artigos 23 e 24 da Constituição. O princípio permite, no caso de conflito de leis, a aplicação da norma mais restritiva (protetiva) ao meio ambiente, desde que atendido o interesse público pela garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado.  

Apartando as questões que envolvem o debate jurídico da aplicação do principio in dubio pro natura, notadamente quanto a insubsistência para os casos de ofensa formal da constituição; resta fixar que é indene de dúvida a utilização para os casos de agressão ao conteúdo substancial da Constituição Federal.

No caso da edição das medidas provisórias, em matéria ambiental, o vício material é encontrado quando vilipendia os instrumentos constitucional que garantem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constantes do art. 225[3] da Constituição Federal.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

Para o debate do presente artigo, adotar-se-á o disposto no inciso III do art. 225 e o caso da MP n.º 558/2012, para exemplificar a inconstitucionalidade material pela aplicação do principio do in dubio pro natura.

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes  a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; 

A situação fática é a seguinte: a) o inciso III do art. 225 da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC; b) a MP n.º 558/2012, atacada pela ADI n.º 4717, alterou os limites de diversas unidades de conservação ambiental da região de influência da floreta amazônica.

A partir das duas premissas fáticas, deriva que o Poder Executivo, ao desafetar áreas de unidades de conservação, por meio da MP n.º 558/2012, alterou a substância da Lei n.º 9.985/2000 – SNUC, cuja consequência direta é a redução de áreas de floresta que, segundo o inciso III do art. 225, devem ser especialmente protegidas, sendo vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Logo, com a MP n.º 558/2012, houve uma redução da proteção do meio ambiente.

Emana, ainda, do inciso III do art. 225 que a alteração e a supressão nas unidades de conservação serão permitidas somente através de lei. Nesse sentido, a Constituição Federal não autoriza a supressão de unidades de conservação ou da vegetação da unidade por meio de Medida Provisória, fixando que tais medidas apenas podem ser tomadas por meio de lei em sentido stricto sensu. A realização de medida em sentido contrário ao texto constitucional configura inconstitucionalidade material.

O Ministro do STF, Luiz Roberto Barroso[4], argumentou em decisão que a alteração de normas relativas às unidades de conservação deve observar a proteção ao meio ambiente, retirando a discricionariedade do poder executivo na redução dos espaços ambientalmente protegidos e exigindo-se, para tanto, deliberação parlamentar, sujeita a maior controle social.

Conclusão

O espirito da Constituição Federal, em matéria ambiental, é a democracia na decisão das políticas públicas e a garantia da máxima proteção ao meio ambiente. Portanto, qualquer norma, seja Lei ou Medida Provisória, para que possa ser considerada constitucional, deve guardar adequada exegese com o art. 225 da Constituição, sob pena de haver ameaça frontal, direta e substancial ao direito público e incondicional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo. 

 

[1] Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=352667. Acesso em 20 de fev. 2018.

[2] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 14ª ed. Atlas. São Paulo. 2012, pg. 27.

[3] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 19 de fev. 2018.

[4] Supremo Tribunal Federal. 1.ª Turma. Ag. Reg. em Rec. Ext. 519.778/RN. Relator: Ministro Luis Roberto Barroso. DJE 31.07.2014. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 18 de fev. 2018.

 

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