A economia comportamental nas questões reprodutivas: Nudges como forma de conscientização do aborto.  

30/05/2018

Coluna Substractum

 

One of the core insights of the psychological study of judgment and decision making is that judgments and choices are context-sensitive. How a choice is framed influences the choice. An outcome framed as a loss is treated differently than the same outcome framed as a gain[1],[2].

Esse ensaio tem como escopo demonstrar e trazer à tona a reflexão sobre as possíveis aplicações dos Nudges em questões reprodutivas, especificamente como forma de tentar se evadir ou até mesmo incentivar o aborto[3], acorde com o pensamento político de cada Estado. Nudges, en passant, poderiam ser traduzidos para o português como “cutucadas” ou como a expressão “empurrãozinho”. É considerado qualquer fator significante capaz de alterar o comportamento das pessoas, normalmente uma mudança na arquitetura da escolha, sem que seja necessário proibir qualquer opção ou mudar significativamente os incentivos econômicos. Para ser considerada como Nudge, a intervenção deve ser fácil e barata de se aplicar, garantindo a liberdade dos indivíduos[4].

Segundo Mark Schweizer[5], os seres humanos são irremediavelmente incompetentes para fazer escolhas relativas a interesse próprio, e por isso o governo deveria, se não fazer essas escolhas para eles, pelo menos direcioná-los para aquela considerada mais adequada. Essa justificativa de Nudge recebeu muitas críticas. Outro ponto de vista é que, uma vez que a escolha é inevitavelmente baseada no contexto, não existe uma escolha que realmente revele a preferência do indivíduo. Substituir um contexto de polarização por outro é justificado se houver evidência de que uma opção é realmente melhor do que a outra, e o novo contexto leve a que essa opção seja escolhida com mais frequência. A atividade de organizar o contexto, a decisão, é denominada Choice Architecture (Arquitetura de Escolha).

É sabido que, no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [6], no ano de 2015, mais de 8,7 milhões de brasileiras com idade entre 18 e 49 anos já fizeram, ao menos, um aborto na vida. Destes, 1,1 milhão de abortos foram provocados.

Poderíamos pensar em algum Nudge que conscientizasse, aqui no Brasil, sobre os riscos do aborto, de modo a tentar diminuir essa porcentagem, sem que isso fortalecesse mais a sua criminalização?!

Parece-nos, cada vez mais, que a incorporação da teoria normativa do Paternalismo Libertário é imprescindível no campo das políticas públicas, sendo inegável o legado dos Nudges para introdução da incorporação da economia comportamental.

Tivemos o intuito de demonstrar com este ensaio que seria possível utilizar-se de meios menos coercitivos, para ajudar nas escolhas de tomadas de decisões. Não defendemos que a utilização dos Nudges como forma de conscientização do aborto seria “a” saída para que as pessoas não ou fizessem, por exemplo, mas seria mais uma saída, de forma, até mesmo, a flexibilizar a sua criminalização, como é o caso do Brasil.

Qualquer regra padrão deve estar sujeita a discussão pública e deve ser revista pela lei. Não há nada de censurável em empregar Nudges que possam ajudar os indivíduos dentro da sua saúde reprodutiva.

Um debate honesto e aberto que inclua as próprias mulheres, no caso do aborto em questão, e não uma imposição de uma política unidirecional, de cima para baixo, respeitaria melhor a importância das escolhas reprodutivas e das perspectivas das mulheres quem as tomam.

Dworkin[7], em sua obra “Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais”, explica que as justificativas fornecidas pelos textos legais atuais para a proibição da prática do aborto acabam por não utilizar nenhuma base filosófica ou doutrinária coerente. Isso pode ser percebido porque, em se utilizando o pensamento derivativo como parâmetro, a lei não abriria exceção a ponto de permitir o aborto em casos de estupro. Já, utilizando do pensamento independente, se estaria, em última instância, desrespeitando uma das maiores garantias constitucionais de um Estado: a liberdade religiosa.

Não buscamos este tipo de resposta aqui! A questão fundamental trazida sustenta-se no fato de que é óbvio que legalmente ou ilegalmente são feitos milhares de abortos a cada ano no mundo, portanto os Nudges poderiam ser uma forma menos drástica e mais concreta de se ajudar na escolha das decisões das mulheres que  pretendem ou não fazê-lo.

Claro que este ainda seria um passo incipiente, mas o entendemos como algo realmente efetivo e sugestivo de funcionar.

Notas e Referências

[1] Tversky, Amos, and Daniel Kahneman. 1981. The framing of decisions and the psychology of choice. Science 211:453–458.

[2] Uma das idéias centrais do estudo da psicologia do julgamento e da tomada de decisão é que os julgamentos e escolhas são sensíveis ao contexto. Como uma escolha é enquadrada influencia a mesma. Um resultado enquadrado como uma perda é tratado de forma diferente do que o mesmo resultado enquadrado como um ganho (livre tradução).

[3] Não é exemplo de Nudge, já que foi algo imposto coercitivamente pelo Estado, mas podemos citar como exemplo de pensamento político de incentivo ao aborto, a política do filho único na China que foi implantada pelo governo na década de 70 e teve como finalidade tentar conter o avanço populacional.  Caso a mulher engravidasse do segundo filho, deveria fazer um aborto, não importando, mesmo que já estivesse com sete ou oito meses de gravidez. Segundo certas informações, essa política do filho único conseguiu evitar que a população da China chegasse a crescer cerca de 400 milhões nas últimas décadas. Algumas exceções eram previstas, como por exemplo as famílias no meio rural, que podiam ter o segundo filho, principalmente se a primeira filha fosse mulher. Em setembro de 2015, o Partido Comunista da China anunciou o fim da política do filho único, permitindo que agora cada casal tenha até dois filhos. A mudança representa uma grande liberalização nas restrições de planejamento familiar do país, que foram aliviadas inicialmente em 2013, quando Pequim informou que iria permitir que milhões de famílias tivessem dois filhos. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/10/china-acaba-com-politica-do-filho-unico-e-permitira-dois-filhos-por-casal.html> Acesso em 05/05/2018.

[4] Thaler, R.; Sunstein, C. (2008). Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness. Yale University Press, (traduzido para o português com o título Nudge: O Empurrão para a escolha certa. Campus).

[5] Mark Schweizer (2015). Nudging and the principle of proportionality Obliged to nudge?

[6] Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/2015/08/21/estados-aborto-no-brasil-_n_8022824.html. > acesso em 05/05/2018.  O artigo 124 do Código Penal Brasileiro prevê prisão de um a três anos para quem pratica o aborto. Só há três casos em que o aborto provocado é legal: quando não há meio de salvar a vida da mãe, quando a gravidez resulta de estupro e quando o feto é anencéfalo. Por isso, o IBGE estima que haja um grande número de casos não notificados na pesquisa.

[7] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

 

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