A disseminação do medo e a mídia: uma influência temerária? – Por Jonathan Cardoso Régis

30/09/2017

Essa é uma breve reflexão do que foi, é e poderá ocorrer quando se fala em redes sociais, em especial, aquelas decorrente de troca de mensagens, as quais tiveram o condão inicial de facilitar o contato entre as pessoas em pontos ou lugares distintos, seja através de rede de telefonia móvel (dados) ou internet sem fio (wi-fii).

Ocorre que a sociedade (obviamente estamos generalizando), toma como verdade toda e qualquer informação ventilada, replicada, repassada, transmitida em tais redes, informações essas que podem (e muitas vezes acabam) gerar um pânico e medo desordenado, culminado em algumas oportunidades com a quebra da ordem pública.

Tal promoção origina-se do processo de desenvolvimento desenfreado e da facilidade de obtenção e divulgação de informações pós “boom” das redes sociais que surgiram e evoluíram ao longo das últimas décadas.

Há de se ressaltar que em razão do desenvolvimento tecnológico, somada a facilidade ao acesso a informações, seja pelas redes sociais, rádio, cinema, jornais impresso ou televiso, a mídia, de maneira direta ou indireta encontra-se vinculada a tudo e a todos, principalmente quanto a formação de opinião do que procuram veicular.

Esse fator deve-se, dentre outras causas, a globalização, a qual é resultante do desenvolvimento e, e especialmente, do capitalismo desenfreado, insurgindo o que Edgar Morin chama de “mestiçagem cultural[1]”, em que as novas relações de interdependência e necessidades, resultam em novos desafios, problemas[2] e refletindo na violência e no medo.

Diante disso, surge o medo urbano relacionado, no caso em tela, ao aspecto econômico, o qual acaba promovendo comportamentos de insegurança e transformando em sociedades fechadas, seguras, com intensa e crescente vigilância, tanto no aspecto residencial (lar), quanto nos espaços públicos. Em síntese: há o controle das condutas, mesmo nos espaços sociais/públicos[3].

Parte-se da premissa que o medo e a cultura do medo decorrem da violência que assola o mundo e no caso do Estado brasileiro,

[…] A violência que entrecorta o Brasil é a mesma que afasta investidores, leva à morte milhares de vítimas, provoca o encarecimento de produtos e serviços segurados, fomenta injustiças sociais, determina políticas de segurança truculentas, constrói o medo social, legitima frentes de ação popular conservadoras, degenerando os laços da vida social[4].

Trata-se de um fenômeno “transformador do cotidiano, o que não deixa de ser uma violência na medida em que se impõe na vida de todas as pessoas”, resultando, como consequência extremamente danosa, a “segregação espacial que redunda em exclusão”[5].

Pobreza e a consequente tensão social fazem parte do farto cardápio de danos humanos. Mencionadas tensões sociais ensejam destrutivas revoltas que precisam do apoio repressivo do Estado para a sua contenção […] Coloca-se a punitividade no lugar do meramente simbólico com o desvirtuamento dos valores democráticos[6].

A mídia, data a máxima vênia, acaba por promover certa influência na vida da sociedade e, consequentemente, quanto ao aspecto do controle social.

Vista como um dos instrumentos/ferramentas de controle social, a mídia vem a ser um “conjunto de mecanismos de intervenção que cada sociedade ou grupo social possui e que são usados como forma de garantir a conformidade do comportamento dos indivíduos”, assim como tais mecanismos evidenciam como uma espécie de intervenção face eventuais modificações no seio da sociedade[7].

Leonardo Isaac Yarochewsky[8] afirma que o discurso do medo capitaneado pela mídia e, consequentemente, pela insegurança “contribui sobremaneira para o processo de criminalização” e promovendo “um sentimento de insegurança através do alarmismo provocado por notícias sensacionalistas da prática de determinados crimes não pode ser subestimado”.

As informações que são veiculadas e fomentadas pela mídia nos dias atuais, traz em suas manchetes determinados assuntos que chegam ao conhecimento da sociedade e acabam por, em muitas oportunidades, provocar reflexões, discussões e distorções referente a temas diversos, dentre estes, a expansão da criminalidade e a segurança pública como “senso mais comum do nosso tempo[9]”.

[…] A mídia está presente na vida de todo e qualquer cidadão, durante as vinte e quatro horas diárias, despejando toda e qualquer sorte de informações. Há uma massificação evidente, especialmente na esfera criminal, quando o noticiário, a respeito de determinado evento, monopoliza quase todos os horários da mídia falada e escrita[10].

O controle social é um instrumento e reflexo da democracia, eliminando a existência de Estado autoritário, ressaltando pela aproximação e envolvimento da sociedade na tomada de decisões, reforçando o processo de democratização, conforme reza o art. 1o da CRFB/1988[11].

Assim,

São os mecanismos de controle social, que podem se apresentar de forma oficial, ou seja, instituídos pelo Estado, ou de maneira informal, como a mídia e a religião, por exemplo, de sorte que, desde o nascimento até a morte o integrante do grupo social vive debaixo de forças que o moldam, o condicionam a aceitar regras e valores preestabelecidos[12].

O controle social “determina os limites de atuação do homem”, no sentido de que “tudo aquilo que influencia o comportamento dos membros da sociedade”, isto é, um conjunto de sistemas normativos como direito, religião, usos, costumes, ética, dentre outros, os quais, por força de sua amplitude, acabam por transcender aos segmentos formais[13].

Ademais, a mídia influencia sobremaneira a grande massa (população como um todo), “utiliza-o como o propulsor de suas ideologias e instrumento de manutenção do status quo”, narrando histórias, dissertando acerca de diversos assuntos, assim como também “seleciona estratégias de linguagem pelas quais edita vida, aponta caminhos, ensina modos de ser e espetaculariza o humano, a qualquer preço[14]”.

No mesmo sentido, Cláudio Cardoso Paiva[15] enfatiza que a mídia brasileira, em especial, a televisão, contribiu, e muito, no que o mesmo intitula de “duplicação ou clonagem da realidade cotidiana”, sob a ótica de que coexistimos com a mídia radical, a qual nos aspira e nos inspira, através de representações de valores, “de identificação e pertencimento”.

Vale ressaltar também que a interferência da mídia, seja essa direta ou indireta sob o controle formal, reforça o regramento de lei e ordem tendo por finalidade estabelecer uma “sensação de pânico generalizado” e assim, motivando e proporcionando uma pressão da coletividade as instituições judiciais e políticas na contenção de tais ameaças, as quais, muitas vezes são distorcidas com o sensacionalismo.

Sob esse aspecto há o que Zaffaroni intitula de “fabricação de estereótipos do criminoso”, criando um sentimento não apenas de insegurança, mas de rotulação, seletividade, etiquetamento, construído pelos meios de comunicação de massa, aliada a banalização da violência e, consequentemente do crime, acabando por gerar temor na coletividade[16].

Como reflexo da criminalidade e da violência, vê-se o medo, que, no presente caso, voltado sob a perspectiva social, vem se espalhando de forma sistematizada no “convívio comunitário entre pessoas e que tem assolado cada vez mais a vida cotidiana em suas inúmeras facetas”.

Aliado a isso, tem-se ainda a possibilidade do sentimento do medo individual se expandir “pela vida social tornando-se um sentimento difuso”, ou seja, aquele “existente no tempo em que a pessoa sente e que também é semelhante ao medo que as outras pessoas que fazem parte do idêntico sistema relacional ou social o sentem[17]”, resultando na perda da confiança nas Pessoas que estão convivendo no mesmo espaço individual.

O medo é a vulnerabilidade sentida, cujo pressuposto não é o aumento das ameaças reais, mas a falta de confiança nas defesas […] Toda a análise da cultura do medo não pode ignorar a ação da imprensa […] A grande mídia é quem determina qual a mensagem que irá passar ao publico e, via de regra, esta mensagem visa incutir medo, pânico e sensação de insegurança coletiva. Isso gera na população uma cobrança ao Estado, que responde com a criação de novas leis criminalizadoras, aumento de penas, enfim, com o endurecimento do sistema penal em geral[18].

Tal assertiva gera uma ação imediatista por parte do Estado em proporcionar uma pronta resposta, a qual por muitas vezes, encontra-se desprovida de uma análise pormenorizada do que efetivamente motivou tal provocação, sustentando-se a propositura com base apenas nas informações veiculadas pela mídia, o que é extremamente temerário.

Em outras palavras, o “medo do outro”, no sentido da manifestação do ser humano fora de si mesmo, rompe com a segurança de seu mundo e impossibilitando anular a presença deste.

O medo social é um sentimento que hoje está incorporado em maior ou menor grau, na formação cultural dos indivíduos pertencentes à nossa sociedade, Ele influencia e demarca as escolhas que nos são oferecidas em cada ocasião de convivência com os demais integrantes da sociedade[19].

Em síntese, o medo social acaba por geral e influenciar a tomada de decisões e, consequentemente, na alteração não apenas de comportamento, como também, na regras de convivência e normas legais, como é o que estamos vivenciando ao longo dos anos no Estado brasileiro, muitas vezes mais imediatistas (como reflexos do clamor social e resposta ao ocorrido).

A mídia, com sua aparência indefesa, sob a alegação de prestar serviço cultural e informativo de maneira diversificada com o alcance de todas as classes e indivíduos vêm, hodiernamente, se manifestando como um super poder, causando grande influência, de certa maneira perversa, sobre a vida das pessoas[20].

Essa é, a nosso ver (de forma generalizada e reflexiva), a realidade que vem sendo fomentada pela mídia.


Notas e Referências:

[1] MORIN, Edgar. A Via: para o futuro da humanidade. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mara Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013, p. 21.

[2] CRUZ. Paulo Márcio; BODNAR. Zenildo. A transnacionalidade e a emergência do estado e do direito transnacionais. Direito e Transnacionalidade. Paulo Márcio Cruz, Joana Stelzer (orgs). 1ed., 2009, 2 reimp., Curitiba: Juruá, 2010.

[3] RÉGIS, Jonathan Cardoso. Decisões do poder judiciário frente ao direito transnacional, 2016.

[4] “O crescimento dos crimes e da violência no Brasil é, em grande medida, consequência da emergência e disseminação do crime organizado no Brasil, em especial em torno do tráfico de drogas, fenômeno intensificado a partir da década de 80 do século passado” (ADORNO, Sérgio. Crime, punição e prisões no Brasil: um retrato sem retoques, p. 08. In: Foro Iberoamericano Sobre Seguridad Ciudadana, Violência Social Y Políticas Publicas, Madrid, Espanha. Anais…, junho 2006, p.19-21. No prelo).

[5] BIZZOTTO, Alexandre. A mão invisível do medo e o pensamento criminal libertário. 1. ed. Florianópolis: Empório do Direito Editora, 2015, p. 82 e 84.

[6] Idem, p. 84.

[7] RODRIGUES, Lucas de Oliveira. Controle social. Mundo Educação. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/controle-social.htm>. Acesso em: 20 set. 2016.

[8] YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. O discurso da impunidade, a criminologia midiática e o ataque aos juízes garantistas. Disponível em: < http://emporiododireito.com.br/o-discurso-da-impunidade-a-criminologia-midiatica-e-o-ataque-aos-juizes-garantistas-por-leonardo-isaac-yarochewsky/>. Acesso em: 25 set. 2017.

[9] CHAVES JÚNIOR, Airto. OLDONI, Fabiano. Para que(m) serve o direito penal?: uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 68.

[10] LOPES Filho, Mário Rocha. O tribunal do júri e algumas variáveis potenciais de influência. Porto Alegre: Núria Fabris, 2008, p. 81.

[11] CUNHA, Sheila Santos. O controle social e seus instrumentos, 2003. Disponível  em: <http://socialiris.org/imagem/boletim/arq493428c8bc3db.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.

[12] ALMEIDA, Judson Pereira de. Os Meios de Comunicação de Massa e o Direito Penal, 2007, p. 22. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/almeida-judson-meios-de-comunicacao-direito-penal.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.

[13] CHAVES JÚNIOR, Airto. OLDONI, Fabiano. Para que(m) serve o direito penal?: uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social, p. 25-27.

[14] GONÇALVES, Danielle. A violência da “Idade Mídia”. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2199/A-violencia-da-Idade-Midia>. Acesso em: 22 set. 2017.

[15] PAIVA, Cláudio Cardoso. De olho nos traficantes, malandro e celebridades: um estudo de mídia e violência urbana, 2000, p. 2. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/paiva-claudio-midia-violencia-urbana.pdf>. Acesso em: 22 set. 2017.

[16] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal, p. 130.

[17] BIZZOTTO, Alexandre. A mão invisível do medo e o pensamento criminal libertário. 1. ed. Florianópolis: Empório do Direito Editora, 2015, p. 65-66.

[18] CHAVES JÚNIOR, Airto. OLDONI, Fabiano. Para que(m) serve o direito penal?: uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social, p. 53-54.

[19] BIZZOTTO, Alexandre. A mão invisível do medo e o pensamento criminal libertário, p. 66.

[20] GONÇALVES, Danielle. A violência da “Idade Mídia”.


 

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