Introdução
O Estado Democrático de Direito revela uma configuração de poder, com delimitação constitucional e compromisso com a higidez dos direitos civis, cuja teoria constitucional restringe e organiza o espaço de atuação dos órgãos de execução do poder, garantindo que não ocorra prevalência desarrozoada de um órgão sobre o outro.
Entretanto, com o passar do tempo e o advento das sucessões político-ideológicas, a dinâmica relacionada à harmonia entre os órgãos de execução do poder sofreu profunda transformação, incluindo questões relacionadas com a independência, com o entrelaçamento de atribuições e com a submissão hierarquizada.
No Brasil, modernamente, há uma tendência de hierarquização entre os órgãos de execução do poder, com destaque para as situações relacionadas com a justiça constitucional (ou a justiça do poder dos juízes), que paulatinamente usurpa o Poder de Administrar a res pública, com a interferência indevida no mérito administrativo e, atravessa o Poder Representativo, oriundo da cidadania e da participação política, suprimindo a voz da população.
A organização de uma hierarquia, ainda que relativa, entre os órgãos de execução do poder, quando estabelecida sem critérios objetivos, representa um risco à República e à Democracia. Atualmente, vê-se a elevação do órgão do Judiciário à condição de repositório de todas as soluções técnicas e de guardião exclusivo da moralidade pública – é a teoria divina dos reis aplicada na tripartição dos poderes, concebendo os juízes como divindade, cujas decisões estão imunes a erros e a sanções. O dilema que se apresenta requer uma solução que elimine a discricionariedade do poder dos juízes, sub-rogados à condição de gestores e legisladores, fazendo com que o direito seja retratado como uma realidade fantástica, totalmente desfocado das circunstâncias históricas e das implicações na pós-modernidade.
Em tempos de crise ambiental, com a premente a necessidade de garantir o crescimento econômico, concomitante com a prevalência da sustentabilidade; torna-se relevante discutir a relação dos órgãos de execução do poder com a garantia do meio ambiente; ou seja, verificar o quanto a independência entre os órgãos colabora para as políticas de meio ambiente e o quanto a discricionariedade do poder de polícia do Estado é ou não vinculado às políticas públicas de meio ambiente.
O controle do ato administrativo e a discricionariedade das decisões do Poder Judiciário.
De forma rasa, pode-se afirmar que o Poder de Polícia nasce da necessidade pública de limitar o abuso no exercício dos direitos individuais, fixando parâmetros capazes de conforma-los ao interesse público e relativizar os direitos. O conceito legal de Poder de Polícia, segundo a doutrina clássica do direito administrativo, assenta-se no art. 78 do Código Tributário Nacional, cuja natureza de norma geral permite a utilização nos diversos ramos do direito.
Na teoria, o conceito de Poder de Política é adequado, contudo, na prática (na efetividade), há problemas relevantes, fruto de uma crise de paradigmas que atravessa o Estado Democrático de Direito, ou simplesmente, que atravessa o direito ao meio. O gestor público (parte do Poder Executivo), responsável por limitar os abusos e conter os excessos através do Poder de Polícia, vê diuturnamente suas ações (fiscalizações, apreensões, multas, limitações administrativas, etc) serem revisadas e anuladas pelos órgãos do Poder Judiciário. O Poder Executivo é impactado diretamente pelo modelo (jusfilosófico) decisionista e arbitrário que preside o universo do Poder Judiciário, invadindo a esfera de competência do administrador público; alterando a execução programada das políticas públicas; impactando o orçamento público e, sobretudo, impedindo que a autoridade pública, eleita pela população, gerencie os serviços públicos, fazendo as escolhas que melhor atendam o interesse público.
As circunstâncias relacionadas com a atuação invasora do Poder Judiciário no mérito do ato administrativo do Poder Executivo e explicada por Lenio Luiz Streck[1], quando estudando a discricionariedade nas decisões judiciais, aduz que na era das Constituições compromissórias e sociais, do pós-positivismo, é necessária uma hermenêutica jurídica capaz de intermediar a tensão inexorável entre o texto e o sentido do texto e, sobretudo entre a lei é o mundo prático.
O problema prática, na essência, não é necessariamente a invasão do Poder Judiciário no mérito do ato administrativo do Poder Executivo, ao contrário do que se possa imaginar, as questões de maior relevo relacionam-se com o método decisório que separa saberes teóricos da prática real (as decisões jurídicas estão dissociadas da realidade da execução dos serviços públicos) e com o subjetivismo decisório (as decisões judiciais não guardam coerência e não possuem uma base com critérios objetivos que limitem a discricionariedade do juiz).
O impacto da discricionariedade judicial na efetivação das políticas ambientais.
Compreendida a lógica presente no modelo de organização dos órgãos de execução do poder na República brasileira e transpassando o debate para a realidade ambiental, não se encontra respostas diferentes. Os problemas relacionados com o distanciamento entre as decisões e a realidade do meio ambiente e, com a falta de coerência entre decisões com objetos similares e/ou idênticos, configura uma discricionariedade jurídica perigosa e devastadora para a conservação dos recursos naturais.
Uma das formas mais impactantes e visíveis da ação do poder judiciário na esfera ambiental se encontra na intervenção ou limitação da executoriedade dos atos administrativos do poder de polícia. Em regra, as questões ambientais estão relacionadas com a qualidade de vida na cidade e no campo e com a preservação de recursos da fauna e da flora, exigindo ação direta, imediata e paralisante do dano, sob pena de ineficiência da atuação do poder público ou da impossibilidade de restauração do ambiente danificado.
Há autores que argumentam que a intervenção ou não do poder judiciário no mérito do ato administrativo ambiental depende da situação e deve ser casuística, lastrada pela urgência na execução do ato, assim como pela presença da lei. A lógica, dentro do Estado de Direito é simples, havendo lei que autorize a ação ambiental (aplicação de multa, apreensão de equipamentos, embargo de áreas e/ou atividades), a ação do órgão ambiental não deve ser afastada por presunção ou ponderação (subjetiva) de princípios, quase sempre distorcidos ou distantes da realidade.
A ação do Poder Executivo na seara ambiental não é uma faculdade ou uma escolha, reveste-se de uma discricionariedade vinculada, deixando a esfera da conveniência e da oportunidade, passando e constituindo um dever constitucional imposto, uma obrigação de fazer, isto é, uma ação voltada à defesa e à preservação do meio ambiente.
Logo, a garantia de um meio ambiente sadio, para as presente e para as futuras gerações exige que o Poder Executivo atue com efetividade na fiscalização preventiva e repressiva e, de outro lado, que o Poder Judiciário compreenda a dimensão e a prioridade da ação do poder de polícia ambiental, uma vez que normalmente o dano ambiental não é reparável.
Conclusão.
Vê-se que o Estado Democrático de Direito no Brasil passa por solavancos na gestão da tripartição de poderes, com especial sobreposição do Poder Judiciário sobre os demais poderes, sem um justo modelo decisório – não se explica como se interpreta, não de traduz como se aplica e não se busca a resposta correta à necessidade da sociedade.
O subjetivismo acentuado, aplicado no controle jurisdicional, intervêm maleficamente no ato administrativo, impactando especialmente na gestão dos negócios e no orçamento público, restando pouco ou quase nenhuma margem administrativa ao chefe do Poder Executivo.
Na gestão da política ambiento aumento da degradação ambiental, seja pela ausência de capacidade técnica de compreensão dos problemas ambientais ou seja pela intervenção direta no poder de polícia, suspendendo os atos administrativos de apreensão de equipamentos ou de embargo de áreas, fazendo com que as ações de prevenção/repressão às práticas degradadoras do meio ambiente se tornem inócuas.
Notas e Referências
[1] STRECK, Lenio Luiz. Porque a discricionariedade é um grave problema para Dworkin e não o é para Alexy. Dossiê Ronald Dworkin. DOI 10.12957/dep.2013.8350
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