A 'desmaterialização' da economia

03/11/2019

O modelo de desenvolvimento econômico da sociedade moderna tem provocado uma reflexão sobre modelo de desenvolvimento socioambiental e sobre o padrão de consumo. A geração de energia e a extração de recursos naturais nunca foram demandados em quantidade e intensidade como nos dias atuais. Por isso, a sociedade discute o emprego de tecnologias mais eficientes, racionalização do consumo e aumento do uso de fontes renováveis de energia; a sociedade discute o emprego da chamada economia circular.

Por isso, as discussões envolvendo a economia e o meio ambiente nunca estiveram mais aquecidas, pois, o sonho da sustentabilidade e da qualidade de vida dos Seres Humanos depende, necessariamente, da regulação dos pilares da economia neoclássica. Historicamente, a teoria econômica neoclássica pensa o desenvolvimento socioambiental a partir do “ótimo da poluição”, ou seja, a partir de critérios que ampliam a oferta de bens e produtos para consumo sem considerar a limitação e a escassez dos recursos naturais, geralmente tratados como abundantes e inesgotáveis. Aliais, na teoria neoclássica, o meio ambiente é considerado um externalidade na relação econômica.

“O ótimo da poluição” considera o debate a partir de três teorias:

a. Teoria do ótimo de Pareto

Pela teoria do ótimo de Pareto, o bem-estar é buscado através da otimização do uso dos recursos naturais, incluindo o incremento de utilidade. Dentro da teoria, a regra é otimizar quando não se pode melhorar, aplicando regras de eficiência e de compensação.

b. Teoria da taxação Pigoviana

Segundo a teoria, as externalidades podem ser minimizadas através de taxação dos poluidores para aproximar a produção do custo social e reduzir o risco de escassez dos recursos naturais.  

c. Teoria da negociação Coasiana

Para a teoria, os atores econômicos podem negociar soluções para as externalidades, inclusive de forma extrajudicial e com resultado desassociado das premissas de responsabilidade civil ou de direitos de propriedade; geralmente utilizando um sistema que privilegia a negociação com custo monetário e que uma das partes internaliza os problemas ou ajusta meios de compensa-los.

O problema da aplicação das teorias neoclássicas são os desafios para negociar soluções para externalidades. Em regra, a balança pende para um único lado, pois, (1) os bens danificados ou os Seres Humanos envolvidos são muitos e mal organizados; (2) a existência de direitos não importa ou não é o problema, pois, o difícil é estar estruturado para buscar uma solução para os problemas ambientais; (3) a solução negociada implica no pagamento de custo entre os atores, circunstâncias nem sempre possível para certa ou determinada coletividade e, (4) a exigência de regulação.

Assim, a busca por uma economia capaz de satisfazer os interesses do mercado e ao mesmo tempo garantir a sustentabilidade vem introduzindo diversos conceitos, como o da economia verde, geralmente conhecida como uma economia de baixo carbono, uma economia eficiente no uso de recursos e uma economia socialmente inclusiva ou como uma economia que melhora o bem-estar humano, a igualdade social e, ao mesmo tempo, uma economia que abranda os riscos ambientais e a escassez de recursos naturais ou ecológicos.

Outra perspectiva introduzida é a desmaterialização da economia, caracterizada pela promoção da revisão do modelo e da intensidade de exploração dos recursos naturais. A ideia do presente ensaio e apresentar a desmaterialização da economia e destacar sua importância.

 

A desmaterialização da economia

Compreende-se por “desmaterialização” da economia a ideia de redução da atividade econômica provocada pela revisão do modelo e da intensidade de exploração dos recursos naturais; da revisão do processo de transformação da matéria prima ou da substituição do recurso natural por produtos tecnologicamente eficientes, e pela revisão da relação entre níveis de produção/oferta e consumo.

Embora possa parecer um paradoxo, a “desmaterialização” da economia não resulta, necessariamente, na redução do uso dos recursos naturais (matéria prima e energia). Ao contrário, a assunção da tecnologia, por exemplo, soergueu uma dupla “falsa” impressão: primeiro de que é possível alcançar a sustentabilidade apenas com inovação tecnológica e, segundo, de que a partir da implantação de novas tecnologias é possível manter a intensidade no uso dos recursos naturais. Resulta do paradoxo, que na hipótese de a economia mundial diminuir a intensidade na exploração dos recursos naturais, não haverá, necessariamente a redução do risco de escassez dos recursos naturais e da melhoria da qualidade de vida, pois, com a implantação e o uso de ferramentas tecnologias ocorrerá um desenvolvimento e um crescimento com maior velocidade, fazendo com que a balança da sustentabilidade fique desequilibrada.

A manutenção da escala do crescimento econômico (a combinação do crescimento da produção e consumo global) é imponderável com a perspectiva de sustentabilidade ambiental e, as condições econômicas mundiais não permitem atrelar bem-estar com a medida do Produto Interno Bruto – PIB.  

O PIB é uma medida atrelada à concepção da economia neoclássica, que retrata a economia como um sistema fechado (independente), envolvendo apenas produtores e consumidores e, que considera a natureza com um “ser” externo ao sistema (uma externalidade). A concepção neoclássica, quando aplicada, desconsidera o bem-estar humano e a importância do planejamento sustentável.

Assim, é possível afirmar que existem opções de desenvolvimento que permitem a “desmaterialização” da economia, porém, são conflitivas com modelo atual de produção/oferta e consumo de bens, produtos e serviços. Nesta hipótese, há necessidade (a) de desassociar PIB da concepção de bem-estar, (b) de produzir consumindo menos recurso natural; (c) de manter o estoque de capital natural e (d) de reduzir a produção de resíduo. 

A “desmaterialização” depende de edição de políticas públicas ambientais, marcos regulatórios e da constituição da consciência cidadã, pois, não é possível dissociar o indivíduo da política pública e vice-versa. Entretanto, dada a conectividade mundial, os problemas ambientais não podem ser tratados apenas por meio de políticas nacionais, havendo necessidade de estabelecer diálogos e entendimentos em nível internacional entre as nações.

 

Conclusão

A ideia da desmaterialização da economia é simples, porém, com um desafio imensurável. O desafio principal da economia é produzir consumindo menos, é reduzir a intensidade do uso de material prima e energia extraída e, ao mesmo tempo, atender os anseios de toda a população, manter o estoque de capital natural e fazer a economia girar.

A desmaterialização da economia não busca apenas reduzir a demanda por recursos, mas, sobretudo, gerar a menor quantidade possível de resíduos. Para a sociedade moderna, a desmaterialização pode parecer uma teoria distante e até inaplicável, quase uma ficção científica. Todavia, a desmaterialização pode ser alcançada através de ações do próprio mercado, como por exemplo: (a) o aumento da vida útil dos bens através da ressignificação das funções e (b) o compartilhamento de bens, que colabora para a redução da produção e, diretamente permite que o capital natural seja regenerado.

O funcionamento da economia desmaterializada exige (a) a revisão dos processos produtivos e (b) a aplicação de novas tecnologias que viabilizem o fluxo de materiais e serviços; sempre com vista a garantir às necessidades humanas e, paulatinamente uma economia que gere bem-estar.

Não é debalde lembrar, por fim, que a discussão que importa não é sobre a teoria da desmaterialização, mas sobre a necessidade de uma ampla e irrestrita convergência social para o uso racional e adequado dos recursos ecológicos em todo o planeta terra.

 

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