A democratização do sistema de justiça como necessidade – Por Márcio Soares Berclaz

18/09/2017

Na maior parte dos países da América Latina pode-se dizer que houve uma transição política, mas não propriamente jurídica, das ditaduras para a democracia. As instituições do sistema de Justiça, de modo geral, não são suficientemente democráticas, uma vez que, de regra, ao apostarem na prevalência do discurso de dominação, não se dedicam a pensar em possibilidades efetivas de transferências de poder ou de reforço de legitimidade.

Esse diagnóstico, na realidade brasileira, ainda que em graus e níveis distintos, inclui o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Se a democracia é experiência consolidada de compartilhamento de poder, devendo ser compreendida em perspectiva material, crítica e de alta intensidade, é preciso apontar como ônus permanente de cada uma das instituições do sistema do justiça, em especial do Ministério Público, que é o defensor do regime democrático, a demonstração cotidiana do seu viés efetivamente democrático pelas diversas matrizes normativas (a representação, a participação, a deliberação e a radicalidade).

Sob a perspectiva representativa, por mais que a regra no provimento dos cargos públicos seja a realização de concurso público (artigo 37, II, da Constituição) deve-se discutir, entre outros aspectos, o formato desse concurso, o conteúdo temático, a metodologia das provas, além dos critérios para composição das bancas examinadoras, o que precisa ser feito com a devida exogenia, em especial com a valorização e a preservação de espaço para a universidade.

No viés participativo-deliberativo, é de se perguntar quais são os espaços para que o povo e a sociedade participem do processo de tomada de decisões, sobretudo no campo administrativo, das instituições do sistema de justiça. Para ficar num exemplo: qual a razão de não haver espaço para efetiva participação da sociedade na definição das prioridade orçamentárias das instituições do sistema de justiça?

Por derradeiro, é preciso pensar espaços de dissensos, conflitos e de exercício da "radicalidade", insurgência necessária e determinante para que as instituições do sistema de justiça estejam preocupadas com a superação dos problemas vigentes em busca de um formato mais adequado. Um sistema de justiça radicalmente democrático é aquele que, antes de se pautar pela dominação burocrático-institucional, abre espaços para que a sociedade expresse sua insatisfação e descontentamento; um sistema de justiça radicalmente democrático é aquele que reconhece legitimidade nas contestações, descontentamentos e insurgências que podem ser expressados das mais diversas formas. Como outro dia bem aprendi com David Sánchez Rubio, além da imprescindível transferência de poder, uma democracia radical é aquela própria do tempo dos vitimizados, não a dos privilegiados, que preferem moderação, ordem e tranquilidade.

Em último grau, ao invés da alienação e do desinteresse, precisa-se, cada vez mais, de educação jurídica, informação de qualidade e preparação cultural para que o povo e a sociedade estejam atentos e dispostos a interferir positiva e criticamente no funcionamento das instituições do sistema de justiça. É isso que garantirá maior possibilidade de que a justiça, como pretensão, esteja democraticamente legitimada.


 

Imagem Ilustrativa do Post: DSC_7099 // Foto de: 張 瑞瑜 // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/93346535@N02/9444171702

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/zero/1.0/deed.en

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura