A Democracia entre a Complexidade, os Conflitos e o Direito: como liberar o dissenso? – Por Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior

11/08/2017

Coordenador: Marcos Catalan

“Qual seria, atualmente, a aproximação entre Democracia, Complexidade, Conflitos e o Direito?” esta pergunta foi feita por Gabriela Samrsla Möller na coluna “A Democracia entre a Complexidade, os Conflitos e o Direito: como dialogar?”, a qual pego emprestado o título para prosseguir pensando em como se relacionam estes elementos.

Para dar continuidade à reflexão proposta por Gabriela, sigo com as lições de Luis Alberto Warat, que coloca o Estado como um grande operador totêmico que, com as leis e saberes, organiza a alienação e as relações de poder, produz o normal e normatiza a subjetividade. Para romper com o Estado totem, Warat parte do pressuposto de que o simbólico é uma dimensão do político e o politico uma dimensão do simbólico. O que coloca a discussão sobre a criação de uma ordem simbólica democrática na articulação do que a própria sociedade fará entende por poder, produção de bens materiais, lei, saber e personalidade. Assim, a política caracteriza-se pelo local de interpretação e interrogação histórica da própria sociedade[1].

É este conceito que gostaria de adicionar na reflexão sobre Complexidade, Conflitos e o Direito por um viés democrático.

O Paradigma da complexidade revela a pluralidade do social e a necessidade de produção de novos contextos sociais e neste mesmo movimento exsurge a conflitualidade inerente deste pluralismo. Assim, o paradigma do Direito precisa ser repensado para lidar com uma sociedade mundial, complexa e sistêmica. A reflexidade jurídica, nos termos de Teubner[2] não só possibilita uma nova perspectiva sobre a conflitualidade como proporciona a abertura com o político do qual Warat já nos falava.

O Direito deixa de ser um meta-sistema, ele passa a ser criado nas fronteiras dos sistemas sociais, nos contextos sociais que estão sendo politizados pela participação democrática. A democracia social emerge na ação reflexiva do direito com o sistema social a qual ele está ligado. Para seguir com Fischer-Lescano[3], a relação do Direito diante da complexidade social numa perspectiva democrática não pode ser orientada para a construção do consenso, e sim, num processo de auto-constituição. Significa orientar o Direito em um direito da constituição do direito, ou seja, as instâncias sociais devem orientar seu próprio direito. A força da democracia não é a construção do consenso, mas a liberação radical do dissenso.

Na interdependência intrínseca entre o político e o simbólico, os contextos sociais apresentam-se como instâncias reflexivas de criação de seu próprio direito mediante a potencialidade do Conflito. O político – no sentido amplo, simbólico, para além do nível partidário e estatal – e o conflito situam a democracia, implicando em sua prática radical. Não é possível conceber uma sociedade e muito menos uma sociedade democrática sem a presença do conflito. Liberar os conflitos, criar antagonismos, provocar o dissenso; estas são as formas com que a democracia se movimenta diante da complexidade.

Nestas condições a sociologia jurídica apresenta-se como ferramenta analítica para dar visibilidade às demandas da sociedade e reflexividade ao Direito. Com ela é possível desvendar a criação de antagonismos e a luta contra relações de opressão nos contextos sociais para uma investigação social relativa à democracia e sua radicalização. Por isso, adicionar a leitura de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe[4] na pesquisa sociológica do direito possibilita navegar pela política democrática radical e compor um estudo acerca da (necessidade de) construção ou desconstrução de direitos pelos contextos sociais.

Essa construção a partir dos Conflitos permite ao Direito ir além da positividade, além do (totêmico) Estado. O direito à constituição do Direito implica na radicalização da democracia e o combate à democracia de baixa intensidade. Para falar com Boaventura de Sousa Santos, há uma concepção naturalizada de democracia que: (1) aponta a mobilização social como contradição em relação à institucionalização; (2) valoriza positivamente a apatia política, indicando a política como instância da representação; (3) concentra-se no desenho eleitoral para o desenvolvimento democrático; (4) absorve a pluralidade da sociedade para as instâncias da política partidária e/ou de controle das elites; (5) tratamento minimalista para a participação social nos problemas sociais complexos que requerem discussão. Essa “morna” democracia deve ser combatida pelo antagonismo (Laclau), pela política dos desejos (Warat), pela auto-constitucionalização dos contextos sociais (Fischer-Lescano, Teubner).

Gabriela, propôs uma reflexão densa, enredada por liames sociais, jurídicos e políticos. Dou mais um passo na reflexão proposta, sua pergunta “como dialogar?”, pode ser respondida por outra pergunta: “como liberar o dissenso?”. O diálogo necessário é entre democracia, complexidade, Direito e os Conflitos, não entre as esferas sociais. Estas, poderíamos utilizar um conceito de Niklas Luhmann[5], são negligentes entre elas, utilizam linguagens diferentes, não há dialogo possível. Para lidar com a negligência e as, consequentes, patologias dos sistemas sociais o dissenso se torna palavra-chave. Para finalizar, sigo, como Gabriela, repetindo as palavras de Warat[6]: “é importante não confundir a mediatização da justiça com a dimensão jurídica da política. A primeira é uma encenação cínica da relação direito-política; a segunda é a forma de realização democrática da política (que por outro lado é a única forma de realizar e preservar o espaço da política)”.


Notas e Referências:

[1] WARAT, Luis Alberto. A fantasia jurídica da igualdade: Democracia e direitos humanos numa pragmática da singularidade. BuscaLegis, n.24, pp. 36-54, setembro, 1992.

[2] TEUBNER, Gunther. TEUBNER, Gunther. Fragmentos constitucionais: constitucionalismo social na globalização. São Paulo: Saraiva, 2016.

[3] FISCHER-LESCANO, Andreas. Força do direito. 1ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 130.

[4] LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios; Brasília: CNPQ, 2015.

[5] LUHMANN, Niklas, Globalization or World society: How to Conceive of Modern Society?, International Review of Sociology 7(1), pp. 67-79, 1997, p. 74.

[6] WARAT, Luis Alberto. Por quem cantam as sereias: informe sobre ecocidadania, gênero e direito. In: WARAT, Luis Alberto. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 387.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Púgil // Foto de: Míriam Pérez // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/miriamperezm/14276045195

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura