A defesa da vida pelo direito ambiental

02/09/2018

Introdução.

Os princípios, diante da mutação hermenêutica da ciência jurídica e da ascensão dos direitos e das garantias fundamentais, passaram a possuir maior conteúdo normativo e foram relativizados, quando comparados com a estrutura clássica dos princípios ligados ao direito natural. A perspectiva, segundo BARROSO (2006, p. 27)[1], decorre da imbricação que relaciona na moderna hermenêutica os valores, as regras e os princípios jurídicos.

A justaposição entre valores, regras e princípios acaba por confundir, na aplicação prática do direito ambiental, o que seja princípio ambiental e o que seja regra jurídica ambiental; uma vez que a definição de princípio, voltada para o ideário de que seriam normas jurídicas que fundamentam o sistema jurídico, possuindo abstração, generalidade e indeterminação, não alcançaria a aplicação prática e que eminentemente dependeria da intermediação de regras de direito positivo AMADO (2012)[2].

Dentre as consequências dessa sobreposição entre valores, regras e princípios, encetada pelo pós-positivismo, encontra-se a constitucionalização dos ramos do direito público e privado, com   estruturação e interpretação à luz da Constituição Federal. O direito ambiental, ramo do direito público, contêm princípios que decorrem do texto constitucional e outros das inúmeras leis infraconstitucionais, não havendo atualmente uniformidade doutrinária na identificação, muito menos em relação ao conteúdo jurídico.

Para RODRIGUES (2002, p. 133)[3] citando J. J. Gomes Canotilho, o debate dos princípios deve compreender, nas democracias constitucionais, a existência de três categorias, a saber:

Segundo a lição de Canotilho, e tomando como partida o texto constitucional de qualquer nação, podemos dividir os princípios em três categorias: os estruturantes, os gerais e os específicos. Os primeiros referem-se à estrutura do Estado Democrático de Direito (Soberania, Dignidade da Pessoa Humana, etc. – Art. 1º da CF/88), os segundos corresponderiam aos princípios relativos às garantias individuais e coletivas previstas no art. 5º, sempre voltados à tutela da vida, isonomia, liberdade, etc, tal como informa o caput do dispositivo. Já os princípios específicos são aqueles que direcionam determinada ciência em particular, tal como os previstos no art. 170 relativamente ao direito econômico e financeiro; os do art. 7º e 8º referentes ao direito do trabalho; os do art. 150 e ss., referentes ao direito tributário; os do art. 37 referente ao direito administrativo e assim sucessivamente.

Palmilhando o caminho de RODRIGUES, como regra, o art. 225 da CF/88 referenciaria o direito ambiental dentro da classificação da categoria de um princípio específico; porém, dada a natureza de transversalidade dos direitos ambientais, não é possível determinar com exatidão que os princípios de direito ambiental sejam apenas da categoria princípio especifico, isso por que o direito ambiental, de algum modo, encontra-se presente nas demais ciências que se relacionam com o meio ambiente. Assim, classificação dos princípios na ciência[4] do direito ambiental mostra-se tanto estruturante quanto geral e específica, pois, os princípios de direito ambiental retratam, simultaneamente, aspectos relacionados com a dignidade da pessoa humana (princípio estruturante), com a defesa da vida (principio geral) e com a execução de um licenciamento ambiental (princípio específico).

Por tais motivos, RODRIGUES (2002, p. 133) aduz que quando se fala em princípios do direito ambiental, devemos ter a exata noção do que está sendo exposto. O professor explica que conquanto sejam identificáveis princípios do direito do ambiente no art. 225 da CF/88, é certo que absolutamente tudo que se relaciona ao meio ambiente está ligado ao direito à vida, motivo pelo qual há uma sobreposição natural, senão topológica ao menos teleológica, do objeto de tutela do ambiente em relação as demais ciências.

O presente artigo pretende retratar, em meio a discussão acadêmica do direito, em que medida os princípios e as regras do direito ambiental promovem a defesa da vida.  

A preservação da vida.  

Não há na doutrina jurídica, como já afirmado, consenso ou uniformidade doutrinária na identificação dos princípios de direito ambiental, muito menos em relação ao conteúdo jurídico expresso. Entretanto, é fato que todos os princípios que orientam as normas de direito ambiental indicam como objetivo, ainda que subjacente, a preservação da vida.

Pode-se dizer, indene de dúvida, que o resultado pretendido pelo legislador com a criação e fixação dos princípios do direito ambiental é, antes de tudo, proteger, conservar e preservar a vida. Para tanto, as normas jurídicas de direito ambiental são interpretadas e dirigidas por conteúdos axiológicos que pretendem, em última razão, garantir a sustentabilidade da vida no planeta.

A sustentabilidade do planeta, por sua vez, exige a revisão do modo de vida do Ser Humano, essencialmente através da revisão da concepção hedonista, cujo horizonte de preocupações limita-se a percepção de direitos individuais que perfazem a busca da satisfação dos interesses pessoais, sem qualquer limitação ou preocupação com o destino do universo, dos Seres Humanos ou com o futuro da humanidade.

Leonardo Boff[5] amplia a ideia de sustentabilidade incluindo o conceito de ecoeficiência, relacionando os processos e os produtos que demandam recursos naturais com as atitudes e comportamentos dos Seres Humanos. 

Podemos produzir não para acumular riqueza, mas para ter o suficiente e decente para todos, em harmonia com os ciclos da natureza e com o sentido de solidariedade para com as gerações presentes e futuras (...) A sustentabilidade significa a garantia de que todos os seres têm as condições de viver, reproduzir-se e permanecer na natureza. Também diz respeito ao cuidado, que é a atitude subjetiva de renúncia a toda agressão e violação da natureza, de zelo em curar as chagas passadas e impedir as futuras.

Nesse sentido, os princípios do direito ambiental devem orientar as normas e os regulamento para a preservação da humanidade, colaborando para ecoeficiência através de um pacto socio, jurídico e ambiental. O teólogo Leonardo Boff adverte que a democracia não pode incluir só os seres humanos como se convivessem autonomamente. Não somos os únicos portadores de direitos. Todos os seres vivos são e a humanidade precisa articular um pacto social com um pacto natural, fazer justiça ecológica (tratando com respeito a natureza) e justiça social (tratando humanamente os seres humanos). Sem esse acordo não haverá paz entre nós e paz com a Terra.

Conclusão.

O direito ambiental, por seus princípios, regula a sociedade, orienta a edição e a exegese de normas infraconstitucionais e defende a vida pela articulação de dois aspectos, um de ordem natural (ambiental) e outro de ordem social.

a) o aspecto ambiental é responsável por editar normas de proteção da natureza, evitando o sofrimento e a excessiva desfiguração do ambiente; preservando as espécies, evitando a extinção de seres da fauna e da flora e, contendo os excessos da industrialização;

b) o aspecto social realiza a inserção do ser humano e a sociedade como componentes da natureza, reconhecendo que qualquer violação de direitos humanos é uma violência contra a natureza e, ainda, editando normas para implementação dos conteúdos de ordem programática da Constituição Federal para combater a injustiça social.

 

Notas e Referências

[1] BARROSO, Luiz Roberto. Fundamentos teóricos do novo direito constitucional brasileiro (pós modernidade, teoria crítica e pós positivismo). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Luiz Roberto Barroso (organizador). 2 ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2006.

[2] AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2012.

[3] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituição de direito ambiental. vol. 1, São Paulo: Max Limonad, 2002

[4] Adota-se o entendimento de Edis Milaré, Vladimir Passos de Freitas, dentre outros sobre a autonômica do direito ambiental dentro das ciências jurídicas.

[5] Disponível em https://www.ideiasustentavel.com.br/vida-solidaria-justica-social-com-justica-ecologica/. Acesso em 30 de ago. 2018.

 

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